Domingos Amaral
O senhor ministro da Economia, Pires de Lima, disse hoje que Portugal está a viver um verdadeiro "milagre económico". É verdade, juro que é, vejam as declarações que ele fez e verão que não estou a mentir. O que me preocupa é esta estranha dissonância entre a realidade do que vai acontecendo e o discurso de Pires de Lima. Será que não é um pouco, vamos lá, excessivo, considerar que uns pontinhos décimais de crescimento do PIB são um "milagre económico"? Será que o ministro não está a exagerar? Antigamente, nos tempos em que a economia era uma ciência, e não uma questão de fé religiosa, só se podia considerar um "milagre económico" uma década de alto crescimento do PIB. Um milagre económico era a Alemanha, nos anos 50 e 60, que cresceu brutalmente e se levantou da ruína em que Hitler a deixara. Um milagre económico era o Japão, que teve vinte anos de fantástico crescimento industrial, e se transformou num dos países mais ricos e poderosos do mundo, recuperando do descalabro depois da guerra. Um milagre económico era a Coreia do Sul, que depois da guerra da Coreia, em que se separou da parte Norte, se transformou numa sociedade poderosa e livre, que gerou altos crescimentos económicos. Um milagre económico era, por exemplo, o equilíbrio de certos países nórdicos, que apesar de terem um Estado muito forte, com elevada despesa social, conseguiam apresentar forte crescimento e uma distribuição de riqueza e um nível de vida ímpares. Sim, no tempo em que eu estudei, eram esses os exemplos de "milagres económicos". Mas, pelos vistos, nos dias que correm qualquer 0,5% de crescimento num trimestre, já é considerado um "milagre económico". Há um trimestre ou dois menos maus e logo um ministro grita: é milagre, é milagre! É evidente que isto cria uma certa perplexidade nos portugueses A mim, Pires de Lima lembrou-me um pouco aqueles profetistas meio tontos, de certa idade, que estão no Rossio com cartazes sobre a religião, Deus e o apocalipse que pode vir... Mas, nós já nos habituámos a tudo! Já nem nos faz impressão que um ministro diga que estamos a viver um "milagre económico" quando o orçamento corta brutalmente salários, corta pensões até às viúvas, sobe impostos por todo o lado, e coisas assim. E ninguém estranha que para o ministro seja perfeitamente possível estar ao mesmo tempo a acontecer um "milagre económico" e o país ter de suportar uma carga fiscal altíssima, um desemprego enorme, uma recessão grave, e um orçamento carregado de toneladas de austeridade! É, de facto, um "milagre económico" muito especial, muito original, muito português... Não duvidem: o milagre de Pires de Lima vai certamente entrar para a história de económica do planeta, e em breve será ensinado nas universidades de Harvard e Oxford! |
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