Ninguém parece estar a ligar muito ao assunto, mas consta que o Governo pensa privatizar CTT, REN, EDP, Galp e TAP. Um passo de enormes consequências que acabaremos por pagar caroNa conferência de imprensa que José Sócrates deu ontem (com direito a três perguntas para explicar decisões centrais para os próximos três anos), ninguém achou que seria interessante saber mais sobre a possível privatização dos CTT e TAP e das participações do Estado na REN, EDP e Galp, que o ministro das Finanças soprou à agência de informação financeira Bloomberg.
Os jornalistas portuguesas estavam demasiado ocupados em saber coisas sobre a criação de um novo escalão para quem ganhe mais de 150 mil euros por ano ou sobre a redução das deduções em saúde e educação para se preocuparem com minudências. Os comentadores do pensamento único estavam entretidos a dizer que a coisa sabia a pouco.
Pois bem, se estas privatizações acontecerem (parece que o Governo só fala delas para fora do pais) o Estado perde quase todas as suas participações em empresas relevantes para a economia e coesão nacional. Para resolver o problema das finanças públicas põe-se em causa o futuro por muitas décadas. O PS faz o mesmo que acusou Manuela Ferreira Leite no passado: vende os dedos para ficar com os anéis.
Curiosamente, duas siglas ficam de fora: RTP e CGD. Apesar de ser contra a sua privatização, não posso deixar de notar que se tratam das duas empresas que dão real poder politico e de influência aos governantes. As outras só poderiam mesmo ser usadas para o bem comum. Pouco interessante, está bem de ver.
Duas destas privatizações são especialmente graves: a REN e os CTT. Porque se tratam, na realidade, de dois monopólios naturais que passarão a ser privados. E porque são fundamentais para manter a coesão territorial. Distribuir electricidade e correspondência (e outros serviços, no caso dos Correios) a zonas pouco habitadas dá prejuízo. E no entanto, a bem da coesão territorial, pagamos todos o mesmo. Com a privatização, das duas uma: ou as zonas que não são rentáveis são definitivamente abandonadas ou o Estado financia a sua cobertura. O que quer dizer que o Estado oferece o filet mignon e paga o prejuízo. Estamos habituados a estes negócios.
No caso dos CTT, empresa que conheço melhor, o Estado tem tratado de nos habituar ao pior numa empresa que sempre foi eficiente e rentável. Muitos carteiros foram substituídos por contratados sem vínculo nem formação, com deterioração da qualidade do serviço. Os certificados de aforro, que eram a poupança dos remediados, foram dizimados pelo Governo enquanto se garantiam (e continuam a garantir) benefícios fiscais aos PPR. Nunca se aproveitou realmente as potencialidades de uma pareceria entre a empresa postal e o banco do Estado para o reforço de uma rede de serviços públicos bancários. Foram mesmo encerradas dezenas de estações do Correios, dando mais um precioso contributo para a desertificação do interior. Tudo ao contrário do que devia ser.
Mas, a confirmar-se esta catástrofe. podemos agora dizer que somos pioneiros. Em toda a Europa, apenas cinco países não têm serviços postais públicos - Alemanha, Holanda, Bélgica, Dinamarca e Áustria. Fora da Europa, os Estados Unidos e o Canadá mantêm serviços postais do Estado. Porque todos compreendem o papel central destas empresas. Em Portugal, a coisa prepara-se sem que isso pareça merecer grande curiosidade entre os jornalistas.
Porquê este passo? Porque a suposta racionalização das despesas públicas não passa pelo rigor, passa pelo desmantelamento de serviços públicos. E porque os grandes grupos portugueses não se ocupam em criar e inovar, mas antes em capturar ao Estado monopólios que lhes garantam lucro sem concorrência e onde tudo já esteja realmente feito. A crise orçamental é só mais uma oportunidade de negócio. Há que aproveita-la.
O Pacto de Estabilidade e Crescimento, que determina as políticas nacionais, tem cumprido uma função na Europa: desmantelar o Estado Social. Apresentado como uma inevitabilidade, faz por decreto o que através da democracia nunca se conseguiu. Sem debate, sem perguntas, sem alternativas.
O Expresso
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