terça-feira, 20 de julho de 2010

Beja e a campanha anti-Portela

por J. Martins Pereira Coutinho [*]
A indústria de transporte aéreo, para ter sucesso comercial, não pode ser gerida por agentes políticos, nem por pessoas que não provem ser competentes e que não tenham experiência profissional nesta estratégica indústria. Em Portugal, não se tem verificado esse nível de exigências, nomeadamente no Ministério das Obras Públicas e Transportes.
Isto, apesar de um Decreto-Lei ter aprovado as orientações estratégicas para o sistema aeroportuário nacional, que estabelece os seguintes objectivos:
Prestar serviços eficientes, competitivos e de qualidade, orientados para os clientes;
Respeitar os requisitos do meio ambiente e os direitos dos passageiros;
Desenvolver as infra-estruturas e os serviços aeroportuários necessários para dar resposta à duplicação de tráfego prevista a 20 anos e, por último, melhorar a eficiência e a optimização de custos de todo o sistema.
Como se sabe, legislar é fácil. O que é difícil é cumprir e respeitar o que está legislado. Mas ainda mais difícil é executar com eficiência e competência, quando os responsáveis não possuem os indispensáveis atributos. Uma das provas desta realidade está cunhada no aeroporto civil da Base Aérea de Beja, onde o Governo tem esbanjado dezenas de milhões de euros do erário público e que, hoje, é um elefante branco aeroportuário onde apenas sobrevoam as moscas do deserto alentejano…
No recente Congresso de Turismo do Alentejo, o presidente da Câmara de Beja classificou o projecto do aeroporto de "muito ambíguo" e denunciou as "muitas dificuldades que têm de ser publicamente assumidas." Além de achar "um pouco estranho", exigiu saber "por que é que ainda hoje se vem falar da necessidade de investimentos para se poder certificar a pista."
O representante do Turismo Regional do Alentejo também afirmou que "só daqui a 20 anos, se tudo correr bem, é que a região sob influência do aeroporto terá 45 mil camas turísticas." Outros oradores afirmaram que, no aeroporto civil de Beja, "a curto prazo, só é possível instalar um dormitório para aviões." E nós diremos que o dormitório pode tornar-se um cemitério…
Entretanto, o ministro António Mendonça e alguns responsáveis aeroportuários não sabem o que fazer ao monstro já construído. As empresas recusam utilizá-lo, mesmo a preço de saldo. A sua inauguração foi prevista para 2008, mas tem sido sucessivamente adiada. Em Dezembro de 2009, por exemplo, a deputada e ex-secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, anunciou que a sua abertura ao tráfego civil seria em Setembro de 2010.
No entanto, a ANA-Aeroportos – a quem o Governo obrigou a aceitar este ruinoso projecto político – já afirmou: "estamos a fazer um grande esforço para que seja possível viabilizar uma operação de voos "charter", no Verão de 2011, nem que seja uma vez por semana." Isto prova que ninguém se entende, quanto ao dia de nascimento do nado-morto… Mais grave ainda, é a concessionária ANA não pode assinar contratos, porque o Estado ainda não transferiu o aeroporto civil de Beja para a sua posse.
Nesta barafunda aeroportuária, alguém anda a brincar com coisas sérias e com o dinheiro dos contribuintes. E o mais grave nesta situação, é não haver um primeiro-ministro responsável e capaz de travar o delírio verbal do ministro da Tutela, que fala muito e não diz nada. Além disso, gosta de ter palco para exibir a sua vaidade e atraiçoa a sobriedade, que devia ser apanágio de qualquer governante competente.

