segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Para onde foram mais de 110 mil milhões de euros?

Quando um governo obtém um empréstimo é suposto utilizá-lo para amortizar a dívida e para investir no melhoramento da sua capacidade produtiva, para aumentar o bem-estar da população e criar excedentes para cumprir mais facilmente o serviço de dívida. Ora o que está a acontecer não é nada disto: nem diminuiu a dívida, nem há crédito para a economia.

Freitas do Amaral: Governo "está à deriva" e não tem “base social de apoio”

O antigo dirigente centrista e candidato a Presidente da República, defendeu que uma reforma do Estado não pode ser feita através de "pequenos cortes" ou "cortes cegos na despesa", sublinhando que o relatório encomendado pelo governo ao FMI foi "um frete" sem qualquer valor científico.


"Deduzo das declarações públicas feitas pelo governo e do relatório do FMI que se quer caminhar para um Estado mínimo, que deixa de fora a maior parte das pessoas", adiantou.

Filha do Presidente de Angola é a primeira bilionária africana

Não interessa de onde veio o dinheiro...
Segundo a revista norte-americana Forbes, citada pelo jornal "Público", as ações de empresas cotadas em Portugal, juntamente com ativos em Angola, "elevaram o valor líquido [da fortuna de Isabel dos Santos] acima da fasquia de mil milhões de dólares, fazendo da empresária de 40 anos a primeira mulher bilionária africana".

Eslovénia: Greve geral e crise governamental

Nesta quarta feira, 23 de fevereiro, a Eslovénia esteve paralisada por uma greve geral, com grande participação no setor público. Creches, escolas, universidades e bibliotecas estiveram fechadas. A greve teve também grande repercussão no setor da saúde, nas alfândegas e nas polícias. Os sindicatos protestam contra um corte de 5% nas despesas públicas e os funcionários públicos lutam pela defesa do emprego.

“Programa massivo de despedimentos na RTP é inaceitável”

Em declarações à comunicação social, a deputada Cecília Honório exigiu que o Governo "dê respostas claras no sentido de que não há privatização da RTP" e não avance com "este processo de reestruturação, que parece ter atrás de si um programa massivo de despedimentos em que um em cada quatro trabalhadores pode ir para o olho da rua".

Agora no Mali

Dizem-nos que agora é no Mali, que as bombas e as balas vão garantir a democracia e combater o terrorismo islâmico. Mas, para lá da propaganda pretensamente humanitária, o que motivou a França, com o apoio logístico e diplomático das demais potências estrangeiras, a intervir convictamente no conflito?

O próximo Afeganistão?

Até há pouco tempo, poucas, muito poucas pessoas, fora dos vizinhos e da anterior potência colonial (França), tinham sequer ouvido falar do Mali, e muito menos sabiam qualquer coisa sobre a sua história e política. Hoje, o Mali do norte foi tomado militarmente por grupos "salafistas" que partilham as posições da Al-Qaeda e praticam a mais dura versão da sharia– recorrendo à lapidação e à amputação como forma de punição.

Fw: Comunistas

Acabei de escrever há pouco o prefácio para um interessante livro do professor Janela Antunes sobre a vida política portuguesa entre 1974 e 1976. É um trabalho que desejo que seja publicado em breve, porque nele muito se aprende sobre esse tempo agitado de mudança de paradigma na vida política portuguesa. O texto é acompanhado por uma riquíssima e inédita seleção de documentos diplomáticos franceses da época, que têm a curiosidade de nos pôr a ver a nossa realidade sob os olhos do Quai d'Orsay.

Um dos focos importantes do livro e da documentação que o acompanham é a ação do Partido Comunista Português. E dei por mim a pensar que foi uma delegação do PCP a primeira a visitar-me, após a minha chegada a Paris.

Nunca tive qualquer relação política pessoal com o PCP, partido onde tive e tenho vários amigos. De há muito que conservo um grande respeito pela indiscutível coragem dos comunistas portugueses na luta contra a ditadura do Estado Novo. Como muitos oposicionistas, estive, com grande gosto, ao lado deles nas "batalhas" da CDE de 1969 e, frequentemente, na luta associativa académica antes do 25 de abril.

No período subsequente ao 25 de abril, tive fortes divergências com certo tipo de atitudes e opções que o PCP tomou, nomeadamente no âmbito da política militar de então. A leitura do livro do professor Janela Antunes ajudou-me, aliás, a perceber melhor o fundo dessas divergências.

Desde então, a minha relação institucional com o PCP pautou-se sempre por uma atitude de grande respeito democrático, que, na minha perspetiva, tem de estar sempre para além das opções políticas. Tive o privilégio de ter estabelecido um relação muito cordial com figuras do PCP já desaparecidas como João Amaral, Luís Sá ou Joaquim Miranda. E recordo a supresa de Jerónimo de Sousa, o atual secretário-geral, quando, como embaixador de Portugal no Brasil, o fui cumprimentar no início de uma conferência que proferiu numa instituição do Rio de Janeiro, gesto que não me parece que seja muito comum na diplomacia portuguesa. Os comunistas, podendo cometer erros como qualquer força política, não "comem criancinhas ao pequeno almoço" e a democracia portuguesa tem tudo a ganhar em tratar com consideração e equanimidade democrática o PCP.

Mas voltemos à visita que a delegação do PCP me fez, nesse mês de março de 2009. Eram três elementos e, durante quase uma hora, mantivémos uma agradável conversa, em particular sobre a vivência política no seio da diáspora portuguesa em França. No final, um dos integrantes da missão comunista congratulou-se com o facto do pedido de audiência ter sido concedido com grande rapidez, decorridos muito poucos dias após ter sido formulado.

Com um sorriso, esclareci-os: "Eu quis que esta conversa tivesse ligar na data de hoje, que sei que ela lhes é muito grata..". Olharam uns para os outros e, nesse momento, deram-se conta que estávamos em 11 de março, data que os comunistas portugueses intimamente comemoraram como sendo a das grandes nacionalizações de 1975...

O gás pimenta e a política da repressão

O poder estabelecido nunca lidou bem com a revolta estudantil. Para usar a expressão da PSP, se olharmos para a história do movimento estudantil, grandes mobilizações significaram quase sempre "respostas musculadas" por parte da polícia. E mesmo quando a resposta policial aos protestos estudantis não se baseou na carga sobre os manifestantes, a presença imponente da polícia nas manifestações deixa bem clara a ameaça.

Despedimento livre

No dia 25 de janeiro, discutiu-se na Assembleia da República a segunda iniciativa legislativa de cidadãos da nossa democracia: a Lei Contra a Precariedade. Surgida após a manifestação de 12 de março de 2011, esta iniciativa propõe medidas concretas para o combate a três grandes eixos da precariedade: os contratos a prazo, os contratos a termo e os recibos verdes.

OCDE propõe "Estado mais pequeno" e entrada dos privados nas pensões, saúde e educação

Na edição desta segunda-feira do Diário Económico, a entrevista a Pier Carlo Padoan, economista-chefe e número dois do secretário-geral da OCDE não esclarece completamente sobre qual será o contributo definitivo desta organização no processo de corte de 4 mil milhões de euros na despesa do Estado, medida apregoada pelo Governo como inevitável.

Cantores


Estávamos no belo e espaçoso jardim em volta daquela nossa embaixada, num país da África Oriental. Recordo-me de estar a beber um Pimm's, a bebida mais adequada para o cenário pós-britânico em que nos encontrávamos, nesse final de tarde, com uma temperatura deliciosa, descansando depois de muitas horas de "jeep" a atravessar um deserto, vindos de outro país, onde havíamos participado numa reunião internacional.

O embaixador português e a sua mulher, pessoas muito agradáveis e educadas, haviam insistido para que parte da delegação que acompanhava o membro do governo português ficasse instalada com ele na residência, fugindo ao ambiente inóspito do hotel.

A conversa ia boa e solta. Já não sei bem porquê, falou-se de música e, de repente, dei comigo a elaborar, de forma muito crítica, sobre as letras das canções de alguns dos mais conhecidos intérpretes da nossa praça, atacando o seu sentido "popularucho" e a sua frequente deriva para o facilitismo. O meu discurso aproximava-se, a passos largos, do inevitável "name-dropping" quando comecei a notar, na cara do meu colega António Monteiro, uns esgares um tanto estranhos, que não me pareciam derivados do sabor do Pimm's. Outro diplomata presente, o João Salgueiro, fazia-me sinais crípticos. O Manuel Lopes da Costa, sempre imperial na sua barba branca, arregalava-me os olhos. Só o membro do governo se mantinha, como o estatuto porventura exigia, numa serena e impenetrável impassibilidade. O embaixador, esse, sorria.

Foi então que a embaixatriz, delicada e inteligente, com um tato superior, atalhou: "Você tem toda a razão. Esses cantores e compositores, às vezes, vão por caminhos um tanto ridículos. Tenho avisado disso, para que procure evitar esses erros, o meu irmão, o José Cid. Acha que ele caiu nesse pecadilho?".

Escondi-me atrás da palhinha do Pimm's, porque, infelizmente, aquele imenso jardim não tinha um buraco para eu me meter...

161 presidentes de câmara estão reformados???

