Na questão dos motins de Londres, os dois coelhos do costume saltaram cá para fora, a saber: a esquerda dos coitadinhos e a direita do "porrada neles" (aliás, a própria polícia reconhece isso) . Convém pôr de parte estas duas narrativas, porque não ajudam a pensar a questão que está em cima da mesa. A esquerda dos coitadinhos actua no seguinte automatismo mental: "eles são negros e pobres, logo, são coitadinhos que estão a expressar o seu descontentamento social". Esta atitude é o mainstream do Ocidente do nosso tempo, é o senso comum esquerdista, é "politicamente correcto". Esta lengalenga parte sempre do pressuposto dúbio de que uma minoria tem sempre razão, parte sempre da presunção de superioridade moral de uma minoria (pobre e de tez não branca) ante a maioria (rica e branca). Ora, este esquema narrativo, digamos assim, bloqueia qualquer crítica a essas minorias através de termos como "racista". Apontar para meros factos (ex.: a maioria daqueles jovens são afro-ingleses) passa a ser um acto de "racismo". Em consequência, este politicamente correcto trava, logo à nascença, um debate debate sério sobre a pobreza e sobre a alteridade. Um exemplo? Perante aqueles actos de puro vandalismo e de roubo descarado, os nossos pivots de TV estão a falar - repetidamente - de "descontentamento/ convulsão social". Perdão? Então vamos fazer uma equivalência moral entre manifs legítimas e actos criminosos? E, atenção, mesmo que tudo isto fosse provocado pela pobreza (e não é), ficava a faltar uma pergunta: os bens de primeira necessidade passaram a ser ténis de marca, LCD, ipads e ipods? E a revolução social leva pessoas a roubar meninos feridos? Controlar a direita da porrada é mais fácil, porque não tem a presença e o peso mediática da esquerda dos coitadinhos. Mas convém olhar para ela, até para a conter. Se a esquerda dos coitadinhos diz "são negros e pobres, logo, são coitadinhos inimputáveis", a direita da porrada diz "são negros e pobres, logo, porrada a sério neles". Até prova em contrário, a polícia esteve bem. A polícia não podia disparar sobre um bando de pessoas que (I) não estava a ameaçar vidas (não há reféns) e que (II) não estava a usar armas de fogo. Não era aceitável vermos a polícia a disparar sobre aquela multidão. Há outras formas de acção policial que não implicam a arma de fogo. Este problema não se resolve com o coldre, e o Leviatã não deve puxar da arma logo à primeira. Depois, é preciso ter muito cuidado com a tentação do exército. Meter o exército nas ruas não é brincadeira, e não pode ser uma solução. Não é necessário ler Oakeshott e Montesquieu para perceber as perigosas implicações que resultam de um exército estacionado nas nossas ruas. Calma, ainda não chegámos ao Rio de Janeiro da "Tropa de Elite".
Henrique Raposo (www.expresso.pt)
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