sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A irresponsabilidade e o ódio contra Vítor Constâncio

Nos últimos dias, a irresponsabilidade e a falta de sentido de Estado tomou conta de vários políticos. Fragilizar o supervisor do sistema financeiro na situação actual é a pior coisa que se pode fazer. Mas fazê-lo deixando a pairar a ideia de que a culpa é do supervisor e não de quem cometeu actos lesivos é errar completamente o alvo e só pode decorrer de quem põe a luta política acima dos interesses do Estado ou utiliza o facto para se continuar a vingar do governador, por supostas afrontas no passado. Não vale a pena perder tempo com Santana Lopes e Bagão Félix. Desde que, a pedido do Governo, o Banco de Portugal avaliou o défice implícito no Orçamento do Estado para 2005 elaborado pelo segundo e sancionado pelo primeiro e considerou que ele ascendia a 6,82% que os dois, sempre que têm oportunidade, atacam Vítor Constâncio. É vingança pura e dura. Mesmo quando têm razão, já a perderam há muito. E o Orçamento que elaboraram era efectivamente muito mau, uma verdadeira ficção, à altura do Governo que integraram.
Que Honório Novo faça o mesmo é da própria natureza dos comunistas. Mas espanta que, neste caso, não seja Oliveira Costa o principal alvo.Quanto a Paulo Portas, que enche a boca com o sentido de Estado, bem o podia praticar mais. O que fez tem objectivos exclusivamente políticos. Critica Constâncio porque ele deitou abaixo o último Governo onde o CDS esteve sentado. E pede a demissão do governador para, por essa via, atacar o Governo de José Sócrates. Percebe, mas ignora, o mal que isso faz à supervisão do sistema financeiro. Fragilizar o Banco de Portugal nesta altura só serve para que futuros casos BPN possam ocorrer com mais regularidade.Bem diferente é o posicionamento de Manuela Ferreira Leite. Se há um líder partidário que, neste caso, tem tido uma posição de Estado é a presidente do PSD.
Como está dito e redito, quando a fraude se passa ao mais alto nível do conselho de administração, é dificílima detectá-la. É só ouvir auditores internacionais, é só ler o que sobre esta matéria escreveu Alan Greenspan, durante 18 anos presidente da Reserva Federal norte-americana. Nem o caso BPN nem o caso BCP eram detectáveis sem uma denúncia. Ponto final, parágrafo. A partir do momento em que isso ocorreu, o sistema de supervisão funcionou.E funcionou através do Banco de Portugal, de uma administração (a de Miguel Cadilhe no BPN) que denunciou as irregularidades que encontrou e de um auditor (a Deloitte) que fez um bom trabalho de detecção dessas irregularidades. Em abono da verdade, deve ser dito que já em 2002 a Deloitte tivera a coragem de apontar um conjunto de reservas às contas do BPN, coisa que nem o auditor anterior (PriceWaterhouseCoopers) nem o que lhe sucedeu (BDO Binder) fizeram. E, como se disse atrás, hoje a pressão sobre os auditores para fecharem os olhos a certos aspectos dos balanços é tanta por parte das administrações que a melhor maneira de estes poderem continuar a desenvolver uma análise séria e independente das contas das instituições é trabalhando em conjunto com o Banco de Portugal e serem percepcionados como parte integrante do modelo de supervisão. Em contrapartida, o banco central deve apoiar-se e dialogar mais com os auditores e dar todos os sinais exteriores de que terá mão pesadíssima quer para as administrações que prevariquem quer para os auditores que falhem propositadamente.Na verdade, o que faz falta ao modelo de supervisão é que alguém ao mais alto nível seja punido de forma exemplar. E se isso implicar a prisão por alguns anos, como acontece nos Estados Unidos, então a supervisão será muito mais eficaz. É que, como toda a gente sabe, o medo guarda a vinha. E quem tem traseiro tem medo.
O papel da CGD No Expresso da Meia-Noite' da semana passada, o presidente do BPI, Fernando Ulrich, disse, e muito bem, que o papel da Caixa Geral de Depósitos tem de ser discutido.Sou dos que defende que a Caixa se deve manter 100% nas mãos do Estado. Em situações de crise, ela é, para os pequenos depositantes, uma instituição de refúgio. Mas é também o meio que o Estado, sempre que necessite, pode utilizar para estabilizar o sistema financeiro.Contudo, se a ideia é boa, a prática pode tornar-se perversa. E algumas decisões da Caixa, nos últimos anos, são bastante discutíveis. Já não falo sequer na participação no BCP, que originou violentas menos-valias. Mas falo na associação à Sumolis para comprar a Compal, um negócio de objectivos pouco claros e de resultados financeiros pífios. Falo em diversas participações não financeiras sem se conseguir detectar uma racionalidade nelas. Falo nos avultados empréstimos a grandes investidores para comprarem acções do BCP. E falo, claro, no dinheiro que vai ser investido na compra do BPN.Repito: a Caixa deve manter-se 100% pública. Mas a sua gestão tem de roçar a excelência e a sua administração, tirando casos como o do BPN, deve ter toda a autonomia para gerir a instituição. É por isso que uma estrutura que integre personalidades independentes de reputado prestígio e que julgue as decisões da administração da Caixa e torne pública essa análise seria do maior interesse para todos: para a administração, que se livraria de algumas pressões indesejáveis; para o Governo, que deixaria de estar sob suspeita de a utilizar no seu próprio interesse; e para os depositantes que passariam a conhecer a instituição em que confiam com muito maior transparência.
Nicolau Santos

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