Um amigo chega, sobe ao caixote dos indignados (o caixote preferido da pátria) e anuncia com pompa: "pá, vou deixar de ir ao Pingo Doce". Pois, com certeza, meu caro, está no seu direito, mas isso é uma parvoíce. "Bla, bla", raios e coriscos, "és isto e aquilo, pá" e demais bla, bla dos indignadinhos de cadeirão. Sim, meu caro, esse boicote ao Pingo Doce não faz sentido. A Jerónimo Martins é uma empresa que está na vidinha (vulgo: mercado) sem apoios, proteccionismos ou monopólios garantidos pelo Estado. Não, não vou deixar o Pingo Doce. E até lhe digo outra coisa: a sua indignação está com a mira desfocada. O que quero dizer com isto? Que não vou deixar o Pingo Doce, mas irei fazer tudo para deixar de ser cliente da EDP, uma empresa que não está na vidinha, uma empresa que viveu sempre com base num monopólio protegido pelo Estado e que, aliás, se prepara para continuar a ser protegida pelo Estado. Ah? Como? Não, não me importo de explicar. O problema das recentes nomeações não acaba nos ordenados pornográficos pagos por uma empresa monopolista. O problema acaba num ponto tão ou mais preocupante: os novos donos da empresa já perceberam como é que as coisas funcionam aqui na terrinha, isto é, já perceberam que é bom ter gestores-que-são-políticos-com-o-número-de-telemóvel-privado-do-primeiro-ministro-e-demais-ministros. E quem é que se trama no meio disto? O consumidor de electricidade, isto é, o português comum. Todos nós. A troika e partes deste governo , meu caro, já perceberam que andámos a navegar numa enorme falácia: "ah, nós estamos a gerar energia verde que é exclusivamente nacional, logo, diminuímos importações". Que bonito, ah? Sucede que a EDP, o dr. Mexia, o dr. Pinho e aquele-que-não-menciono-pelo-nome esqueceram sempre um ponto: quais são os custos dessa diminuição de importação de energia? Os custos são elevadíssimos para o consumidor privado e para as nossas empresas, que têm de pagar uma electricidade caríssima por causa dos subsídios verdes que o anterior governo garantiu à EDP. E o défice energético continua a aumentar (ou seja, vamos pagar ainda mais). Ora, assim que aterrou na Portela, a troika mandou acabar com esta brincadeira. E, repito, partes deste governo parecem mobilizadas para a luta contra a EDP. Então, meu caro? Já percebeu o alcance das nomeações? Seja como for, espero que compreenda o seguinte: não, não estou chateado com o Pingo Doce, mas garanto-lhe que irei procurar um balcão da Iberdrola ou da Endesa, garanto-lhe que vou deixar de ser cliente da EDP, uma empresa que não precisa de ir para a Holanda, porque tem um monopólio de bens não-transaccionáveis em Portugal. Como dizia o outro, estou no meu direito.
Henrique Raposo (www.expresso.pt)
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