Perante o fracasso de convencer algumas empresas a utilizarem as instalações construídas na Base Aérea de Beja, a ANA tentou negociar com a Força Aérea a possibilidade de os aviões que estacionam no Aeroporto da Portela passarem a estacionar naquela Base Aérea.
Segundo o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, no Verão de 2009, o presidente da ANA abordou-o sobre a possibilidade de a Força Aérea poder acomodar aviões civis nas suas instalações militares, para "libertar capacidade de estacionamento no Aeroporto da Portela."
Depois, devido à diminuição de tráfego neste aeroporto, as negociações ficaram suspensas. No entanto, o CEMFA já confirmou que "a ANA está a levantar outra vez a questão" e que "a Força Aérea tem uma atitude de total abertura para ajudar quem precisa."
Assim, por desinteresse das companhias de aviação na utilização do aeroporto de Beja, o espaço disponível poderá ser utilizado como parque de estacionamento para os aviões que estão parados na Portela. Estranhamente, o ministro António Mendonça e alguns responsáveis aeroportuários têm aproveitado a falta de espaço para parquear aviões, para anunciar que o Aeroporto da Portela está saturado de tráfego aéreo, quando sabem que é uma falsidade.
Apesar disso, o presidente da ANA, Guilhermino Rodrigues, ousou afirmar que "a partir de uma certa altura, há companhias aéreas que simplesmente não poderão vir cá." E acrescentou que esta situação levará à degradação do serviço e à perda de receita. Depois, não hesitou em afiançar que "nem a crise, nem o desvio de passageiros para o TGV evitarão que a Portela entre em ruptura de capacidade para o processamento de passageiros em 2017."
Ou seja, o principal responsável aeroportuário de Portugal – que devia promover os nossos aeroportos, a nível internacional – está a protagonizar uma campanha difamatória, que afasta companhias aéreas do Aeroporto da Portela e lesa a economia nacional. Estranhamente, o director do Aeroporto também participa nesta campanha anti-Portela, mas não explica porque razão a pista 35 está encerrada há quase dois anos!
PLANO DE DESTRUIÇÃO DA PORTELA
Para dar seguimento ao plano de destruição da Portela, parece haver quem seja capaz de tudo, até de ultrajar a verdade sobre os "slots" aeroportuários, para justificar a construção do Novo Aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete e cumprir o guião de S. Bento...
Não é por acaso que o presidente da CML, António Costa, afirmou que "com a saída do aeroporto não vemos só diminuir o risco para a segurança, não vemos só diminuir uma fonte gravíssima de poluição sonora, mas vemos também a oportunidade que é termos um segundo pulmão verde nos terrenos libertados."
O senhor António Costa deve pensar que os lisboetas são tolinhos para acreditarem nas suas patranhas. De facto, todos sabem que a destruição da Portela é para satisfazer interesses de projectos imobiliários e não para fazer jardins… Por alguma razão, em 2011, a Portela vai estar, finalmente, ligada ao Metropolitano de Lisboa. Por isso, a sua afirmação não deixa de ser uma das melhores provas da falácia reinante na governação socialista da CML e do País.
É oportuno lembrar que, antes de 1970, já havia quem propalasse notícias alarmistas que davam como certa a saturação do Aeroporto da Portela, para justificar a construção de um novo aeroporto. Nessa altura, foram feitos estudos e foi aprovado o local para construir o aeroporto, em Rio Frio.
No entanto, nada se construiu e o Aeroporto da Portela, após 40 anos de ameaças, continua a não estar saturado e a ter espaço para se expandir, se a ANA quiser e tiver a colaboração do Governo, para transferir os militares de Figo Maduro para outra Base Aérea.
Por outro lado, será útil lembrar que, quando o TGV estiver a funcionar, o Aeroporto da Portela poderá ter uma acentuada quebra de tráfego a favor de Badajoz, onde opera o TGV e a Ryanair. Actualmente, a Portela já perde tráfego a favor do Aeroporto do Porto, onde a Ryanair opera directamente para vários destinos. Além disso, como acontece noutros países, o TGV vai aumentar a concorrência entre aeroportos.
Por isso, é muito estranho que o ministro António Mendonça e responsáveis aeroportuários continuem a queixarem-se da saturação da Portela e afirmem, sem pudor, que o Novo Aeroporto de Lisboa "não é um luxo, mas sim uma necessidade". O senhor ministro foi mais longe e afirmou: " o novo aeroporto não é um capricho. Como a alta velocidade, também é um projecto estruturante para o país."
Ou seja, para o ministro das Obras Públicas e Transportes, um aeroporto é tão estruturante como um comboio! Este novo conceito ministerial de estrutura, talvez ajude a perceber o grau de conhecimentos técnicos do responsável pelos transportes e obras públicas em Portugal…
De qualquer modo, o senhor ministro devia saber que há outros aeroportos europeus, com áreas semelhantes à Portela, que têm quase o triplo dos seus movimentos. Por exemplo, Gatwick e Stansted, em Londres, em 2009, movimentaram respectivamente 32 milhões e 20 milhões de passageiros. Porém, o Aeroporto da Portela apenas movimentou 13 milhões de passageiros, menos 2,6% que em 2008.
Possivelmente, o ministro António Mendonça também desconhece que existe na Portela um "táxi way", que corre paralelamente em cerca de 2/3 da sua pista principal e que se cruza de seguida com ela, para voltar a correr de novo em linha paralela até ao seu extremo, a norte do aeroporto. Como é possível verificar, é um cruzamento que reduz a operacionalidade da pista e a movimentação de aviões.
Na opinião de conceituados técnicos, se houvesse vontade de aumentar os movimentos de aviões e o tráfego na Portela, bastaria prolongar o aludido "táxi way", sempre do lado direito da pista, para suprimir o actual cruzamento, que impede que o Aeroporto da Portela seja mais eficiente, mais lucrativo e competitivo.
Se isto é possível fazer e não se faz, é um crime de lesa-Pátria que devia ser investigado, até porque o ministro das Obras Públicas e Transportes ousou repetir que "o actual aeroporto está completamente saturado." Se esta mentira não for desvendada, a campanha anti-Portela vai continuar, para gáudio dos seus arautos e proveito de quem apostou na destruição do Aeroporto da Portela e na construção do NAL.
Ao contrário do que é propalado pelos detractores da Portela, é possível aumentar o tráfego e atrair mais companhias aéreas tradicionais, se a ANA deixar de apoiar financeiramente as companhias "low cost" - para utilizarem a Portela - e negociar a sua transferência para aeroportos secundários e bases aéreas militares, a começar pelo Montijo.
Se isto não for feito, é porque há interesse em continuar a denegrir a imagem do Aeroporto da Portela, para construir o NAL no Campo de Tiro de Alcochete e, assim, satisfazer a ganância e os interesses da Banca e das grandes empresas construtoras, que actuam como abutres esfomeados…
[*] Especialista em carga aérea, coutinho.mp@gmail.com

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