por Wim Dierckxsens [*]
As crises financeiras, quando são globais, exprimem a confrontação entre os grandes actores capitalistas financeiros que lutam pela configuração da nova ordem mundial. A confrontação entre blocos de poder constitui o fundo da crise actual, a qual se verifica quando no núcleo financeiro do poder mundial começa a emergir uma nova fracção que se transformou em outra forma de capital, mais "avançada" sem fronteiras nem cidadãos, a qual precisa impor-se na economia, na política e na política cultural, forçando o multipolarismo, apropriando-se do G20 e fracturando a hegemonia global-unipolar norte-americana. A relação existente entre esta nova forma de capital e os instrumentos pelos quais de faz visível são as classificadoras de risco, as fundações e universidades privadas, o partido mediático financeiro, os grandes bancos comerciais e de investimento, os paraísos fiscais e os fundos financeiros de investimento global. Finalmente, revela as novas formas de territorialidade social concordantes com os novos actores financeiros, expressas na rede de cidades financeiras globais que põem em crise a territorialidade dos estados-nação e até dos próprios EUA.
Esta crise financeira global é uma luta pela configuração da Ordem Mundial que, no desenvolvimento da sua transição, abre diferentes caminhos possíveis: a) para restaurações neo-conservadoras; b) para revoluções políticas anglo-americanas e neoliberais e; c) para revoluções sociais de massas populares. É importante reconhecer para diferenciar, não confundir e acertar. Para a linha anglo-americana de interesses globais, a queda dos EUA como potência mundial torna-se necessária para avançar rumo ao novo formato imperial onde não existe país central: um imperialismo sem centro num país determinado e sim numa rega de mega cidades financeiras. A questão é os EUA conseguem evitar uma explosão e se o eixo alemão-francês consegue defender-se do assédio.
A partir de 1991 a fracção dominante foi a anglo-americana (Citibank, HSBC, Lloyd's, Barclays). Seu projecto estratégico é a aceleração da crise da soberania do estado nacional e o desenvolvimento de formas de soberania global tendentes à formação do Estado-Rede Global. A queda da Torres Gémeas, segundo Walter Formento e Gabriel Merino [1] , era o meio para deter o avanço da fracção avançada do capital financeiro global e dinamizar o antigo complexo industrial-militar norte-americano. No próprio território anglo-americano estas fracções precisam perpetuar o velho imperialismo de país central com traços fascistas. A partir de 2000-2001, a fracção atrasada, fortemente desenvolvida no interior dos EUA mas com menor desenvolvimento global (a fracção industrialista, incluindo o complexo industrial-militar e o Pentágono), consegue compensar a sua debilidade no terreno económico, arrancando com uma política militarista legitimada da ideia da segurança nacional.
Em Fevereiro de 2006 Alan Greenspan "cai" da Reserva Federal e ascendem Ben Bernanki. Muda a correlação de forças entre facções financeiras no núcleo do poder financeiro global. Com Bernanke a política (de altas taxas de juros) golpeia directamente o sistema financeiro. Para Formento e Merino [1] , o Lehman Brothers não caiu em 2008, na luta deixaram-no cair para que arrastasse toda a banca de investimento à crise. A queda do Lehman Brothers mantém relação com a necessidade de desarticular a Rede financeira global.
Com a generalização da crise a partir de 2008, põe-se em marcha uma possível transição rumo a uma nova ordem global favorável aos globalistas anglo-americanos. Esta forma de capital, pela sua escala, necessita por em crise o sistema institucional do estado-nação dos países centrais e dependentes. Necessita que a sua territorialidade seja global e não internacional, necessita que o institucional nacional e inter-nacional seja superado e subordinado. Isto se exprime numa Rede de gerências locais, numa relação de horizontalidade e autonomia entre elas mas subordinadas verticalmente ao directório dos donos das acções: a City de Londres e a Wall Street.
A crise mostra o seu aspecto mais actual na situação que atravessam as economias da Grécia, Espanha, Itália e Portugal. Não só o euro como moeda comum sofre os ataques como todo o projecto financeiro da União Europeia se encontra em xeque. Com o aprofundamento da crise europeia, as classificadoras de risco tornam cada vez mais explícita a sua actuação na guerra financeira. Ainda que existem cerca de 150 firmas, as três maiores têm em seu poder cerca de 95 por cento do mercado. A Standard & Poor's (que mira o Estado Global) e a Moody's (que mira conservar o império norte-americano unipolar) ostentam uns 40 por cento cada uma, ao passo que a Fitch (que está mais alinhada com a zona euro) uns 15 por cento.