“O caso da autarca do PCP, Ana Teresa Vicente, não é único. O Diário de Notícias (DN) apurou junto da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) que dos actuais 308 presidentes de câmara, 161 já estão reformados ao abrigo da mesma lei que legitimamente permitiu à autarca de Palmela pedir a sua aposentação aos 47 anos.

Depois da polémica gerada com o pedido de aposentação da autarca comunista de Palmela, Ana Teresa Vicente, aos 47 anos, o DN revela hoje que não é caso único.

Dados da ANMP mostram que dos actuais 308 presidentes de câmara, 161 são reformados mas em exercício de funções, sendo que alguns dos quais estão até no segundo mandato, ou seja, foram reeleitos já depois do pedido de reforma e ao abrigo da mesma lei que permite a Ana Teresa Vicente aposentar-se.

Até 2005, o Estatuto dos Eleitos Locais previa que “o tempo de serviço prestado pelos eleitos locais em regime de permanência” fosse “contado a dobrar (…) até um máximo de 20 anos” e depois de “cumpridos seis anos seguidos ou interpolados no exercício das respectivas funções”. Assim sendo, no caso da autarca do PCP os três mandatos que exerceu contaram como 22 anos, recebendo por isso uma reforma de 1.850 euros/ mês.

Mas, acrescenta o DN, nenhum dos tais 161 autarcas pode acumular a reforma com outro tipo de rendimento, tendo por isso que optar pelo vencimento como presidente de câmara.

Nesta situação estão vários presidentes de câmara aposentados no ano passado, entre os quais, destaca o DN: Fernando Costa (PSD) das Caldas da Rainha, com 3.226 euros/mês; José Ernesto Oliveira (PS) de Évora, com 3.054 euros/mês; Álvaro Rocha (PS) de Idanha-a-Nova, com 2.846 euros/mês; e, Manuel Soares (PS) de Sever do Vouga, com 2.811 euros/mês.

Também ainda em funções mas aposentados deste 2010 estão, por exemplo, Álvaro Santos Amaro (PSD) de Gouveia, com 3.453 euros/mês, e Joaquim Ramos (PS) da Azambuja, com 3.433 euros/mês.”

http://www.noticiasaominuto.com/pais/39161/161-presidentes-de-c%c3%a2mara-est%c3%a3o-reformados

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Generais = gorduras do Estado

Queiram conferir em:  generais/ wikipedia:
Alemanha:     189 generais
Brasil:             100 generais
Espanha.         28 generais
EUA:                  31 generais
França:             55 generais
Inglaterra:           3 generais
Noruega:             1 general
Portugal:         238 generais
Suécia:                 1 general

Não encontrei dados para Grécia, Itália ou Austrália.

Cada qual tire daqui conclusões.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Não há regresso aos mercados que garanta emprego e crescimento

Qualquer português ou portuguesa que, tendo estado fora e sem notícias do país no último ano e meio, tenha aterrado ontem deve ter ficado convencido que estamos a viver dias de grande prosperidade. O tom exultante dos partidos que apoiam o governo e o ar descontraído dos ministros davam o mote. À noite, só faltou aos correligionários da austeridade abrirem garrafas de champanhe nas televisões. Tudo está bem quando acaba bem e a política do governo está a conduzir-nos a bom porto. Será?

Portugal e a UNESCO


Uma organização como a UNESCO tende a ser inundada por ofertas dos vários países, em especial por obras de arte cuja qualidade é, por vezes, muito discutível. Por essa razão, a organização possui um comité que faz uma triagem das potenciais ofertas e define aquelas que podem ser aceites.

Em 2011, esse comité apenas aprovou uma obra candidata a oferta: uma fotografia de Jorge Molder, um dos mais reputados fotógrafos de arte portugueses, oferecida por Portugal. Hoje, na despedida que fui fazer à diretora-geral da UNESCO, Irina Bukova, fiz-lhe entrega formal dessa obra.

Irina Bukova, que se vai recandidatar à direção-geral da UNESCO, é uma amiga pessoal de longa data. Tivemos responsabilidades governamentais similares e, mais tarde, fizemos parte de um "think tank" sobre política internacional que se reunia anualmente na Grécia, sob a coordenação do nosso comum amigo Georgios Papandreou - um nome que agora não está muito "na moda", mas um amigo de quem ambos gostamos muito.

Nos anos 90, em funções oficiais, Bukova esteve em Lisboa a meu convite e visitei-a em Sófia. Um dia, regressado à Bulgária numa outra visita, pedi para que ela fosse convidada a estar presente num certo ato público, por nós organizado. Foi-me chamada a atenção para o facto dela estar na oposição e isso poder ser visto como um gesto inamistoso para o poder da época. Confirmei o convite e recordo-me que ela se deslocou de muito longe só para poder aceitá-lo. Depois disso, Irina foi ministra dos Negócios Estrangeiros do seu país e hoje dirige a UNESCO, funções onde sempre deu notas de grande simpatia para com Portugal.

Metro de Atenas em greve há sete dias

"Com estes últimos cortes, quem como eu ganhava 1300 euros por mês vai passar a ganhar 700 euros", disse o dirigente sindical Antonis Stamatopoulos à Associated Press. "Vale a pena ir trabalhar assim? Vamos para debaixo da terra, com um frio gelado no inverno e muitas vezes à noite e não conseguimos viver com o que ganhamos", acrescentou o sindicalista, antes de desafiar as ameaças do governo da troika.

Temporal: Bloco defende linhas de crédito para agricultores

"Julgo que neste momento é essencial dar uma resposta rápida, urgente porque, a cada momento que passa, as culturas vão-se destruindo mais", afirmou Catarina Martins.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O valor do dinheiro

"O sistema monetário pós Bretton Woods pode ser caracterizado não como um padrão dólar, mas mais rigorosamente como um padrão petro-dólar".

por Prabhat Patnaik [*]

. Introdução

Um aspecto intrigante da nossa vida quotidiana é que uns pequenos pedaços de papel que intrinsecamente não valem nada, e a que chamamos dinheiro, pareçam ter valor e possam ser trocados por objectos úteis. O propósito deste livro é examinar a organização social subjacente a este facto. Embora esta organização social não seja mais do que toda a organização social subjacente ao capitalismo, há uma razão para começarmos a nossa investigação pelo "lado do dinheiro". Isto porque uma parte importante da organização social, que nem sempre é aparente quando começamos pelo conceito de "capital", surge com maior nitidez quando consideramos o dinheiro como ponto de partida para a nossa análise. Esta parte prende-se ao facto de o capitalismo não poder existir, e nunca ter existido, isolado como um sistema fechado, contido em si mesmo, conforme se pressupõe habitualmente em grande parte da análise económica. Por outras palavras, a melhor via para entender a totalidade da organização social subjacente ao capitalismo é começar por uma pergunta muito simples: O que é que insufla o valor a estes pedaços de papel que não têm qualquer valor intrínseco? Esta pergunta, por seu turno, faz parte duma pergunta mais abrangente: O que é que determina o valor do dinheiro, quer ele consista de bocados de papel sem valor intrínseco ou de metais preciosos? Para estas perguntas tem havido duas respostas básicas em economia. A primeira proposta deste livro é que uma dessas respostas, a que é dada pela actual economia "predominante" (mainstream), não resiste a uma avaliação lógica. Portanto vou começar com uma crítica da economia "predominante" e, em especial, da noção de "equilíbrio" que lhe é central.

Uma crítica da noção predominante de equilíbrio

A teoria económica predominante toma a compensação do mercado (market clearing) como ponto de referência. Na sua percepção, a flexibilidade de preços que caracteriza os mercados no tipo ideal de economia capitalista, garante a equiparação da oferta e da procura num conjunto de preços de equilíbrio. As dotações que uma economia dispõe e cuja propriedade é distribuída de determinada maneira entre os agentes económicos são plenamente utilizadas para produzir um conjunto de bens cuja oferta é exactamente igual à sua procura neste conjunto de preços de equilíbrio. Decorre daí que numa economia dessas não existe a questão de qualquer desemprego involuntário, no sentido de uma oferta excessiva de mão-de-obra à taxa salarial prevalecente, em equilíbrio. Gostos, tecnologia, a dimensão das dotações e a sua distribuição pelos agentes económicos e as "condições de frugalidade" (para usar uma frase de Joan Robinson), ou aquilo a que alguns chamariam a "preferência no tempo" dos agentes económicos, determinam os preços de equilíbrio e os produtos neste mundo de agentes "racionais", onde as empresas maximizam lucros e indivíduos maximizam utilidades.

Mas esta noção predominante de equilíbrio só é logicamente sustentável num mundo sem dinheiro, razão por que não pode ser uma descrição logicamente válida para uma economia capitalista. Isto porque num mundo com dinheiro, de acordo com esta concepção, o mercado do dinheiro deve "compensar" a um determinado preço do dinheiro em termos dos bens não monetários. Isso só pode acontecer se o excesso na curva da procura de dinheiro tiver uma inclinação descendente em relação ao "preço do dinheiro". Por outras palavras, para uma dada oferta de dinheiro a procura por dinheiro tem que variar em proporção inversa ao preço do mesmo. Sendo o preço do dinheiro a recíproca do nível de preço das mercadorias em termos de dinheiro, isso implica que a procura de dinheiro tem que variar em proporção directa com o nível do preço das mercadorias. A economia predominante considerava isto como garantido, porque via o dinheiro apenas como um meio de circulação, de modo que quanto maior fosse o valor dos bens que têm de circular, maior seria a procura de dinheiro. Logo, com a produção ao nível do pleno emprego, o valor dos bens (e portanto o valor dos bens a circular) depende do seu nível de preço, a procura por dinheiro tem de estar relacionada positivamente ao nível de preços.

