A minha mãe garante-me que a natureza está zangada com a humanidade. Eu gosto quando a minha mais-do-que-tudo-mais-velha diz estas coisas, porque o realismo mágico soprado por alentejanas faz parte da minha educação literária. O problema surge quando oiço pivots, comentadores e políticos a namorar a mesma léria para explicar de forma séria o mau tempo dos últimos dias. É assim a religião verde, um portento de realismo mágico que se julga um tratado científico. A natureza, dizem, está a castigar o homem devido aos pecados provocados pelo motor de combustão; estas tempestades só existem por causa da actividade industrial do homem. Ora, as parecenças entre este ambientalismo e o fanatismo religioso de outrora são impressionantes: em 1755, após o terramoto de Lisboa, muitos padres afirmaram que aquilo era um castigo de Deus. Como já vimos, a linguagem apocalíptica dos ambientalistas segue à risca esta forma de pensar. E o problema está aqui. Ao recuperarem a visão religiosa da natureza, ao transformarem a natureza numa divindade castigadora, os ambientalistas estão a pôr em causa os princípios racionais que presidem ao triunfo da ciência.
1755 foi um momento fundamental no pensamento europeu. Após o terramoto de Lisboa, Deus deixou de contar para a explicação dos fenómenos naturais. Tendo o nosso Katrina como ponto de referência, homens como Kant estabeleceram para sempre a diferença entre o mal natural provocado por uma onda gigante e o mal moral provocado por um exército. É por isso que nós conseguimos distinguir entre Katrina e Guerra do Iraque. Parece óbvia e natural, mas esta ferramenta só estabilizou no século XVIII. E esta separação conceptual e moral entre Deus (mundo moral) e natureza (mundo natural) foi a chave decisiva para o avanço da ciência tal como a conhecemos: se a natureza não é a extensão moral de Deus, se não é Deus que movimenta os ventos da Stephanie, estamos então livres para explicar os fenómenos naturais através de um pensamento não-teológico, não-moral, um pensamento livre de constrangimentos religiosos e políticos.
Não, a natureza não está zangada. Antes e depois do tubo de escape, a natureza não é a resposta aos nossos pecados. Deixem o realismo mágico na literatura.
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