"Porque será que Sócrates mantém esta insistência obsessiva no TGV? Quando quase toda a gente, desde o analfabeto ao catedrático, reconhece a impossibilidade financeira de o construir, e depois de se provar tecnicamente que será uma rede deficitária, porque continua Sócrates a insistir?
Será que Sócrates é um visionário, e todos nós uns pobres ignorantes?
Ou será que há outras razões, talvez impositivas e condicionadoras, que só Sócrates sabe, e que não pode confessar a ninguém?
A megalomania das grandes obras tem sido uma obsessão quase permanente de quem passa pelo Poder. É assim desde a Antiguidade, e é gene que ainda empesta o cromossoma do político actual. A vontade de deixar para a posteridade, algo de perene que perpetue o seu construtor, é uma vaidade com que os poderosos sempre tentaram iludir a morte - a inevitabilidade terrível do desaparecimento.
Como os seus antecessores, é por isso natural que Sócrates quisesse deixar obra visível que o recordasse.
Daí não me espantar que tenha avançado, de uma assentada, com um conjunto de grandes investimentos, como o TGV, a 3ª travessia do Tejo e um Aeroporto construído em terrenos de M. Jamais.
Mas desde os dias fulgurantes do estado de graça de Sócrates, até aos dias pedintes de hoje, vai muito tempo, e muita coisa aconteceu desde então.
Vamos aos factos.
Em Março de 2005, Sócrates é empossado pela primeira vez como Primeiro-Ministro, gozando de uma maioria absoluta na Assembleia.
O TGV já então fazia parte do programa de Governo, que previa o seu início nessa legislatura, se bem que entre Porto e Lisboa, ligação que muito mais tarde foi alterada para Poceirão / Caia.
Esta obra era há muito uma bandeira de Sócrates, de tal modo que dela fez propaganda anos antes, levando-a depois até ao referido programa de Governo.
Sobre a matéria, vejamos o que dizia então o Presidente da Multinacional Alemã Siemens, Sr. Heinrich von Pierer. Considerava o TGV em Portugal como um "projecto fantástico", afirmando "querer ser nosso parceiro nesse projecto". Estas declarações foram produzidas em Munique, para um grupo de jornalistas portugueses (Novembro de 2003).
Entretanto, a coisa ficou por ali.
Contudo, iam-se agravando as condições económicas do país. Sócrates não consegue reduzir uma grama na adiposidade do Estado, e vê as despesas aumentarem. As suas deslocações, juntamente com Teixeira dos Santos, a Bruxelas, são quase semanais. O facto é que, segundo ele, traz sempre boas notícias e, permanentemente interrogado sobre o TGV, mantém-se irredutível: é para ir para a frente.
Lembro que, estranhamente, e por motivos ainda muito mal explicados, o Dr.Campos e Cunha (primeiro ministro das Finanças a ser escolhido por Sócrates), afasta-se logo após ter proferido declarações onde reconhecia a indisponibilidade financeira da execução de uma obra como o TGV e o Aeroporto.
Contudo, a velha história das garantias de que grande parte do financiamento vinha da UE, mantiveram Sócrates com argumentos para prosseguir. Campos e Cunha é que não ficou mais. Ele sabia porquê.
Entretanto, e contra tudo e contra todos, a construção do TGV é adjudicado em Dezembro de 2009, ao consórcio Elos (que engloba a Brisa, Soares das Costa, ACS espanhola, Grupo Lena, Bento Pedroso, Edifer, Zagope, Babock e Brow Lda, BCP e CGD).
Com as condições de agravamento da nossa economia, e com os sucessivos falhanços na baixa do défice, em 2010 a UE começa a mostrar-nos sérios "cartões amarelos" e, preocupada com o destino que as coisas levam, e, de certo modo, traumatizada com os casos de Irlanda e da Grécia, e com o "espantalho" de que os problemas se alastrem a Espanha e a Itália (onde a dívida pública já tinha ultrapassado em muito os 100% do PIB - actualmente está nos 120%), obriga Portugal a tomar sérias medidas, que haviam de se traduzir no PEC1.
Este PEC1 data de Março de 2010.
Demonstrada a insuficiência dele, em Maio do mesmo ano, avança-se com o PEC2, e quatro meses mais tarde, com o PEC3.
Sócrates continua a deslocar-se a Bruxelas assiduamente. As visitas e reuniões da praxe, mas as reuniões com Ângela Merkle são obrigatórias. Estranha-se que entre ambos exista como que uma cumplicidade, ou algo que leva o nosso Primeiro-ministro a conversar, preferencialmente, com ela.
E há algo que continua um mistério: apesar das sérias restrições que os PECs impõem, dos aumentos de impostos, da redução dos benefícios sociais, do aumento do IVA, IRS, e até da suspensão da 3ª travessia do Tejo e do Aeroporto de Lisboa, o TGV continua intocável! É que, mesmo adjudicado, a obra poderia ser suspensa (como foi a 3ª travessia do Tejo depois de ser adjudicada). Mas não! Mantinha-se o TGV.
Assim, o PEC1 tem o aval da UE, 2 meses depois de adjudicarmos o TGV, e os dois PECs seguintes, também obtêm a aprovação europeia.
A seguir à aprovação do PEC3 (Setembro de 2010), logo em Novembro do mesmo ano, a Multinacional Siemens volta à carga.
A Multinacional afirma que possui 10 mil milhões de Euros para financiamento de TGVs, através da sua Siemens Project Adventures (que por sua vez está ligada à Siemens Financy Services), e que iria propor ao governo português um esquema de financiamento do TGV.