O papel do dinheiro como meio de circulação assegurava isso. O problema, contudo, é que o dinheiro também é uma forma de riqueza. Ele não pode ser um meio de circulação sem ser uma forma de riqueza, visto que até mesmo o anterior papel exige que o dinheiro seja mantido, mesmo que fugazmente, como riqueza. E quando o papel do dinheiro enquanto forma-de-riqueza é reconhecido, torna-se claro que a procura de dinheiro também depende dos retornos esperados de outras formas de riqueza. Se a procura de dinheiro depende das expectativas quanto ao futuro, então não há nenhuma razão para que a curva da procura do dinheiro deva ser inclinada em sentido ascendente em relação ao nível de preços, conforme exigido pela teoria "predominante", visto que qualquer alteração no nível de preços não pode deixar de alterar as expectativas.

Para sair deste atoleiro, a teoria predominante arranjou dois caminhos alternativos. Um deles é recusar, muito teimosamente, o papel do dinheiro como forma-de-riqueza e ver o dinheiro só como meio de circulação. O outro é reconhecer o papel do dinheiro como forma-de-riqueza mas assumir que as expectativas são sempre de um tipo que não cria qualquer problema à teoria, pelo menos no que se refere à existência e à estabilidade do equilíbrio. O primeiro é o caminho ortodoxo da constante k de Cambridge ou, o que de facto vem a dar na mesma, uma velocidade de circulação do dinheiro constante (sujeita a alterações autónomas a longo prazo), a qual é amplamente usada ainda hoje em trabalho empírico corrente do género monetarista. O segundo é o caminho do efeito de "equilíbrio real", cuja validade depende, entre outras coisas, do pressuposto de expectativas de preços não elásticos.

No entanto, estes dois caminhos estão bloqueados por contradições lógicas. O caminho da constante-Cambridge está bloqueado pela contradição óbvia de que o dinheiro não pode ser assumido logicamente como um meio de circulação a não ser que também possa funcionar como forma de riqueza. E se pode, então não há razão para que não o faça. E se o faz, então não podemos assumir uma constante k de Cambridge. O segundo caminho está bloqueado pela contradição de que expectativas de preços não elásticos pressupõem uma certa fixação aos preços, ou seja, a existência de alguns preços que estão colados, e num mundo de preços flexíveis não há razão para que seja este o caso. Segue-se que pura e simplesmente não há forma logicamente sustentável de construir uma estrutura teórica em conformidade com a percepção "predominante" num mundo com dinheiro e portanto para uma economia capitalista.

Por causa disso existe uma tradição alternativa na economia, a que eu chamo a tradição "proprietarista" ("propertyist"), que sempre considerou o valor do dinheiro como sendo fixado fora do reino da oferta e da procura. A este valor, fixado fora do reino da oferta e da procura, indivíduos habitualmente mantêm saldos de dinheiro a mais para além do que é exigido para efeitos de circulação: O dinheiro constitui tanto um meio de circulação como uma forma de manter riqueza. Neste caso, é impossível manter a lei de Say. Se a riqueza pode ser mantida sob a forma de dinheiro, então surge a possibilidade de superprodução ex-ante das mercadorias não monetárias. E esta superprodução ex-ante dá origem a uma verdadeira contracção da produção, não apenas das mercadorias não monetárias mas do dinheiro e das mercadorias não monetárias no seu conjunto, precisamente porque o preço do dinheiro em termos de mercadorias é fixado no exterior do reino da oferta e da procura, de modo que não se pode assumir que a flexibilidade do preço elimine essa sobreprodução ex-ante.

Segue-se, pois, que o reconhecimento do papel do dinheiro como forma de retenção de riqueza, o reconhecimento do facto de que o seu valor não pode ser determinado no interior do reino da oferta e da procura mas tem que ser fixado no exterior desse reino, e o reconhecimento da possibilidade de superprodução generalizada ou – o que vem a dar na mesma – do desemprego involuntário no sentido keynesiano, estão logicamente interligados e constituem a tradição proprietarista. Em contraste, a negação de cada um destes fenómenos também está interligada logicamente e constitui a tradição monetarista-walrasiana que se mantém predominantemente.

Dentro da tradição proprietarista, há duas contribuições principais. Uma é de Marx, que não só assinalou explicitamente a insustentabilidade de explicar o valor do dinheiro em termos de oferta e procura, mas também forneceu uma explicação alternativa para isso através da sua teoria do valor-trabalho. Sublinhou a existência em todas as épocas de uma "acumulação" ("hoard") de dinheiro como forma de guardar riqueza numa sociedade capitalista, e reconheceu, contra Ricardo, que fora um crente na lei de Say, a possibilidade da superprodução generalizada ex-ante como consequência desse facto. Mas nem Marx nem os seus seguidores aprofundaram essa contribuição fundamental de Marx; preferiram, em vez disso, seguir exclusivamente a outra importante descoberta teórica de Marx, nomeadamente a que se relaciona com a sua teoria da mais-valia. É por isso que se passaram três quartos de um século antes de os mesmos temas terem voltado à superfície durante a revolução keynesiana através dos escritos de Kalecky e de Keynes, entre outros, que constituíram o segundo principal grupo de contribuidores dentro da tradição proprietarista.

Claro que houve diferenças importantes entre Marx e Keynes na especificação das suas teorias. Enquanto Marx invocava a teoria do valor-trabalho para explicar a determinação do valor do dinheiro, Keynes achava que o valor do dinheiro em relação ao mundo das mercadorias era fixado através da fixação do valor do dinheiro em relação uma determinada mercadoria, nomeadamente o poder da força-de-trabalho (para usar a expressão de Marx). O facto de o custo hora do trabalho ser fixado num período específico, que foi o foco de análise de Keynes, foi o que deu ao dinheiro um valor finito e positivo em relação a todo o universo das mercadorias. E a fixidez dos salários em dinheiro não foi a causa do fracasso do mercado, como se tem admitido genericamente, mas o modus operandi do próprio sistema de mercado numa economia capitalista que necessariamente usa dinheiro. A superioridade da tradição proprietarista ao analisar o funcionamento da economia capitalista sobre a tradição monetarista-walrasiana deriva pois não só do seu maior "realismo" (por exemplo, o facto de o capitalismo sofrer crises de superprodução) mas também de aquela estar liberta das debilidades lógicas que afectam o monetarismo walrasiano.

Uma crítica da noção de capitalismo enquanto sistema isolado

Este livro apresenta também uma segunda proposta. O proprietarismo, apesar da sua superioridade sobre o monetarismo, continua incompleto. Não apresenta nenhum mecanismo convincente para assegurar que o nível de actividade duma economia capitalista se mantenha dentro dos limites que a tornem viável. A propensão duma economia capitalista para a superprodução generalizada torna-a essencialmente um sistema de constrangimento da procura (em que o constrangimento da oferta só se torna relevante em períodos excepcionais duma procura excepcionalmente alta). Mas se o capitalismo é um sistema de procura constrangida, então o que é que garante o facto de ele se manter viável, ganhando genericamente uma taxa de lucro que os capitalistas considerem adequada? As operações espontâneas dum sistema de procura constrangida não vão assegurar que ele funcione genericamente acima de um determinado grau de capacidade de utilização, que constitui o limiar da sua viabilidade. Conforme mostrou a discussão harrodiana sobre o crescimento, uma economia capitalista, entregue aos seus próprios dispositivos, não tem os meios para voltar atrás se entrar numa desaceleração. E como mostrou Kalecki no contexto dum sistema de procura constrangida, de que o universo harrodiano foi um exemplo específico, a tendência a longo prazo num sistema desses, na ausência de estímulos exógenos, é zero, o que certamente minaria a viabilidade dessa economia.

Ora bem, uma economia capitalista isolada, funcionando espontaneamente, não tem nenhuns estímulos exógenos. A inovação, o principal estímulo exógeno realçado por autores tão diferentes como Schumpeter e Kalecki, não é verdadeiramente um estímulo exógeno, visto que o ritmo de introdução da inovação em si mesmo não é independente do crescimento esperado da procura. E as despesas estatais, o outro principal estímulo exógeno que pode surgir numa economia capitalista isolada, não fazem parte verdadeiramente do funcionamento espontâneo do capitalismo (para além de ser um fenómeno que só adquiriu importância especial nos últimos anos). Daí que, até mesmo o proprietarismo continua incompleto. Depois de reconhecer correctamente que o sistema capitalista é propenso a uma deficiência da procura agregada, não oferece qualquer explicação sobre como, apesar disso, o sistema conseguiu sobreviver e prosperar durante tanto tempo.

