segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O dólar está a perder os seus privilégios especiais.

A decisão na terça-feira passada (6 de setembro) do Banco Nacional da Suíça (banco central) em colocar um travão à valorização da sua moeda, o franco, pode ter sido um primeiro tiro de uma nova "guerra de divisas". O que motivou uma entrevista com James Dines, o autor de "Goldbug" (originalmente publicado com o título "The Invisible Crash") e "Mass Psychology" (um guia para o investidor que pretende resistir a ser influenciado pela psicologia da multidão - outros dirão da manada), editor da The Dines Letter desde 1960. James Dines marcou diferença na comunidade de analistas financeiros por estar a contracorrente - por ser um "contrarian", como o designam os americanos. Refira-se que trabalhou na inteligência militar, antes de saltar para Wall Street. Nos anos 1980 mudou-se para a Califórnia e para os ares do Pacífico, baseando-se em Belvedere, uma pequena comunidade, no meio do verde, com pouco mais de 2000 habitantes, sem lojas nem restaurantes, na península de Tiburon, na Baía de São Francisco. Belvedere, além de excelentes vistas, aloja o Iate Clube de São Francisco. Um dos instrumentos de trabalho de Dines é um medidor das oscilações entre ganância das multidões (mass greed) e pânico das multidões (mass fear) nos mercados financeiros. Foi dos primeiros a dizer para se apostar no ouro, nas terras raras, no urânio, na Internet, na China, e a fazer boas compras quando os outros estão em pânico vendendo tudo o que podem ao desbarato, ou a livrar-se de ativos quando a "exuberância irracional" (como lhe chamava Alan Greenspan, o então patrão da Reserva Federal, o banco central norte-americano, em dezembro de 1996) se apodera das valorizações em bolsa. Disse-o nos momentos certos. Por exemplo, a 2 de março de 2009 recomendou "comprar", quando o pânico era mais intenso. As bolsas começariam a atingir o ponto mais baixo dias depois: o índice FTSE em Londres a 3 de março, o DAX de Frankfurt a 6, o S&P 500 de Wall Street, o CAC 40 de Paris e o BSE Sensex de Mumbai (Índia) a 9 e o Nikkei 225 (bolsa de Tóquio) a 10 do mesmo mês. O seu ídolo é o percevejo, um sobrevivente incompreendido e mal-amado.

ENTREVISTA

P: Vamos assistir a uma nova crise nas divisas com uma guerra económica no horizonte entre as principais moedas do mundo?

R: Na The Dines Letter há muito que prevejo uma vaga de desvalorizações competitivas entre divisas, o que se tem referido como "guerra de divisas". Estas guerras estão a medrar há décadas, pois várias grandes economias começaram a suprimir as taxas de juro de um modo competitivo com vista a tornarem as suas divisas menos atrativas. De um modo deliberado com vista a fortalecer a sua capacidade de exportação.

"Uma corrida louca para o fundo"

P: E quem tem estado nessa "guerra" há mais tempo?

R: Os Estados Unidos têm cortado as ligações entre o seu papel-moeda e o ouro há mais de um século, como referi em "Goldbug". Têm-no feito passo a passo, com o resultado de que hoje todas as divisas flutuam sem qualquer ligação a qualquer valor tangível. Deste modo, flutuam em função do montante de papel que cada país imprime. O que vai gerar o que temos chamado de corrida louca para o fundo. Isso está a acontecer com as taxas de juro no Japão e nos Estados Unidos ao nível virtualmente de zero, a um ponto que já estão perplexos sobre o que fazer a seguir - mas não há a seguir algum. O facto de que a onça de ouro já subiu a valores acima de 1900 dólares é uma mensagem do mercado.

P: Quae consequências podemos esperar dessa corrida louca?

R: O primeiro resultado dessa corrida à impressora é inflação, seguida por deflação. O mundo tem estado em deflação por várias décadas, pelo menos desde 1989 no Japão. Nestas circunstâncias, imprimir mais montanhas de dinheiro arrisca uma terrível hiperinflação, que designo por supernova de inflações.

"Instabilidade arrisca um crash histórico"

P: Mas a guerra de divisas está circunscrita aos países habitualmente citados, China, EUA, Japão, Brasil, agora a Suíça?

