sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Cavaco está a chamar masoquistas a quem exactamente?

Domingos Amaral

 

O presidente Cavaco Silva disse ontem que os portugueses que dizem que a nossa dívida pública é insustentável são "masoquistas".

Ou seja, quem pensar de forma diferente da dele, é um doente mental que gosta de se magoar a si próprio!

Eu estranho esta retórica psíquica de Cavaco, principalmente sabendo que ele é economista, e portanto devia saber destas coisas.

Ora, aquilo que é ensinado nas melhores escolas de economia do mundo sobre a sustentabilidade de dívidas públicas é o seguinte:

1. Se um país tiver uma taxa de crescimento nominal do PIB inferior à sua taxa de juro nominal da dívida, está em graves problemas.

2. Só há duas formas de equilibrar esta equação, uma é ter um excedente primário no orçamento do Estado, e a outra é imprimir moeda.

3. Como a segunda hipótese não existe no euro, só resta a primeira, um excedente orçamental primário.

4. Caso esse excedente não exista, a dívida pode tornar-se insustentável porque cresce mais depressa (a taxa de juro) do que cresce o país (a taxa de crescimento do PIB).

Foi isto, e é isto que tem sido ensinado durante anos nas escolas de Economia, e por isso causa uma certa estranheza que Cavaco considere "masoquistas" quem se limita a afirmar aquilo que é mais ou menos óbvio, e que se aprende nas universidades.

Senão, vejamos:

a) Portugal tem um rácio de dívida pública próximo de 130 por cento do PIB.

b) A taxa de juro a que paga essa dívida anda próxima dos 7 por cento.

c) A taxa de crescimento do PIB o ano passado foi negativa (-3%) e este ano deverá voltar a ser negativa outra vez (talvez -2%).

d) Portugal não tem ainda um saldo primário positivo, permanente e significativo, no orçamento, mesmo com muita contabilidade criativa.

Assim sendo, se a dívida cresce a 7 por cento ao ano, e o PIB contrai, como é que é possível estabilizar a equação?

Como é possível dizer que a dívida é sustentável?

Talvez Cavaco saiba algo que os outros economistas não sabem, mas a mim parece-me que sem ajudas claras, sem prolongamentos das maturidades, sem reestruturações, e sem esse tipo de coisas, será difícil pagar esta dívida pública.

Ou será que alguém acredita que Portugal, por milagre, vai passar a crescer a 8 por cento ao ano?

Nessa caso, não é masoquismo, é mesmo delírio...

  


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