Há aqui uma segunda questão com ela relacionada. Para a esclarecer, esqueçamos por instantes a primeira questão. Aceitemos que um estímulo exógeno sob a forma de inovações consegue sempre manter o nível da procura e portanto o nível de actividade na economia capitalista que constitui o nosso universo. Ora bem, mesmo que o valor do dinheiro em termos de mercadorias não monetárias seja dado do exterior do reino da oferta e da procura em qualquer período, se esse valor continuar a variar de forma ilimitada ao longo de períodos, através, por exemplo, duma inflação acelerada, então a existência continuada duma economia monetária normal mais uma vez é inexplicável. E se o nível de actividade tiver que se ajustar para manter os movimentos de preços "ao longo de períodos" dentro de limites, então esse nível pode muito bem cair abaixo do limiar que torna viável a economia, apesar da presença do estímulo exógeno. Segue-se que uma economia monetária tem que ter não apenas uma determinação "exterior" do valor do dinheiro em qualquer período, mas também qualquer mecanismo, que não seja o de ajustamentos no nível de actividade, para manter os movimentos de preço ao longo de períodos dentro de limites estritos. Um mecanismo óbvio é a fixidez de algum preço não só dentro do período mas também ao longo de períodos. Ou, dizendo de outro modo, o preço que é dado do "exterior" em qualquer período também deve estar a mudar lentamente ao longo de períodos. O proprietarismo continua incompleto porque não apresenta nenhuma razão para que isso aconteça. Daí que, apesar da sua superioridade sobre o monetarismo e o walrasianismo, o proprietarismo, tal como se apresenta, também não está isento de problemas lógicos.

A única forma de ultrapassar todos estes problemas é conceber o capitalismo como um modo de produção que nunca existe isoladamente, que está obrigatoriamente ligado aos modos pré-capitalistas que o rodeiam e que se mantém continuamente viável por se intrometer nos mercados pré-capitalistas. A limitação do proprietarismo é que, apesar de rejeitar o monetarismo por razões perfeitamente válidas, se manteve refém do mesmo pressuposto, de uma economia capitalista isolada e fechada, que caracterizava o monetarismo. Em resumo, a sua rejeição da perspectiva predominante não foi suficientemente radical e exaustiva.

Dizer que a economia capitalista precisa de se intrometer em mercados pré-capitalistas não é o mesmo que dizer, como o fez Rosa Luxemburgo, que ela precisa de "realizar" toda a sua mais-valia em cada período através de vendas ao sector pré-capitalista. Na verdade, o papel dos mercados pré-capitalistas nem sequer tem que ser quantitativamente significativo. Durante a maior parte do tempo a economia capitalista pode crescer pelos seus próprios meios, enquanto puder usar os mercados pré-capitalistas como meio de poder funcionar sempre que estiver num movimento descendente. E mesmo para este funcionamento, a dimensão quantitativa de vendas aos mercados pré-capitalistas não precisa de ser significativa. Com efeito, em rigor, enquanto a disponibilidade dos mercados pré-capitalistas possa instilar nos capitalistas suficiente confiança para fazerem investimentos, qualquer abrandamento pode ser travado ou mesmo abortado, sem interferência visível nos mercados pré-capitalistas. Por outras palavras, o que logicamente se exige é a existência de mercados pré-capitalistas em que se possa intrometer e não uma real intromissão significativa nesses mercados. Em resumo, constituem "mercados de reserva" a par do exército de reserva da força de trabalho. E assim é porque os bens do sector capitalista podem sempre desalojar a produção local na economia pré-capitalista, provocando nela a desindustrialização e o desemprego.

Essa deslocação periódica deixa atrás de si uma massa empobrecida na economia pré-capitalista, que constitui para o sector capitalista um segundo exército de reserva, situado à distância, para além do que existe dentro do próprio sector capitalista. Esse exército de reserva situado à distância garante que o custo hora do trabalho dos trabalhadores situados no meio desse exército de reserva só varie lentamente com o tempo. Em resumo, esses trabalhadores são "aceitadores de preços" (price-takers) – ou, mais rigorosamente, as suas reivindicações ex ante de salários reais são esmagadas precisamente porque estão situados no meio de amplas reservas de mão-de-obra. Como os produtos que eles produzem entram nos custos de salários e matérias-primas do sector capitalista no seu âmago, desempenham o papel de "pára-choques" do sistema capitalista. Por causa deles, a economia capitalista mantém-se viável tanto no sentido de ter um nível de actividade que ultrapassa o nível do limiar que lhe fornece a taxa de lucro mínimo aceitável, como no sentido de que o seu sistema monetário pode ser sustentado sem qualquer receio de aceleração da inflação.

Em resumo, o modo de produção capitalista precisa de estar sempre rodeado por modos pré-capitalistas que não são deixados na sua pureza preservada, mas são modificados e alterados de um modo que faz com que sirvam melhor as necessidades do capitalismo. O carácter incompleto do proprietarismo pode ser ultrapassado através do reconhecimento de que o capitalismo tem sempre integrada esta condição.

Esta percepção, embora tenha alguma afinidade com a de Rosa Luxemburgo, difere da dela de modo crucial. Primeiro, conforme já referido, realça mais o papel qualitativo dos mercados pré-capitalistas do que o seu papel quantitativo, e evidentemente não os considera como o local para a realização de toda a mais-valia do sector capitalista em cada período. Segundo, não considera o sector pré-capitalista como sendo assimilado pelo sector capitalista e portanto desaparecendo com o tempo como uma espécie distante; pelo contrário, mantém-se como uma economia devastada e degradada, local duma ampla massa empobrecida de pequenos produtores desalojados, uma reserva de trabalho longínqua, que serve as necessidades do capitalismo garantindo a estabilidade do sistema monetário.

Relações sociais subjacentes ao dinheiro

Assim, subjacente a uma economia monetária moderna, existe um conjunto de relações sociais que são necessariamente desiguais e opressivas. A estabilidade do valor do dinheiro baseia-se na persistência dessas relações. Claro que isso não significa que cada economia capitalista utilizadora de dinheiro tenha que impor essas relações desiguais e opressivas em determinado segmento especial do seu ambiente pré-capitalista. Habitualmente essas economias capitalistas estão interligadas num sistema monetário internacional e a potência capitalista dominante na altura assume a tarefa de impor as relações desiguais requeridas ao mundo "exterior" das economias pré-capitalistas e semi-capitalistas. Assim, a estabilidade do valor do dinheiro fica ligada à estabilidade do sistema monetário internacional, assumindo sobretudo a forma da manutenção da confiança dos detentores da riqueza do mundo capitalista na divisa da economia dominante como um meio estável para a detenção da riqueza.

Nem sempre é óbvio que esse papel da divisa do país dominante decorra da sua capacidade de sustentar um conjunto de relações globais desiguais e opressivas. Por vezes pensa-se que esse papel decorre de a divisa dominante estar ligada a metais preciosos. Mas isso é um erro. A ligação aos metais preciosos, por si só, não pode ser sustentada na ausência de tais relacionamentos. A estabilidade do sistema monetário internacional durante os anos do padrão ouro verificou-se não devido ao apoio do ouro às divisas, incluindo em especial a libra esterlina, que era a divisa dominante da época; resultou de a Grã-Bretanha poder impor um conjunto de relações opressivas e desiguais sobre grandes faixas do globo que constituíam o seu império formal e informal. A manutenção da ligação ao ouro era um sinal para os detentores de riqueza de que essas relações continuavam. E quando essas relações foram desgastadas no período entre guerras, apesar de a libra esterlina estar formalmente ligada ao ouro novamente, essa ligação não pôde ser sustentada.

Segue-se daqui que, mesmo na ausência de qualquer ligação anterior a metais preciosos, enquanto a potência capitalista dominante puder estabelecer essas relações globais, a sua divisa continua a ser considerada "tão boa como o ouro"; ou seja, mesmo um padrão puro do dólar só pode constituir o sistema monetário internacional enquanto os Estados Unidos puderem estabelecer a hegemonia global exigida para instilar a confiança entre os detentores de riqueza do mundo capitalista de que a sua divisa é "tão boa como o ouro". No entanto, uma pré-condição para isso é que o valor da sua força de trabalho, em termos da sua divisa, tem que ser relativamente estável (o que exclui uma inflação significativa, quanto mais uma inflação acelerada no seu próprio território); e, relacionado com isso, o valor das importações cruciais que entram no custo de salários e no custo dos materiais, também tem que ser relativamente estável. Com efeito, enquanto esta última condição se cumprir e as reservas de mão-de-obra internas forem suficientemente grandes para impedir qualquer aumento autónomo de salários, a inflação pode ser excluída como fonte de desestabilização do papel da sua divisa como meio estável de detenção de riqueza. Como a contribuição mais significativa é a importação do petróleo, um padrão dólar pode funcionar enquanto o preço em dólares do petróleo for relativamente estável. Portanto, o que parece à primeira vista ser um padrão dólar puro, se olharmos mais de perto tem que ser um patrão petro-dólar. O sistema monetário pós Bretton Woods pode ser caracterizado não como um padrão dólar, mas mais rigorosamente como um padrão petro-dólar. Segundo todas as aparências, o mundo pode ter acabado com o dinheiro mercadoria com a separação do dólar do ouro. Mas o ponto crucial da argumentação deste livro é que nunca pode ser assim. O valor do dinheiro, mesmo o dinheiro papel ou crédito, deriva da sua ligação ao mundo das mercadorias.