Em fins de 2009 a Moody's apontava as pressões em direcção ao bloco anglo-americano global, ameaçando com baixas nas classificações da dívida britânica e da dívida estado-unidense. A política era promovida tanto pelo bloco franco-alemão (especialmente a Alemanha) como pela cúpula do Partido Republicano norte-americano, a banca americana aliada, os meios de comunicação de massa neoconservadores norte-americanos (Wall Street Journal, parte da News Corporations, etc) e a própria Moody's. A empresa classificadora Fitch está para defender a zona euro.
A S&P procura provocar uma eventual bancarrota dos chamados PIIGs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). A isto opõem-se as fracções mais produtivas e menos especulativas da União Europeia que não querem se ver subordinadas e constituem um dos pólos de poder regional no mundo. Uma banca e reestruturação da divida grega implica que perdem os bancos franceses e alemães, debilitando a Eurozona. Uma desvalorização implica a saída do euro e a vitória do império financeiro global anglo-americano. Em nome da austeridade e da competitividade impõem-se políticas de ajuste estrutural que provocam a centralização do poder. As referidas políticas são pagas pelos trabalhadores e o povo com desemprego e reduções dos salários. É o que propõem a França e a Alemanha para salvarem os seus bancos. Um resgate faz-se mediante a concessão de dinheiro para cobrir a dívida e o défice, que vem sempre com um conjunto de condições de ajustes, privatizações, etc. Sobre a forma e as condições de tal resgate brigam os blocos em luta.
A Wall Street em conluio com a City londrina rehipotecaram os fundos dos seus clientes, sem conhecimento destes, para apostar (repurchase agreements) na baixa contra a dívida soberana da Itália, Espanha, Bélgica, Irlanda e Portugal (países que contam com a expectativa da futura protecção do Fundo Europeu de Estabilidade e, portanto, assume-se que não cairão em incumprimento (default) e assim, teoricamente, são um investimento de alto rendimento e risco nulo para ganhar dinheiro, na proporção de maior lucro quando mais caro sair a esses países financiarem-se no mercado internacional via títulos soberanos). O mecanismo parece ser: a City londrina não regula um limite para as rehipotecas dos fundos de investimento, o que a Wall Street faz, e então a matriz de "MF Global" na Wall Street transfere os fundos dos seus clientes americanos para sua filial na City londrina para operar sem restrição alguma. Ou seja, foi permitida a geração de um risco sistémico sem precedentes (socializar perdas) para conseguir suculentos benefícios privados. Por isso Cameron não quis que Merkel metesse os seus inspectores a cheirar-lhe o vestuário. Com efeito, Cameron não pode brincar contra estas actividades que põem em causa 10% do seu PIB. O que está claro é que se está a formar uma nova bolha à custa da dívida soberana dos países mediterrâneos mais a Irlanda, criando a sensação de que estamos à beira do abismo. Mas o que podemos pensar é que são eles que nos arrastam para a beira a fim de ganhar enormes lucros. Veja, A City e a Wall Street rehipotecam os fundos dos seus clientes, sem o seu consentimento, para atacar os PIIGs .
Chegará a liderença da Alemanha e França para salvar o euro? Merkel e Sarkozy puseram-se à frente para conseguir que o projecto globalista da City de Londres, área de livre comércio financeiro da Europa, não avance. Quem impor o seu próprio: a UE política, económica e cultural, um novo território de soberania ampliada a 27 países. Isto foi o que se impôs até a sexta-feira 9 de Dezembro. A Inglaterra ficou de fora por agora perdeu o eixo Londres-Nova York. Os ganhadores, até aqui, são um conjunto de não mais de 10 holdings económica-financeiras francesas e alemãs, responsáveis por mais de 60% do crédito e da economia da região, com apoios na China, na Rússia de Putin, nos republicanos dos EUA e do ALCA. Se a UE se consolidar, o euro consolida-se; proque o euro é a moeda e instrumento para exercer a soberania sobre o território que o projecto União Europeia delimite na consolidação e expansão: 17, 27 ou mais ex-países. Porque os países que se associam ao bloco fazem-no para serem parte de uma nova forma de territorialidade de poder, que já supera o Estado-Nação-País. A moeda, o banco central, o Tribunal de Justiça Europeu, o Mecanismo Europeu de Estabilidade , etc são os modos como se instrumentam uma política de poder.
[1] Entrevista de Walter Formento, Una mirada sobre la crisis: ¿qué pasará con la UE?
[*] Autor de The Limits of Capitalism: An Approach to Globalization Without Neoliberalism
O original encontra-se em www.observatoriodelacrisis.org/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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