R: Não, afeta todas as divisas. Todas estão envolvidas em desvalorizações competitivas em que nenhum país quer uma moeda valorizada que prejudique os seus exportadores. É pouco provável que os países parem de dar à manivela da impressora, ou que o façam exatamente ao mesmo tempo e ao mesmo ritmo. Como todas flutuam umas contra as outras, a instabilidade arrisca um crash histórico algures no futuro. E a proteção contra ele será difícil de encontrar - mas, como resguardo, eu costumo sugerir, pelo menos, ativos relacionados com o ouro e a prata. Repito: uma divisa a flutuar cambialmente introduz uma situação de instabilidade inerente em todo o sistema económico e de divisas, acarretando sérias perdas de capital aos que não estejam preparados.

P: As intervenções dos bancos centrais do Japão e da Suíça são sustentáveis?

R: No longo prazo terão consequências muito sérias para as divisas mundiais e por consequência para a economia mundial. A economia mundial necessita de um sistema cambial sólido para funcionar adequadamente. Veja o caso do Japão - tem, desde há bastante tempo, mantido o iene desvalorizado face ao dólar para promover as suas exportações. Mas este jogo acabou, e o país tem poucas hipóteses, se não comprar dólares para os valorizar face ao iene. Mas a América, por seu lado, também está empenhada no jogo de dar à manivela da impressora. Acabamos por ficar maravilhados com o facto de que o Japão imprime ienes para comprar dólares sem se aperceber que é um castelo de cartas ilusório e vulnerável a uma ventania.

P: Mas a Suíça está na mesma situação do Japão?

R: Não, está numa posição diferente, com imensa procura da sua divisa estável. Os investidores que procuram refúgios estavam a pressionar a valorização do franco suíço até um ponto que os exportadores helvéticos estavam a ficar espremidos. Mas há, sem dúvida, uma vantagem compensatória - uma divisa forte pode comprar, por exemplo, petróleo mais barato, em termos reais, tornando o país mais competitivo internacionalmente.

P: A valorização do euro face ao dólar, desde maio de 2010, é sustentável, face à vaga de quase-bancarrotas em alguns membros da moeda única e à confusão política que reina entre os principais líderes?

R: O dólar e o euro têm-se movido sem grandes variações relativas desde 2008. Nenhum papel-moeda pode ter um movimento "sustentável", pois sem uma ligação a algo tangível, flutuará de acordo com as regras da psicologia de massas e com as emoções da multidão, como referi no meu livro "Mass Psychology". O que me está a perguntar é qual é o melhor cavalo na fábrica de colas...

"Nenhum papel-moeda se tornará divisa de reserva"

P: Mas o dólar está em declínio ou não?

R: O dólar norte-americano está a começar a perder o seu privilégio especial como divisa de reserva, o que começou quando o presidente George W. Bush decidiu deixar o dólar flutuar livremente, em vez de o ter mantido como a divisa de referência no mundo.

P: E qual virá a seguir?

R: Depois da morte de Mao [em setembro de 1976], a The Dines Letter, previu que a China viria a dominar o mundo no século XXI, uma previsão em que ainda nem toda a gente acredita. A transformação do yuan [a moeda chinesa, também designada por renminbi, "moeda do povo"] em divisa de reserva será, certamente, parte dessa fotografia. Na verdade, a China já está a fazer experiências, através de Hong Kong, ensaiando funções internacionais para o yuan. Contudo, a nossa previsão é que nenhum papel-moeda se tornará a divisa de reserva, porque essa honra sempre foi e será do ouro e da prata.

"O mundo está a ir direitinho para o que chamo de "segunda grande depressão""

P: Das guerras de divisas anteriores, que lições se podem tirar?

R: Foi a Conferência de Génova em 1922 que decidiu duplicar a oferta de moeda de modo a poder pagar-se o custo da 1ª Guerra Mundial, como refiro na minha obra "Goldbugs". Foi esse mar de papel que desencadeou os designados "estrondosos anos 20". A inevitável deflação imediatamente a seguir a 1929 foi normal e natural - eliminando os excessos de papel impresso. Depois da 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos começaram a ficar viciados na dívida e na impressão de papel-moeda, por influência do keynesianismo, que estava nos antípodas da "escola austríaca" de Von Mises e Von Hayek. Nem toda a gente percebe que a palavra inflação quer dizer aumento da oferta de moeda, e não é sinónimo de preços mais altos. As dores da deflação já estão a ser sentidas nos EUA, especialmente nos salários e na ausência de criação de emprego, mas também se sente à escala mundial. A hiperimpressão de dólares está a fazer o seu caminho para as commodities e esse aumento de preços está desencadeando violência a revoluções numa série de países pelo mundo fora.

P: O que poderá daí resultar?

R: Se as coisas não mudarem, o mundo está a ir direitinho para o que chamo de "segunda grande depressão", onde a ânsia de ganhos financeiros será extirpada e substituída pela sobrevivência do capital. Expresso.

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