A procura mundial de petróleo e gás natural que ocorre presentemente, liderada pelos Estados Unidos, não é alimentada apenas pelo desejo de adquirir estes recursos para utilização. É alimentada muito mais fortemente pela necessidade de preservar o padrão petro-dólar. Até Alan Greenspan reconheceu abertamente que a invasão do Iraque foi feita para assumir o controlo sobre as suas imensas reservas petrolíferas; sem dúvida há motivos semelhantes subjacentes à ameaça de acção contra o Irão. Uma percepção comum é que essa aquisição do controlo é necessária aos Estados Unidos e a outros países avançados porque são os principais consumidores deste recurso, que actualmente está em mãos alheias. Pode ser que assim seja. Mas um motivo extremamente significativo que quase invariavelmente é esquecido é que o controlo do petróleo é essencial para a preservação do actual sistema monetário internacional.

Isto à primeira vista pode parecer estranho porque a tentativa desse controlo tem sido acompanhada por um aumento maciço do preço em dólares do petróleo. Mas isso é porque a invasão do Iraque não ocorreu de acordo com o planeado. E, de resto, o aumento do preço do petróleo, per se, não é desestabilizador se não provocar persistentemente uma inflação mais alta e se não der origem a expectativas de aumentos persistentes no preço do petróleo ou no nível de preços em geral no país dominante. Os obituários ao sistema monetário internacional dominante, relativos à hegemonia do dólar, são prematuros. Mas, embora possa ser assim, há a importante sensação de que o mundo capitalista está cada vez mais acossado por dificuldades.

O capitalismo na maturidade

Rosa Luxemburgo extraiu da sua análise a conclusão de que o sistema capitalista estava confrontado com a inevitabilidade do "colapso", quando todo o sector pré-capitalista fosse assimilado ao sector capitalista. Essa conclusão não se segue da argumentação apresentada neste livro; e nenhuma conclusão assim pode ser retirada validamente acerca do capitalismo. O capitalismo contemporâneo, porém, está confrontado com graves dificuldades, muitas das quais surgem do avanço do próprio capitalismo.

São óbvias duas consequências da maturidade. Primeiro, o peso do sector pré-capitalista, e portanto do mercado pré-capitalista, diminui ao longo do tempo em relação à dimensão do sector capitalista, de modo que já não consegue desempenhar o mesmo papel de fornecer um estímulo exógeno ao sector capitalista como fazia anteriormente. Segundo, o declínio na quota das importações (excluindo o petróleo) das mercadorias primárias no valor bruto da produção da metrópole capitalista, em si mesmo uma herança do esmagamento dos produtores primários, implica que qualquer outro esmagamento se torna cada vez mais infrutífero. A compressão das reivindicações ex ante desses produtores deixa de ser uma arma potente para impedir a aceleração da inflação no nível de actividade prevalecente.

O primeiro destes problemas pode ser ultrapassado através da "gestão da procura" pelo estado. Mas com a globalização da finança, nem todos os estados podem fazer isso, visto que esse activismo estatal assusta os especuladores. O governo do país capitalista dominante, os Estados Unidos (cuja divisa é considerada "tão boa como o ouro") ainda consegue aguentar um défice fiscal para estimular a procura mundial, e um défice corrente em relação às potências capitalistas suas rivais por lhes oferecer um mercado maior. Em resumo, pode agir como estado mundial substituto, expandindo o nível de actividade na economia capitalista mundial.

Há dois obstáculos óbvios para isso. Primeiro, o governo dos EUA, que pode agir como estado mundial substituto, é apesar de tudo um estado nação. Dificilmente se pode esperar que venha a ser suficientemente altruísta para estimular o nível de actividade no mundo capitalista no seu conjunto, e não unicamente dentro das suas fronteiras, aumentando a dívida externa da sua economia (que essa intervenção expansionista provocaria). Segundo, mesmo a um nível de actividade relativamente baixo no mundo capitalista, a economia dos EUA já está a ficar cada vez mais endividada. Dificilmente se pode esperar que este problema se agrave ainda mais por razões altruístas, o que implica que o estímulo da procura no mundo capitalista, e daí a tendência da taxa de crescimento, continuará a manter-se baixa.

A crescente dívida dos EUA, mesmo ao actual nível de actividade, representa uma ameaça potencial para a sua hegemonia, e é na verdade um desenvolvimento único. A ideia de a potência capitalista dominante ser também a mais endividada representa uma situação sem precedentes na história do capitalismo. A bem dizer, a principal potência capitalista, a fim de preservar o seu papel de liderança satisfazendo as ambições das potências suas recém industrializadas potências rivais novamente, tem necessariamente numa determinada fase da sua carreira que gerir um défice de transacções correntes com elas. A Grã-Bretanha, a potência capitalista dominante no seu tempo, teve que fazer o mesmo nos finais do século XIX e início do século XX, um período de difusão significativa do capitalismo. Mas a Grã-Bretanha não se endividou nesse processo; pelo contrário, tornou-se a mais importante nação credora do mundo exactamente durante esse mesmo período. Hoje, o caso com os Estados Unidos é exactamente o oposto.

A principal razão para essa diferença é que a Grã-Bretanha usou as suas colónias e semi-colónias tropicais para encontrar mercados para os seus produtos, que estavam a ser cada vez mais desdenhados na metrópole; e como as mercadorias primárias produzidas por essas colónias e semi-colónias eram procuradas pelas suas rivais recém-industrializadas, eram produzidas para ganhar um excedente de exportação em relação a estas últimas, o qual não só equilibrou o défice de contas correntes da Grã-Bretanha com elas, mas ainda forneceu uma quantia extra para exportação de capital para essas economias recém-industrializadas. A Grã-Bretanha não teve que pagar por essa quantia extra, uma vez que se apropriava pura e simplesmente de graça de uma parte da mais-valia produzida nessas colónias e semi-colónias que financiava essas exportações de capital. Hoje aos Estados Unidos faltam tais colónias; e, conforme já mencionado, a importância relativa em termos de valor de exportações de mercadorias primárias para a metrópole diminuiu de tal forma que tal arranjo já não funcionará por muito tempo. O controlo político sobre os países ricos em petróleo oferece algumas perspectivas de ressuscitar com êxito o antigo arranjo colonial ao estilo britânico para pagar as contas correntes sem ficar endividado. E é isso, conforme já vimos, exactamente o que os Estados Unidos tencionam obter.

Assim, o que se perfila no horizonte é um prolongado período de crescimento lento para a metrópole capitalista, o crescente endividamento da principal potência capitalista e a ameaçadora incerteza quanto à continuação do padrão petrodólar e quanto à saúde geral do sistema monetário internacional. Tudo isto está a suceder em meio a "abertura" do terceiro mundo ao movimento desenfreado da finança globalizada e das operações sem restrições das corporações multinacionais, e de tentativas da potência capitalista dominante para a reconquista política dos países do terceiro mundo ricos em petróleo. Na ausência de um esforço consciente para transcender esta situação, a humanidade ficará presa nas garras viciosas de uma dialéctica de engrandecimento imperialista, tanto engendrando como derivando legitimidade a partir de um terrorismo destrutivo como contrapartida. Ninguém pode acreditar honestamente que é este o destino final da humanidade. Para ultrapassar esta conjuntura, contudo, temos primeiro de nos libertar das viseiras da teoria económica dominante.

[*] Economista, responsável pela cadeira Sukhamoy Chakravarty na Universidade Jawaharlal Nehru, Nova Delhi.   Autor de numerosas obras, dentre as quais: Accumulation and Stability Under Capitalism ,   The Retreat to Unfreedom ,   Lenin and Imperialism: An Appraisal of Theories and Contemporary Reality ,   Marx's Capital: An Introductory Reader   e The Value of Money , do qual foi extraído o presente excerto.

O original encontra-se em http://cup.columbia.edu/book/978-0-231-14676-0/the-value-of-money/excerpt . Tradução de Margarida Ferreira.


Este excerto encontra-se em http://resistir.info/ .
14/Jan/13

52 FALÊNCIAS POR DIA EM 2012

Em Portugal verificaram-se 52 falências por dia ao longo de 2012, um aumento de 62% em relação a 2012. Ao mesmo tempo, denuncia a CGTP, "A dívida aos trabalhadores que perderam os postos de trabalho em resultado do encerramento ou falência das empresas ultrapassa os 316 milhões de euros, afectando mais de 43 mil trabalhadores do sector público e privado, segundo dados apurados pela CGTP-IN. Na realidade o valor é muito superior, uma vez que este levantamento não abrange todos os distritos nem todos os sectores de actividade" . E com o Orçamento de Estado (inconstitucional) de 2013 é mais que certo que não haverá qualquer recuperação económica no próximo ano. A economia real portuguesa continuará nesse caminho para o abismo. Os aumentos na electricidade, gás, combustíveis, transportes, já anunciados para Janeiro, destinam-se a retirar ainda mais rendimento disponível dos trabalhadores e das PMEs (reduzindo-lhes a competitividade) e engordar o capital oligopolista.
É preciso entender o que está realmente a acontecer: 1) A prioridade deste governo não é recuperar a economia real e sim satisfazer os credores externos de Portugal;   2) Com esse objectivo procura extorquir o máximo que pode do povo português, a qualquer custo e utilizando todas as manigâncias possíveis;   3) A lealdade do ministro das Finanças, Vitor Gaspar, é para com o capital financeiro e não para com o país que o viu nascer;   4) Ao "diluir" ao longo do ano os subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores o plano não confessado do governo é vir a extingui-los.
Correr com esta gente, recuperar a soberania monetária e romper as amarras com a UE é um imperativo de sobrevivência nacional.

