Aurora Teixeira
Sexta feira, 8 de agosto de 2014
Para o ministro da Economia, Pires de Lima, o acontecimento do BES é 'inexplicável '. Segundo o governante, parece inevitável que os investidores, sobretudo os estrangeiros (?!), reajam negativamente tendo de fazer a 'digestão' de tudo aquilo que se passou. Adianta, para nosso desassossego, que está a seguir "com muita atenção o que se está a passar nos mercados"...
As reações internas ao caso BES, sobretudo centradas na actuação do Banco de Portugal e do seu Governador, deixam um actor (a meu ver, chave) neste processo, o Goldman Sachs, 'passar pelos pingos da chuva'.
O que parece estar por explicar é a " meteórica passagem " do Goldman Sachs pelo capital qualificado do BES. É de estranhar que o banco norte-americano após ter entrado, em 15 de julho do corrente ano, no capital accionista e ter incentivado outros a investir no BES, contribuindo para uma momentânea valorização das acções deste último, em 23 de julho, ou seja poucos dias antes da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ter decidido a suspensão da negociação dos títulos em bolsa, tenha vendido mais de 4 milhões de ações do BES.
Tal situação levanta desde logo a suspeição de "insider trading", isto é, negociação de valores mobiliários baseada no conhecimento de informações relevantes que ainda não são de conhecimento público, com o objetivo de auferir lucro ou vantagem no mercado. Apesar da CMVM ter aberto, no dia 1 de agosto, um processo de " investigação aprofundada da negociação dos títulos do BES... para apurar a eventual existência de indícios de violação do dever de defesa do mercado e/ou de crime de utilização de informação privilegiada ", é pouco provável que daqui se retirem algumas consequências relevantes.
Esta atuação do Goldman Sachs no caso BES não representa um evento excepcional. Pelo contrário, a história deste banco norte-americano é pautada de inúmeros 'casos' e passagens por 'portas giratórias' (entre política e finanças) que favorecem o 'insider trading' e o 'inside job'.
Abutres
O Goldman Sachs tem surgido, direta ou indiretamente, relacionado com as mais polémicas operações desde que eclodiu a crise financeira: entre outras, o swap grego ou o caso Abacus.
A troco de uma elevada comissão, a partir de 2002, o Goldman Sachs 'ajudou' a Grécia a encobrir os reais números do défice, através de 'swaps' cambiais com taxas de câmbio fictícias, o que na prática permitiu a este país aumentar a sua dívida sem reportar esses valores a Bruxelas. Em 2005 vendeu os 'swaps' a um banco grego protegendo-se assim de um eventual incumprimento por parte de Atenas. No início de 2010, e ao mesmo tempo que desempenhavam a função de consultores dos Governos, os analistas do Goldman recomendaram aos seus clientes a aposta em 'credit-default swaps' (CDS) sobre dívida de bancos gregos, portugueses e espanhóis. Estes CDS são instrumentos que permitem ganhar dinheiro com o agravamento das condições financeiras de determinado país.
O Abacus foi o nome que o Goldman Sachs deu a um produto financeiro composto por hipotecas subprime de muito má qualidade que supostamente colocou à disposição de um dos seus melhores clientes, o hedge fund de John Paulson, que entretanto apostou contra o produto enquanto os clientes que investiam de verdade no produto sofreram avultadas perdas. Para evitar uma investigação sobre o caso o Goldman Sachs aceitou pagar, em julho de 2010, 550 milhões de dólares (coisa pouca se se tiver em consideração que o hedge fund arrecadou cerca de mil milhões de dólares numa única aposta).
De acordo com o Wall Street Journal , o Goldman Sachs era, em 2013, o único banco no top 10 (era o 3º) dos designados 'fundos abutre' (vulture funds). Um 'fundo abutre' é um hedge fund que investe em títulos (dívida) considerados muito fracos ou de entidades em iminente default/incumprimento. Mesmo entidades com um elevado nível de alavancagem podem ser alvo de um 'fundo abutre' se existir alguma possibilidade dos seus proprietários não cumprirem a totalidade dos pagamentos. Como o nome indica, estes fundos são como abutres que sobrevoam pacientemente o cadáver, esperando se apoderar do respectivo remanescente. O objectivo é a obtenção de elevados retornos a preços de saldo.
Tartarugas e polvos
O carácter metódico e prudente do Goldman Sachs, complementado por um dos seus lemas - 'apressar-se lentamente' -, valeram-lhe, em tempos, a alcunha de ' tartaruga '. A onda de desregulamentação financeira dos anos 1980 transformou a 'tartaruga' em 'polvo', com diversos ex-proprietários do banco a ocuparem importantes postos políticos em diferentes áreas do governo e em diversos países.
Robert Rubin, ex-diretor do Goldman Sachs, e acérrimo defensor da desregulamentação, foi ministro das Finanças (1995-1999) de Bill Clinton. Henry Paulson, ex-proprietário do Goldman Sachs, principal arquitecto do resgate do sistema bancário, foi ministro das Finanças (2006-2009) de George W. Bush.
Romano Prodi, ex-primeiro ministro italiano, e Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu BCE), tinham sido, respetivamente, conselheiro e vice-presidente do Goldman Sachs para a Europa.
Os tentáculos do Goldman Sachs chegaram também a Portugal.
Carlos Moedas, conhecido como o 'ministro da troika', recentemente escolhido por Passos Coelho para ser o próximo comissário português em Bruxelas, passou pelo Goldman Sachs onde conheceu António Borges que, entre 2000 e 2008, foi Vice-Presidente do Conselho de Administração do Goldman Sachs International e que, em 2012, foi convidado por Passos Coelho a liderar uma equipa que acompanhou, junto da troika, os processos de privatizações, as renegociações das parcerias público-privadas, a reestruturação do sector empresarial do Estado e a situação da banca.
O BES também não escapou. João Moreira Rato, ex-Presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP), que conta no currículo com uma passagem pelo Goldman Sachs, foi recentemente 'promovido' a administrador financeiro do 'banco bom'/Novo Banco.
Fica-se assim daqui com a ideia de que os que provocaram o incêndio são os mesmos que são chamados para o apagar...
Uma verdadeira tragicomédia. Ironizando, com recurso às palavras do filósofo-cantor português, José Barata Moura, é o fungágá da bicharada!
"Vamos também descobrir uns amigos bestiais
Bem diferentes dos habituais
E vamos rir até não poder mais
Com as palhaçadas dos amigos animais
É o fungágá, fungágá da bicharada
É o fungágá, fungágá da bicharada
la la la la la la la la ra la la"
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/inexplicavel-e-o-fungaga-da-bicharada=f885253#ixzz39nLWAhH3
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