Duas perguntas: que relação existe entre a data de adjudicação do TGV (Dezembro de 2009), e a apresentação dos PECs1, 2 e 3 (Março, Maio e Setembro de 1010)? Será que a adjudicação terá servido de garantia para que a Srª Merkle desse o seu aval a esses PECs?
Porque uma coisa é certa: quem manda na UE é Ângela Merkle.
Ela é que manda no dinheiro, ela é a "chanceler do Euro". Durão Barroso, para todos os efeitos, é uma figura ornamental, quando muito um Chefe de Secretaria da UE, que, como todos os outros, tem que render vénias à poderosa Srª Merkle. E outra pergunta: qual a razão porque a Siemens veio, de seguida (Novembro de 2010) anunciar a intenção de financiar a obra?
Entretanto, como sabemos, e com o PEC4 já avalizado por Merkle, o Governo cai. Mas o TGV não cai, e Sócrates, antes de cair, ainda insiste. E tem razão, porque os 80 mil milhões INTERCALARES, existiram mesmo (Fundo de Resgate Europeu) !
Seria o dinheiro para "aguentar" Sócrates até que as primeiras tranches do PEC4 chegassem.
Durão Barroso, numa resposta fugidia, disse que desconhecia essa quantia intercalar, e que tal modalidade não estava prevista nos regulamentos da UE.
Mas o facto é que Sócrates trouxe de lá a promessa dessa garantia!
Disse-o a todos os portugueses! E disse-o porque Merkle lho havia prometido.
A não ser assim, Sócrates mentiu! Mas Sócrates não mentiu. Porque Merkle arranjaria o dinheiro. Por isso é que ele insiste que não precisavamos de ajuda externa, porque, na verdade a ajuda da UE já estava combinada/negociada, secretamente, com a srª Merkle. Só que não teria o rótulo do FMI, que era aquilo que Sócrates queria evitar, para não ficar claro o seu fracasso, perante a opinião pública. Entretanto em Portugal Sócrates actua à socapa, não procurando os acordos prévios para aprovação do Pec, nem dando sequer informação ao Parlamento, Presidente da República e parceiros sociais. Haveria que ser lesto e discreto para fechar o acordo com a "chanceler do EURO".
Mas a história não se fica por aqui.
O TGV implica a compra de material, muito material, entre os quais os comboios (locomotivas e carruagens), nada menos de 22, numa primeira fase.
Mas também a manutenção, a assistência, todo o complicadíssimo sistema hard e softwere indispensável para o controle da rede, o aluguer de material complementar, etc., etc., etc. Um nunca mais acabar de encargos eternos.
Para fornecimento do material, dispõem-se, à partida, três empresas capazes de cumprir com o programa de concurso: Alstom (francesa), a Bombardier (Canadiana) e a Siemens (Alemã).
A quem adjudicar?
A Alstom francesa está metida em sérios problemas judiciais na Suiça, França e Brasil, sob a acusação de ter subornado políticos para que lhe adjudicassem material.
A canadiana Bombardier, se bem se lembram os portugueses, fechou as fábricas na Amadora em 2004, deixando centenas de trabalhadores no desemprego.
A Siemens alemã, tem a vantagem de possuir as máquinas mais competitivas do mercado, assentes na plataforma Velaro, que podem atingir os 350 Km/hora, sendo o comboio mais rápido do mundo.
Esta escolha da empresa fornecedora (como o contrato de financiamento) estava nas mãos de Sócrates. Perante este cenário, a quem acham que se deveria fazer a adjudicação?
A uma empresa com problemas judiciais, a outra que saiu de Portugal com tão triste fama, ou à alemã Siemens, que possui uma boa máquina ferroviária e que faz parte da mesma empresa que negociaria um financiamento com o Governo português para a execução do TGV?
Era evidente a quem adjudicar. E Sócrates tinha o poder para o fazer.
Será que o TGV era a garantia dada por Sócrates à Srª Merkle?
Para que esta avalizasse os empréstimos resultantes de sucessivos PECs, sem que Sócrates sofresse a humilhação interna de ter que pedir a intervenção do FMI (com que prometera a pés juntos, nunca governar? E com isso hipotecar em definitivo a sua carreira política?)
São as dúvidas que ficam, mas que um dia serão esclarecidas.
Apenas narrei factos, evidências, estabeleci uma cronologia, e tentei desvendar o complicado algoritmo da relação entre a política e os interesses financeiros. E depois, sobre eles, como cidadão que se preza de avisado e que não perdeu a qualidade de inferir, coloquei as minhas dúvidas.
Se isto for verdade, Sócrates seria o elo mais fraco deste acordo que lhe garantia os dinheiros com que suportava um Estado devorador e excessivo que foi incapaz de meter na linha. Merkle, o elo mais forte e representante da poderosíssima industria alemã.
Se calhar, Sócrates já há muito que desejaria ver-se livre do "empecilho" do TGV - porque, no fundo, Portugal não precisa de nenhum TGV. A confirmar-se esta estratégia, aí viria mais uma obra megalómana que mais não servia que era ajudar interesses de poderosos e fragilizar ainda mais a debilitadas finanças do país. A confirmar-se esta negociata, cujo interesse maior dos seus dois protagonistas, era a preservação da sua imagem política, só reconfirma o péssimo governante que tem sido Sócrates, que sem o mínimo pejo não teria qualquer relutância em procurar a melhoria da sua imagem política à custa do subalternizar do interesse nacional.
Neste mundo, não há almoços grátis." Por Francisco Gouveia, Eng.
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