Responsável departamento estatístico grego acusado de inficionar défice para precipitar resgate

Como???

“Governo deu o dito por não dito”

O Governo português mudou o discurso que vinha fazendo há meses e, pela primeira vez, não só admite que Portugal precisa de mais tempo para pagar a dívida, como solicitou em Bruxelas novas condições para pagar aos credores internacionais.

Eliseu


Na passada semana, acompanhando o primeiro-ministro português, passei uma hora no palácio do Eliseu. Foi uma - provavelmente a última - das bastantes visitas que, durante os últimos 17 anos, fiz àquele magnífico "hôtel particulier", sempre impecavelmente conservado. O Eliseu reflete o esplendor da República, curiosamente num "décor" que recorda tempos muito distantes dela. Para as memórias que talvez nunca escreva, durante conversas que foram dos acontecimentos no Mali ao próximo orçamento da UE, tomei notas sobre pormenores da sala e do mobiliário, complementadas por algumas liturgias do encontro.

Ontem, no "Le Figaro", o correspondente do "Die Welt" em Paris, Sasha Lehnartz, escrevia: "de cada vez que tenho o privilégio de aceitar um encontro do palácio do Eliseu, tenho a impressão de ser recebido numa audiência pelo Papa". O jornalista contrastava a sobriedade espartana das residências oficiais alemãs com o ambiente palaciano, "mistura de pompa pós-feudal e de grandeza republicana". Mas, curiosamente, não elogiava o seu modelo.

O poder também se faz de símbolos. Sem uma certa coreogradia, sem alguma pompa, os cidadãos tendem a olhar para os titulares da autoridade com um sentimento de banalidade, embora quiçá de simpatia. Mas a distância que o poder cria parece ser essencial para essa mística que sustenta as hierarquias de que a política - toda a política - é feita. A questão estará sempre na sabedoria necessária para encontrar um tom exato, suscetível de sublinhar a importância da função exercida sem apoucar os cidadãos, os quais, no fundo, são a verdadeira razão de ser dos sistemas políticos.

Greve no metro de Lisboa esta terça-feira

A paralisação parcial insere-se numa jornada de luta dos trabalhadores do Metropolitano de Lisboa, que envolveu uma greve na semana passada e com novo protesto previsto para dia 29, "desde que o conselho de administração se mantenha silencioso e sem tentar resolver os problemas dos trabalhadores", adiantou à Lusa a dirigente da Federação Nacional dos Transportes e Comunicações (FECTRANS) Anabela Carvalheira.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Voto aos 16 anos: Podes fazer tudo, menos escolher o que podes fazer

No passado Domingo, o jornal Público, na sua página online, publicou um artigo extenso sobre a problemática do Direito de Voto aos 16 anos1. Faz um retrato de algumas experiências atuais de Estados Democráticos que já incorporam esse direito, dá a conhecer algumas opiniões de jovens estudantes sobre o caso e entrevista o ex-líder da JSD, Duarte Marques, apresentado na entrevista como o grande defensor desta medida.

Portugal, Portugal


1. Não se pode dizer que a sua cara reluza seriedade. O homem tem um esgar estranho, de alguém que se situa à entrada do desequilíbrio. Trata-se do falso "estripador", uma figura que, para obter popularidade e "ajudar" à do filho, envolvido num "reality show", anunciou que era o autor do assassinato de algumas mulheres, um mistério antigo por resolver, nos anais da nossa polícia. Ontem, lá estava ele na televisão, dizendo-se semi-arrependido pela mentira que espalhou em entrevistas, perante um jornalista que não se ria, informando que vai pedir uma indemnização (claro!) ao Estado, pelo tempo que esteve preso, pelo crime que "confessou" e que, afinal, não tinha praticado.

2. O cenário era-me bem conhecido, o assunto também. Um funcionário da embaixada portuguesa em Brasília reclamava ontem, na televisão, uma indemnização milionária ao Estado português pela "degradação" do seu salário. E um juíz "trabalhista" recomendava o arresto de um avião da TAP. Tudo isto porquê? Em 2004, foi feita uma reavaliação em alta dos salários dos funcionários que prestam serviço nas estruturas diplomáticas portuguesas no Brasil. Havia duas opções, à época: o salário futuro ser fixado em reais, a moeda local, ou ser tabelado em dólares. A livre escolha, assinada com alegria pelos funcionários, foi a do dólar, que, ao tempo, estava a valorizar-se progressivamente face ao real. Recordo-me de uma funcionária administrativa que chegou a ganhar um montante mensal superior ao salário nominal do presidente da República brasileira. Depois, as coisas mudaram: o real foi-se firmando no mercado e os dólares recebidos passaram a representar cada vez menos reais. (Nada que não tivesse acontecido a imensos funcionários do MNE, incluindo eu próprio, ao longo de décadas, um pouco por todo o mundo). Chegados a este ponto, aqui del-rei! O Estado português deve indemnizar os funcionários pelas "perdas" salariais, retroativamente, a partir do momento em que o real começou a subir face ao dólar. E se o movimento tivesse sido ao contrário? Estariam os funcionários - os quais, repito, optaram livremente pelo dólar - dispostos a devolver o diferencial ao Estado? Ou isto é "sol na eira e chuva no nabal"?

3. O ar dela é "standard". É o tipo puro de algumas "piquenas" da Linha, com a voz a caminhar para aquela rouquidão que, por um mistério traqueio-social, algumas mulheres "bem" adquirem depois de Paço d'Arcos (a doutrina divide-se, mas eu defendo, há anos, que no Alto da Barra começa a verdadeira fronteira, que se reproduz, do outro lado, numa linha muito irregular que vai da Malveira da Serra ao Vassoureiro), que aprendeu a falar com o lábio de cima quase imóvel (os britânicos chamam a isso o "stiff upper lipp"), a acompanhar o débito de um léxico restrito que vai bem com a "Caras", que deve ter à cabeceira, ao lado das obras completas da "Guida" Rebelo Pinto, que ela conhece "de toda a vida". Ela, a Pepa, nome da "piquena", que já tem blogue e tudo, explica num anúncio, que anda no "Youtube", que tem, para 2013, o objetivo de vida de comprar uma "carteira" Chanel (não é "mala", porque isso é "possidónio", no universo "pepal", onde só há "presentes" e não "prendas", "moradias" e não "vivendas", "telefonias" - a ler sempre sem o "l" - e não "rádios", e coisas assim, "tá a ver?") da Dior que custa 5 mil euros. É o verdadeiro "regresso aos mercados", versão Pepa. Apetece-lhe, coitada! Porquê? "Sei lá!", dá "imenso jeito"! Diz isto sentada num sofá (deve ler-se como se o "ó" tivesse acento), com uma candura pateta, recheada de bordões de expressão do social "bem". Uma delícia! Mas, diga-me uma coisa, Pepa: o anúncio não lhe terá rendido já os 5 mil euros? Quer que leve a "carteira" aqui se Paris? Não me custa nada, a Chanel "tá li no faubourg", logo à mão, querida! Um beijinho (mas só um!), Pepa!

4. Desta vez, foi mesmo o cão a morder humanos a ser notícia em Portugal, prova de que já batemos no fundo em matéria de originalidade mediática. O cão é o Zico, um pitbull que matou uma criança sem nome. Em lugar de recomendar prisão imediata para os donos do cão e para quem teve a irresponsabilidade de deixar a criança ao seu alcance, o país divide-se sobre se o Zico deve ser abatido ou reeducado. Colunistas políticos, ferozes, indignam-se, associações protetoras dos animais, com canina solidariedade, mobilizam-se. Num país onde metade dos desempregados deixou de ter subsídio de desemprego, onde as pessoas arrastam doenças por longas horas nas urgências dos hospitais, a notícia são as aventuras do Zico. Exemplar!

5. No final deste post, neste blogue já quase à beira-tejo plantado, apetece-me que ouçam o magnífico "Portugal, Portugal", de Jorge Palma, talvez porque, por mais algum tempo, não ouse ainda colocar aqui o "FMI", de José Mário Branco.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Governo insiste na discriminação dos dadores de sangue

Os casos de cidadãos homossexuais e bissexuais impedidos de doar sangue continuam a repetir-se por todo o país, apesar da Assembleia da República ter aprovado em 2010, por ampla maioria, uma resolução a recomendar ao Governo a aplicação de medidas para pôr um ponto final nesta discrimação.

