sexta-feira, 5 de abril de 2013

O arbóreo

Francisco Seixas da Costa

 

Encontrei-o há dias, numa rua de Vila Real. Já o não via há bastante tempo. Tive uma reação de imediata precaução. É que estava perante um conhecido praticante da chamada conversa "arbórea".

 

Tenho este assunto bem estudado, há muito. A conversa "arbórea" é um estilo de expressão que se carateriza pela deriva temática permanente, a pretexto de uma qualquer referência. A conversa segue como os ramos de uma árvore, de onde surgem novas ramificações que, por sua vez, se subdividem.

 

Diga-se, com franqueza, que nenhum de nós está imune a esta prática. Num diálogo solto e informal, todos caímos, frequentemente, neste vício. Só que há quem o faça por regra e seja incapaz de o evitar. É o caso do pessoal tipicamente "arbóreo".

 

Uma vez mais, o meu interlocutor não desiludiu as expetativas - e só transcrevo aqui o que me disse na certeza segura de que ele não utiliza computadores:

 

- Então já saiu de Paris? Bela cidade! Sabe que tenho lá uma irmã, que trabalha na banca? Nunca a encontrou? Está casada com o Meireles, você deve conhecer, está muito ligado ao Florindo, aquele advogado que esteve nos governos do Soares. Você é amigo do Soares, não é? Sabe se está melhor? Deve estar. Li num jornal que ele fez um elogio entrevista do Sócrates. E a si, o que lhe pareceu a "aparição" do homem? O que é que ele pretende? Belém ou só atazanar o Seguro? Acha que ele vai voltar? Não gosto dele, mas pareceu-me em boa forma. O tipo tem raça! Ele ainda anda por Paris, não é? Você via-o muito por lá? Ao tempo que eu não vou a Paris! Sabe que cheguei a pensar fazer-lhe uma vista lá na embaixada? Mas, com a crise, não deu...

 

Nem sempre um "arbóreo" fecha o discurso, como este meu conhecido fez, neste caso "regressando" a conversa "a Paris". As mais das vezes, prossegue na sua imparável viagem pelas palavras, sem limites nem contenção. Só os "arbóreos" mais conscientes, no delírio intravável do percurso da conversa, chegam à frase clássica:

 

- Já me perdi. De que é que estávamos a falar?

 

Neste passo da conversa, tida na esquina entre o ourives o o Zézé (só um vilarealense sabe o que é isto), em frente ao Santoalha e ao Rafael, apenas o surgimento oportuno de outro conhecido me salvou. E o "arbóreo" lá se foi, em direção ao que foram o Zeca Martins e o Teixeira Pelado...


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