Domingos Amaral
Era uma vez um Governo que tinha uma clara disfunção. Era um Governo sado-masoquista, no sentido em que os piores erros que cometia, e que o descredibilizavam, eram ideias com que se magoava a si próprio (como um masoquista); e as piores ideias que tinha para o país nasciam sempre como resposta vingativa a rejeições que o pobre Governo sentia (como um sádico). O masoquismo do Governo era evidente. Ele tomava decisões, mas elas eram erradas ou ilegais, e eram as próprias decisões que tomava que feriam a sua legitimidade. Como alguém que usa cilícios em cima da pele, o Governo sangrava-se a si próprio. Um dia, por exemplo, o Governo decidiu ter uma ideia, que julgou muito boa. A ideia era cortar os subsídios de férias e de Natal a todos os funcionários públicos e pensionistas. Contudo, esta maravilhosa ideia, uma verdadeira pérola política, tinha a desagradável característica de ser inconstitucional. Não houve niguém no Governo que tivesse pensado nessa possibilidade, e por isso a ideia foi rejeitada pelo Tribunal competente, e acabou por provocar grandes estragos ao Governo, que ficou com a sua imagem e as suas contas baralhadas. Irritadíssimo, o Governo decidiu então ser sádico. Ai não posso cortar subsídios? Então tomem lá com as alterações da TSU! Como uma criatura furiosa por ter visto a sua genial ideia rejeitada, o Governo vingou-se na população. Qual sádico espumante pelos cantos da boca, pegou na chibata e decidiu aumentar a TSU para os trabalhadores e diminui-la para os patrões, em mais uma pérola política de valor incalculável. Esta sádica proposta rapidamente fez ricochete e se transformou num acto de puro masoquismo. É evidente que o país em peso se revoltou contra as alterações na TSU e o Governo lá teve de deixar cair mais uma ideia. Pelo caminho, magoou-se mais uma vez a si próprio, como bom masoquista que é. Em vez de chicotear o povo, fustigou-se a si mesmo nas costas, qual penitente nas Filipinas! Nova rejeição provocou novas fúrias, e lá ressuscitou o sádico. Ai não aceitam mexidas na TSU? Então tomem lá um "enorme aumento de impostos no IRS", acompanhado de cortes nos subsídios de férias de funcionários públicos e pensionistas. A vingança pela derrota na TSU foi terrível, o sadismo vastíssimo! O Governo ergueu um ferro em brasa e preparou-se para queimar o povo no lombo! Porém, como já seria de esperar, os masoquistas magoam-se sempre a si próprios com as suas taras mirabolantes. Enervadíssimo e vingativo, o Governo cometeu novo erro, e voltou a ferir-se, espetando o ferro na própria anca! Uns meses depois, o Tribunal Constitucional declarou ilegais os cortes nos subsídios, e o Governo lá teve de lamber as feridas auto-infligidas uma vez mais. Só que (onde é que já vimos isto?), é habitual que o masoquista se torne sádico quando é rejeitado, e lá veio de novo o Governo, espumando raiva, prometer cortes e mais cortes. É outra vez o sádico a erguer-se ameaçador, de tridente numa mão e bola de pregos na outra. Espera-se muita dor e ranger de dentes nos próximos tempos? Infelizmente esperam-se sobretudo mais ideias ilegais ou inaceitáveis pela população. Ou seja, mais do mesmo, um boomerang sado-masoquista permanente e interminável. É assim a nossa sina: temos um Governo que, antes de fazer mal ao país, faz sobretudo mal a ele próprio, com a sua incompetência ou fanatismo cego. Se cair um dia destes, cai por culpa própria, porque foi inábil e inepto. Como sempre são os sado-masoquistas... |
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