"Praça da Alegria e Jornal da Tarde geraram mais de 12 milhões de lucro à RTP"

 

"A venda do BPN ao BIC foi uma venda de favor e a preço de amigo"


Na discussão do Relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar ao Processo de Nacionalização, Gestão e Alienação do BPN, o deputado João Semedo afirmou que o Bloco foi o único partido a votar contra este relatório:

A mãe de todas as crises e as auditorias cidadãs

O bailout dos bancos americanos em 2008-2009, que inicialmente a Reserva Federal estimou em 700 a 800 mil milhões de dólares rapidamente iniciou uma escalada para a frente, chegando, segundo a Bloomberg, ao final de 2009 com um custo de 7,77 biliões de dólares (7.770.000.000.000). No final de 2011, o Levy Economics Institute estimava o total de capitais públicos gastos com o resgate da banca e das instituições financeiras em 29,616 biliões de dólares (29.616.000.000.000).
.

Faz-me um Relatório

Em primeiro lugar, a natureza do relatório. Trata-se de um relatório técnico. A escolha de cortar no Estado Social e não nas PPP's ou nos juros da dívida através de uma reestruturação é, claro está, retintamente técnica.
Assim sendo, não vale a pena as pessoas desatarem a indignar-se. É fútil gritar contra a técnica. Se é assim, é porque não pode ser de outra maneira.

Sarmentos

Há dias, o antigo ministro Moraes Sarmento disse numa entrevista que "a rede diplomática (portuguesa) é ainda hoje a de um país com ambições imperiais ou de potência regional". Para concluir, grave e sentencioso, que "manifestamente, não é esse o tempo em que vivemos". Na altura, tomei disso nota aqui, para não esquecer. E agora comento.

A ignorância política, como infelizmente se tem visto em bastantes outros registos, é uma das mais perigosas formas de estar na vida pública. As pessoas falam "de cátedra" do que não sabem nem conhecem bem, com uma ligeireza a que já ninguém reage. Aparentemente, o dr. Moraes Sarmento, que chegou a ministro de um governo presidido pelo dr. Durão Barroso, não estará convencido da adequação da atual dimensão da máquina diplomática e consular portuguesa às necessidades de defesa dos interesses do país na ordem externa. Não sabemos se o dr. Barroso, que foi ministro da pasta, concorda com aquele seu antigo colaborador; e é pena que o não saibamos. Para memória futura.

Ao que parece, nunca ninguém terá explicado bem ao dr. Sarmento que, jogando Portugal muito do seu futuro na área internacional - em termos da importância cada vez maior da projeção de interesses económicos (comércio, investimento, turismo) e de proteção da influência que criou à escala global, com efeitos na diáspora e na língua, bem como na margem possível de manobra na ordem europeia -, se torna absolutamente indispensável para o nosso país, com um dispêndio orçamental que não chega a 1% do orçamento geral do Estado, preservar um mínimo razoável de capacidade interventiva externa. Digo "mínimo" porque, no que toca ao Ministério dos Negócios estrangeiros, e como bem se sabe, estamos já "no osso" e tornar-se-á impossível, se acaso os meios vierem a reduzir-se ainda mais, continuar a trabalhar com uma eficácia aceitável.

Ouviu-se alguém reagir às ideias do Dr. Sarmento, das bandas do governo ou da oposição? Alguém, das estruturas de representação sindical da diplomacia ou da dos quadros administrativos, teve uma palavra de resposta firme e esclarecimento público perante a absurda asserção do dr. Sarmento? Qual quê! Silêncio foi o que se ouviu. Porquê? Porque não há nada mais popular, nestes tempos de "voyeurisme" orçamental coletivo, do que zurzir os diplomatas, a estrutura diplomática e a sua suposta inutilidade. Por isso, o dr. Sarmento sabe bem que está no "safe side" e que pode, com total impunidade, dizer as frases sonantes que diz, não obstante a sua gritante irresponsabilidade.

As declarações ligeiras do dr. Sarmento são a prova de que este modelo de afirmação política arrogante, quando assumido com um fácies grave e a dar-se ares de sentido de Estado, por muito pouco ou nada que se saiba daquilo de que se está a falar, continua a ter um direito de cidade garantido no Portugal em que vivemos. Mais uma razão para o denunciar, sem tibiezas.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Gabinete do Primeiro-Ministro Passos Coelho.

 Função - Nome - Idade - Nomeação - Vencimento €

 Chefe de Gabinete - Francisco Ribeiro de Menezes - 46 anos - 06-08-2011 - 4.592,43

 Assessor - Carlos Henrique Pinheiro Chaves - 60 anos - 21-06-2011 - 3.653,81

 Assessor - Pedro Afonso A. Amaral e Almeida - 38 anos - 18-07-2011 - 3.653,81

 Assessor - Paulo João L. Rêgo Vizeu Pinheiro - 48 anos - 11-07-2011 - 3.653,81

 Assessor - Rudolfo Manuel Trigoso Rebelo - 48 anos - 21-06-2011 - 3.653,81

 Assessor - Rui Carlos Baptista Ferreira - 47 anos - 21-06-2011 - 3.653,81

 Assessora - Eva Maria Dias de Brito Cabral - 54 anos - 12-10-2011 - 3.653,81

 Assessor - Miguel Ferreira Morgado - 37 anos - 21-06-2011 - 3.653,81

 Assessor - Carlos A. Sá Carneiro Malheiro - 38 anos - 01-12-2011 - 3.653,81

 Assessora - Marta Maria N. Pereira de Sousa - 34 anos - 21-06-2011 - 3.653,81

 Assessor - Bruno V. de Castro Ramos Maçaes - 37 anos - 01-07-2011 - 3.653,81

 Adjunta - Mafalda Gama Lopes Roque Martins - 35 anos - 01-07-2011 - 3.287,08

 Adjunto - Carlos Alberto Raheb Lopes Pires - 38 anos - 21-06-2011 - 3.287,08

 Adjunto - João Carlos A. Rego Montenegro - 34 anos - 21-06-2011 - 3.287,08

 Adjunta - Cristina Maria Cerqueira Pucarinho - 46 anos - 23-08-2011 - 3.287,08

 Adjunta - Paula Cristina Cordeiro Pereira - 41 anos - 22-08-2011 - 3.287,08

 Adjunto - Vasco Lourenço C. P. Goulart Ávila - 47 anos - 21-11-2011 - 3.287,08

 Adjunta - Carla Sofia Botelho Lucas - 28 anos - 25-01-2012 - 3.287,08

 Técnica Especialista - Bernardo Maria S. Matos Amaral - 38 anos - 07-09-2011 - 3.287,08

 Técnica Especialista - Teresa Paula Vicente de F. Duarte - 44 anos - 21-07-2011 - 3.653,81

 Técnica Especialista - Elsa Maria da Palma Francisco - 40 anos - 16-01-2012 - 3.653,81

 Técnica Especialista - Maria Teresa Goulão de Matos Ferreira - 49 anos - 18-07-2012 - 3.653,81

 Secretária pessoal - Maria Helena Conceição Santos Alves - 54 anos - 18-07-2011 - 1.882,76

 Secretária pessoal - Inês Rute Carvalho Araújo - 46 anos - 18-07-2011 - 1.882,76

 Secretária pessoal - Ana Clara S. Oliveira - 38 anos - 13-07-2011 - 1.882,76

 Secretária pessoal - Maria de Fátima M. L. Hipólito Samouqueiro - 47 anos - 21-06-2011 - 1.882,76

 Secretária pessoal - Maria Dulce Leal Gonçalves - 52 anos - 01-07-2011 - 1.882,76

 Secretária pessoal - Maria M. Brak-Lamy Paiva Raposo - 59 anos - 13-07-2011 - 1.882,76

 Secretária pessoal - Margarida Maria A. A. Silva Neves Ferro - 53 anos - 21-06-2011 - 1.882,76

 Secretária pessoal - Maria Conceição C. N. Leite Pinto - 51 anos - 21-06-2011 - 1.882,76

 Secretária pessoal - Maria Fernanda T. C. Peleias de Carvalho - 45 anos - 01-08-2011 - 1.882,76

 Secretária pessoal - Maria Rosa E. Ramalhete Silva Bailão - 58 anos - 01-09-2011 - 1.882,76

 Coordenadora - Luísa Maria Ferreira Guerreiro - 48 anos - 01-01-2012 - 1.506,20

Téc. administrativo - Alberto do Nascimento Cabral - 59 anos - 01-01-2012 - 1.506,20

Téc. administrativo - Ana Paula Costa Oliveira da Silva - 42 anos - 01-01-2012 - 1.506,20

Téc. administrativo - Elisa Maria Almeida Guedes - 47 anos - 01-01-2012 - 1.500,00

Téc. administrativo - Isaura Conceição A. Lopes de Sousa - 59 anos - 01-01-2012 - 1.506,20

Téc. administrativo - José Manuel Perú Éfe - 60 anos - 01-01-2012 - 1.506,20

Téc. administrativo - Liliana de Brito - 50 anos - 01-01-2012 - 1.500,00

Téc. administrativo - Maria de Lourdes Gonçalves Ferreira Alves - 61 anos - 01-01-2012 - 1.506,20

Téc. administrativo - Maria Fernanda Esteves Ferreira - 57 anos - 01-01-2012 - 1.506,20

Téc. administrativo - Maria Fernanda da Piedade Vieira - 61 anos - 01-01-2012 - 1.506,20

Téc. admin. - Maria Umbelina Gregório Fernandes Barroso - 47 anos - 01-01-2012 - 1.500,00

