JPP
1. Escolher designações habilidosas para realidades negativas. Passarei pela rama esta muito significativa manipulação, porque já falei dela várias vezes. A regra propagandística é que quem manda nas palavras, manda nas cabeças. Por isso, o confronto fez-se pelo doubletalk. O exemplo típico é passar a falar de "poupanças" em vez de "cortes", e o mais ofensivo da decência é chamar "Plano de Requalificação da Administração Pública" a um plano de despedimentos, puro e simples, sem disfarces. O comunicado do Conselho de Estado reproduz também este tipo de linguagem orwelliana. 2. Ocultar o que corre mal no presente com anúncios futuros do que vai correr bem. Um exemplo típico é a última declaração do ministro das Finanças, numa altura em que se conhecem mais uma vez maus resultados da execução orçamental. Bastou ele acenar com medidas de incentivo fiscal ao investimento, em abstracto positivas, no concreto, pouco eficazes, para servirem de mecanismo de ocultação das dificuldades de execução orçamental. E como o "gatilho" (o nosso ministro pensa em inglês) dessas medidas é apresentada com a coreografia verbal da novidade e a encenação do ministro "inimigo" ao lado, estão garantidos alguns editoriais e comentários positivos. Tivemos já, há umas semanas, algo de semelhante, com o plano de "fomento industrial", aliás um remake de vários outros anúncios entretanto esquecidos. O problema é que o Governo já percebeu que tem que utilizar uma linguagem de "viragem para o crescimento", mas as medidas mais significativas em curso e com efeitos imediatos são cortes no rendimento das pessoas e famílias. Não deveria o real ser tido em conta, face ao virtual? Deveria se não fosse a cenoura da novidade. 3. Escolher metas do futuro manipulando o seu significado para obter resultados propagandísticos no presente. O melhor exemplo é a história do "pós-troika" para que colaboraram recentemente Portas e o Presidente da República. Portas fez um tardio e pouco convincente arroubo nacionalista contra "eles", os homens da troika, justificando a sua aceitação de medidas de austeridade gravosas com a necessidade de os ver pelas costas em 2014. O Presidente fez pior: usou o "pós-troika" para minimizar o caos governativo do presente em nome de uma inevitabilidade da mesma política para o futuro. Pretendeu alargar a base de sustentação do seu discurso no 25 de Abril, consciente, mesmo que não o diga, de que ele lhe tolheu a margem de manobra. Mas o Conselho de Estado teve os efeitos contrários ao que pretendia. O que ambos, Portas, o Presidente, somados a Gaspar-Passos o actual tandem governativo, pretendem é obter dois resultados inerentemente contraditórios: festejar a saída da troika como uma grande vitória governativa e depois garantir que tudo continua na mesma sem a troika. 4. Concentrar a atenção nas medidas que vão cair e fazer passar, por distracção, outras bem mais gravosas. Um exemplo típico foi a intervenção de Paulo Portas sobre o "cisma grisalho". Portas concentrou-se naquilo a que chamou "TSU dos reformados" - designação que ele próprio criou com a habilidade de autor de soundbytes para, com a embasbaquice normal da comunicação social, facilitar a concentração de atenção num nome -, deixando deliberadamente na obscuridade todo um outro conjunto de medidas contra os reformados e pensionistas, muito mais gravosos do que aquele que recusava. O resto é o habitual: toda a gente passou a falar apenas das peripécias da "TSU dos reformados", e esqueceu as outras. 5. Deixar fluídos todos os anúncios de medidas, para criar habituação e poder recuar numas que geraram mais controvérsia e avançar noutras que ficaram distraídas. Já fiz uma vez esta pergunta e repito-a: alguém sabe, do pacote dos 4 mil milhões, o que é que está decidido, o que é que está "aberto", o que é uma "hipótese de trabalho", o que é para discutir na concertação social, o que foi anunciado e deixado cair, que medidas são efectivamente para valer? Não se sabe, nem o Governo sabe. Sabe as que deseja, mas hesita em função das pressões da opinião pública, do medo do Tribunal Constitucional, do receio dos efeitos na UGT, nas suas clientelas. Por isso temos navegação tão à vista que o navio parece estar encalhado. Não está, porque, nos interstícios, as medidas que são mais fáceis do ponto de vista administrativo, dependem de despachos, e não precisam ir à Assembleia ou ao Presidente, vão sendo tomadas. São todas do mesmo tipo: retiram direitos, salários, horários, condições de trabalho. 6. Fazer fugas de informação de medidas draconianas e violentas de austeridade, para depois vir-se gabar de que as evitou. Um exemplo típico são as conferências de imprensa em que se valoriza determinadas medidas dizendo que elas permitem evitar outras muito piores, de que se fizeram fugas deliberadas. Joga-se com o medo, e com as expectativas negativas, para manipular as pessoas de que afinal, perdendo muito, sempre estão a ganhar alguma coisa. A comunicação social participa no jogo. 7. Manipular o efeito de novidade nos media para dar a entender que o Governo mudou. O melhor exemplo é a utilização do novo ministro das relações públicas e marketing do Governo - no passado chamar-se-ia ministro da Propaganda -, Poiares Maduro, cujas intervenções se caracterizam até agora pela repetição vezes sem conta da palavra "consenso" e depois, nas questões cruciais, a repetir o mais estafado discurso governamental. Veja-se o que disse, contrariando todo o mais elementar bom senso e as evidências públicas, sobre não haverem divergências no Governo entre Portas e Passos, ou entre a ala do "crescimento" e a ala do "rigor orçamental". Ou, numa manipulação da ignorância mediática, de que eventos como as duas declarações sucessivas de Passos e Portas são "normais" em governos de coligação. O único caso, vagamente comparável, é o do par Cameron-Clegg, mas este tipo de eventos não são normais em nenhuma circunstância. O que seria normal é que a seguir a uma declaração com a que Portas fez, ou este pedisse a demissão ou fosse demitido. Esqueci-me de dizer que eles no intervalo da propaganda, são todos "institucionalistas". 8. Acentuar as expectativas negativas nas próximas eleições autárquicas, para obter ganhos de causa se os resultados não forem tão maus como isso. As eleições autárquicas reflectem a situação política nacional, mas são das eleições mais afectadas pelo contexto local, ou pelas personalidades escolhidas. O PSD terá sem dúvida maus resultados eleitorais pela reacção contra o Governo, contra Passos e Gaspar e o ex-ministro Relvas. Terá também péssimos resultados por apresentar maus candidatos às eleições em muitos concelhos, em particular os mais importantes. Nesses duplicará os factores negativos da reacção contra o Governo, com candidatos envolvidos em polémicas desnecessárias ou escolhidos apenas pelas conveniências do aparelho. Mas também é verdade que em muitos sítios, em que o voto é mais exigente, o PS apresenta também candidatos muito maus, vindos como os do PSD dos equilíbrios aparelhísticos e do pagamento de favores internos ao grupo de Seguro. Por isso, não é líquido que não haja um efeito de minimização dos estragos que permita transformar resultados medíocres em resultados razoáveis, logo, no actual contexto, numa "vitória", jogando com expectativas muito negativas. A comunicação social, com a habitual servidão aos lugares-comuns, ajuda ao baixar tanto as expectativas que qualquer resultado que não seja uma catástrofe nuclear possa ser visto como bom. Há muito mais, mas fica para outra vez. |
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