quinta-feira, 25 de março de 2010

Os cobardes escolhem os mais fracos.

“Há quinze dias que, por causa do PEC, não ouço falar de outra coisa que não seja a "classe média". E de tal forma a coisa é matraqueada que já muita agente adoptou o termo como se este se referisse ao país em geral. Uma espécie de "povo" actualizado. Não se preocupem, não vou aqui desenvolver sobre a fragilidade do conceito. Apenas digo uma coisa: ter o país político focado em permanência na classe média é uma excelente forma de falar do "povo" sem perder tempo com os pobres. De tornar a pobreza invisível.

Como devem imaginar, nada me move contra a chamada classe média. Até porque farei parte dela. Até porque ser de classe média neste País é só estar um pouco mais próximo de uma vida decente, mas não é, para uma parte muito razoável dos que foram enfiados neste grupo, viver com folga. Até porque, sim, é verdade, a "classe média" tem sido sacrificada sempre que chega a hora de apertar o cinto. Os poupados são outros. E mais uma vez serão. Mas gostava de falar de outras vítimas da crise e dos sacrifícios esquecidas em quase todos os discursos e debates. Quero recordar que cerca de 40% dos portugueses, se acabassem as transferências sociais do Estado (RSI, subsídio desemprego, pensões), ficariam na miséria. Que se a receita do famoso emagrecimento do Estado fosse aplicada passariam para muito perto da indigência. Que para além dos desempregados e reformados com pensões baixas, 40,6% dos trabalhadores por conta de outrem recebem menos de 600 euros por mês. A esmagadora maioria deste País pertence, mesmo que não goste de o dizer, a uma classe baixa, essa que tantos políticos gostam de encontrar nas feiras mas se esquecem de a referir nos debates económicos. Essa de que os colunistas, os economistas e os jornalistas não falam sempre que falam do PEC. Essa que o governo também escolheu como alvo mas que nem direito à visibilidade no debate político parece ter. O governo explica que não vai aplicar já a taxação das mais-valias bolsistas. Quer esperar que a situação económica melhore. Aqui têm quem relamente nunca paga crise nenhuma. O governo explica que vai cortar no subsídio de desemprego. Diz que é uma forma de promover o emprego. Porque, como se sabe, as pessoas estão desempregadas porque querem. O governo não ataca todos. Nunca se atreveria. O governo diz aos remediados, para fazer populismo fácil, que também atacará os mais pobres. Aqueles que vivem a um passo de não ter nada. Aqueles que nada podem fazer a não ser votar e, quanto muito, manifestar-se. Não têm acesso aos jornais. Não têm acesso a colunas de opinião. Não podem pressionar ninguém. Não têm lóbi nem associações profissionais poderosas que os representem. Ninguém fala deles como se fala da "classe média". Por o que deixa passar sobre quem recebe apoios sociais do Estado este governo mostra que é populista. Por cortar nas prestações sociais quando a crise aperta este governo mostra que é insensível. Mas, acima de tudo, pelas escolhas que faz, pelas suas prioridades, este governo mostra que é cobarde. E esse é o mais deplorável dos defeitos em políticos”. Daniel Oliveira - Expresso.pt

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