Téc. administrativo - Zulmira Jesus G. Simão Santos Velosa - 47 anos - 01-01-2012 - 1.506,20

Téc. administrativo - Artur Vieira Gomes - 53 anos - 01-01-2012 - 1.600,15

Téc. administrativo - Benilde Rodrigues Loureiro da Silva - 58 anos - 01-01-2012 - 975,52

 Apoio Auxiliar - Fernando Manuel da Silva - 68 anos - 01-01-2012 - 975,52

 Apoio Auxiliar - Francisco José Madaleno Coradinho - 45 anos - 01-01-2012 - 1.472,82

 Apoio Auxiliar - Joaquim Carlos da Silva Batista - 57 anos - 01-01-2012 - 975,52

 Apoio Auxiliar - José Augusto Morais - 51 anos - 01-01-2012 - 975,52

 Apoio Auxiliar - Maria Lurdes da Silva Barbosa Pinto - 58 anos - 01-01-2012 - 975,52

 Apoio Auxiliar - Maria de Lurdes Camilo Silva - 65 anos - 01-01-2012 - 975,52

 Apoio Auxiliar - Maria Júlia R. Gonçalves Ribeiro - 58 anos - 01-01-2012 - 975,52

 Apoio Auxiliar - Maria Natália Figueiredo - 64 anos - 01-01-2012 - 975,52

 Apoio Auxiliar - Maria Rosa de Jesus Gonçalves - 58 anos - 01-01-2012 - 975,52

 Motorista - António Francisco Guerra - 52 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - António Augusto Nunes Meireles - 61 anos - 01-01-2012 - 2.028,28

 Motorista - António José Pereira - 48 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - Arnaldo de Oliveira Ferreira - 49 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - Jaime Manuel Valadas Matias - 52 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - Jorge Henrique S. Teixeira Cunha - 52 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - Jorge Martins Morais - 46 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - José Hermínio Frutuoso - 53 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - Nuno Miguel R. Martins Cardoso - 37 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - Paulo Jorge Pinheiro da Cruz Barra - 40 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - Rui Miguel Pedro da Silva Machado - 42 anos - 01-01-2012 - 1.848,53

 Motorista - Vítor Manuel G. Marques Ferreira - 42 anos - 01-01-2012 - 1.848,53


 
Resumo:

1 Chefe de Gabinete

10 Assessores

7 Adjuntos

4 Técnicos Especialistas

10 Secretárias Pessoais

1 Coordenadora

13 Técnicos Administrativos

9 Apoio Auxiliar

12 Motoristas

 

Total - 67

Total/Mês - 149.486,76 €

A França no Mali


A intervenção militar da França no Mali é um ato que consagra um grande sentido de responsabilidade política e que constitui uma inestimável contribuição para a segurança global. Legitimada por um mandato inequívoco do Conselho de Segurança da ONU, com o apoio político - e, espera-se, rapidamente também militar, em termos significativos - dos países da região, a decisão do governo francês permitiu evitar a "débacle" do poder político no Mali e conseguiu travar a escalada de progressão das forças extremistas, com forte componente estrangeira, no Norte do país.

São perfeitamente irresponsáveis, pelo que devem ser tidos por irrelevantes, os comentários negativos feitos a propósito desta intervenção militar. A França não está a praticar nenhum ato de "neo-colonialismo" ou a somar um episódio mais à história da "Françafrique", uma política que, por muitos anos, apenas significou a defesa das ditaduras do continente que Paris entendia dever conservar no poder. Esta ação é essencial para tentar evitar a disseminação do extremismo islâmico, levado a cabo por um "franchising" do Al Qeda. Os países responsáveis não devem furtar-se a contribuir para complementar esta ação liderada pela França, muito em particular ajudando as estruturas malianas a reforçarem as suas capacidades próprias, por forma a garantirem futuramente a soberania e a estabilidade no país.

Esta ação militar não deve fazer esquecer que permanece, no Mali, um sério problema político, que se prende com os equilíbrios entre o Norte e o Sul do país. A intervenção militar, com os custos humanos e financeiros que implica, deve também aproveitar a oportunidade, em estreita ligação com as forças regionais da CEDEAO, para forçar as autoridades de Bamako a encetarem, logo que as condições de estabilidade mínima estejam garantidas, um processo de reconciliação interna. Mas é importante deixar claro que, sem esta ação militar, o Mali entraria numa situação de caos que seria impeditiva de qualquer solução política minimamente eficaz. Só não vê isto quem não quer ver.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Delphine Seyrig


Não sei qual é data da colocação da placa, mas tinha grande vontade de estar discretamente presente na inauguração da estação Delphine Seyrig, num percurso de transportes coletivos no XIXème arrondissement. Li a notícia ontem, no "Libération".

Pena é que a maioria de quantos vierem a utilizar essa estação nem sequer saibam que esse nome está ligado a um dos mais fascinantes olhares do cinema francês, a uma delicadeza, ao mesmo tempo serena e agitada, de uma figura para sempre recortada pelas câmaras na soleira de uma grande aventura. Resnais, Buñuel, Truffaut, Losey, Demy e outros perceberam bem essa riqueza, que a França perdeu em 1990, aos 58 anos.

Ter saudades de Delphine Seyrig é saber ser fiel a uma certa geração. E mais não digo, porque muitos poderiam não entender, nestes tempos em que, como dizia Simone Signoret, "la nostalgie n'est plus ce qu'elle était".

João Fatela


precisamente 40 anos, no início de 1973, vim a Paris "ver eleições". Estava prestes a entrar no serviço militar, "meti" duas semanas de férias no emprego que então tinha e, com um familiar, assisti ao vivo e a cores a um exercício da vida democrática, que entre nós era ainda uma miragem. Um amigo comum, o António José Massano, deu-nos o contacto do João Fatela, um português que havia saído clandestinamente de Portugal e que aqui trabalhava duramente, para pagar os seus estudos noturnos na universidade. Não obstante a sua extrema ocupação, o João foi de grande simpatia para conosco e apresentou-nos outras pessoas, que ajudaram a tornar mais interessante essa nossa estada. Grandes noitadas de discussão se fizeram então!

Desde essa data, perdi o João de vista. Nas várias vezes em que vim a Paris, nunca ocorreu encontrá-lo. Vim entretanto a saber que tinha feito uma brilhante carreira na área da psicologia. Quando para aqui vim viver, em 2009, retomámos o contacto. Por seu intermédio, vim a conhecer a equipa que dirige a prestigiada "L'Esprit", uma publicação que tem um lugar central na história da intelectualidade francesa. Com o Guilherme Oliveira Martins e com o João Fatela, está em curso a preparação de um número especial da "L'Esprit" sobre Portugal, tema que já foi objeto de um encontro de trabalho na embaixada.

O João Fatela reformou-se, há dias (sabes?, João, acontece aos melhores!), das funções que desempenhava na associação "Parcours", uma iniciativa de que foi o grande obreiro. uma inovadora experiência de apoio a jovens com problemas, que dirigiu por mais de um quarto de século. O João é um homem discreto e duvido que aprecie que este meu blogue o saliente desta forma. Mas eu acho que ele merece que aqui se reproduza o perfil da "Parcours", a associação que ele fundou, e que um seu amigo publicou sob o irónico e sugestivo título "Obrigado, Marcelo Caetano", na sequência uma homenagem que lhe foi prestada.

"Como passar da estigmatização dos jovens marginais e toxicodependentes para uma prática de apoio psico-social-educativo, em que a dimensão da escuta psicológica personalizada significa que o jovem com dificuldades é colocado no centro de uma caminhada (parcours) de inserção social e profissional? Esta démarche inovadora e visionária considera a pessoa como ator e motor do seu próprio percurso, tendo em conta o aspecto global e não apenas os sintomas. A inserção do jovem é pensada como um percurso que deverá basear-se na compreensão de si próprio e na procura da inserção socioprofissional, a fim de adquirir uma larga autonomia. Os diferentes profissionais da associação facilitam, assim, ao jovem uma escuta personalizada, com encontros regulares destinados a ouvir as dificuldades e os sofrimentos com os quais se defronta, resolver as angústias e traumatismos e ajudar a canalizar as roturas. Na associação existem diversos ateliers, tais como, fotografia, ginástica, carpintaria, informática, etc. O objetivo destes cursos não é propriamente obter uma formação profissional, mas antes dar ao jovem a possibilidade de poder fazer um trabalho de estima de si próprio e de valorização das suas capacidades muitas vezes ignoradas ou incompreendidas. Terminada esta fase, a associação ajuda e orienta o jovem na inserção profissional, através da obtenção de estágios nas empresas que, com conhecimento de causa, lhes concedem um trabalho remunerado, dando-lhes assim uma chance para poderem voar para outros céus. Desta maneira, o jovem descobre o valor terapêutico através do seu próprio percurso de inserção, faz a experiência de sair da espiral dos repetidos insucessos e, pouco a pouco, adquire autonomia".

Na "Parcours" o João deixou parte da sua vida e honrou, com essa obra, o seu nome e, por essa via, o nome de Portugal. Esta é a homenagem que, também como embaixador, presto ao João Fatela, o meu mais antigo amigo em Paris.