A cada dia temos mais claras demonstrações de que a ditadura brasileira deixou o espaço político e jurídico minado com bombas de efeito retardado que, ainda hoje, fazem estragos! Não só não foi uma "ditabranda", como cumpriu o seu papel com brilhantismo: assegurou que uns sejam mais iguais que outros Caros colegas, amigos e companheiros, É muito dificil escrever nestas horas, quando ainda não conseguimos processar o impacto do pronunciamento dos ministros do Supremo Tribunal Eleitoral em favor da cassação do Governador Jackson Lago. Porém, mais difícil seria ficar com estas palavras e esta emoção guardadas dentro de mim sem partilhá-las com vocês. Aconteceu na madrugada de hoje o que muitos temiamos mas não nos animávamos a dizer com toda a clareza que a gravidade do caso exigia, porque eram tão imprevisíveis e nefastos os desdobramentos que evitávamos nos debruçar diante de um cenário tão desesperador. Mas aconteceu. E temos que avaliar a situação. Apesar da (aparentemente) irrefutável defesa dos advogados do Dr. Jackson – e aqui quero deixar expressa a minha admiração pela brilhante e comovente arguição do Dr. Francisco Resek e pela coragem com que colocou algumas verdades que o caso revela – a maioria dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral acolheu a versão da coligação "Maranhão -a Força do Povo", que apoiou a candidata Roseana Sarney nas eleições de 2006. Em consequência disso, cassou o mandato do governador Jackson Lago e do vice–governador, Luis Carlos Porto. E mais, determinou a toma de posse da candidata derrotada. O Dr. Resek mostrou, na sua intervenção, as implicações de uma decisão como essa. Adiantava-se, assim, ao que veio acontecer. Mostrou que o Maranhão poderia ser levado ao caos, pois a candidatura de Roseana Sarney vem sendo objeto de processo judicial. A imprensa já tem noticiado as investigações da polícia e do Ministério Público sobre as ilegalidades no financiamento da sua campanha, cujo principal responsável era Fernando Sarney. Dr. Resek também mostrou o que esse grupo vinha mantendo o seu poder graças a uma forma autoritária de controle do Estado e ao controle das principais emissoras de rádio e de televisão e do maior jornal do Maranhão. O próprio advogado de defesa de Roseana Sarney, Dr. Sepúlveda Pertence e, depois também, o presidente do Tribunal, Dr. Ayres Britto, fizeram uso de uma frase que teria sido proferida pelo então governador José Reinaldo Tavares: " por primeira vez essa família está tendo contra si a máquina do Estado". Essa frase indicaria, alegaram, a confissão, do próprio ex-Governador, do uso da máquina do Estado em favor dos candidatos adversários de Roseana Sarney. Mas, na leitura dos magistrados, "escapou" o sentido implícito da frase de Reinaldo Tavares: desde a redemocratização, a família Sarney conseguiu a vitória dos seus candidatos com uso e abuso da máquina do Estado! Na justificativa de seu voto, o Dr. Ayres Britto alegou que a Constituição coloca para a posse de um cargo majoritário a necessidade de maioria de votos e de lisura na eleição. Parece irrefutável o raciocínio. Porém, esse voto defendia a cassação do Dr. Jackson Lago e, a seguir, a entrega do cargo a Roseana Sarney. Que interpretação sui-generis da letra da lei! Totalmente descontextualizada e ainda utilizada para entregar o cargo a quem em 40 anos demonstradamente utilizou a máquina pública – e a própria justiça para ganhar eleições sem nenhuma lisura e tirar o cargo de quem lutou contra isso! Que desespero para todos nós, que tanto acreditamos na democracia, ver o quanto ainda estamos longe, neste país, desse sistema de governo que hoje parece só uma utopia! A cada dia temos mais claras demonstrações de que a ditadura brasileira deixou o espaço político e jurídico minado com bombas de efeito retardado que, ainda hoje, fazem estragos! Não só não foi uma "ditabranda", como cumpriu o seu papel com brilhantismo: assegurou que uns sejam mais iguais que outros, mesmo depois de vinte anos da promulgação daquela que foi chamada de "Constituição cidadã", que assegura a todos os homens e mulheres a igualdade de direitos e deveres! E que os privilégios de poucos continuem em detrimento dos anseios da maioria. As mesmas elites que foram bater na porta dos quartéis quando o governo João Goulart começava a implementar medidas que ameaçavam a sua supremacia, hoje se utilizam do aparato do Estado para – ao amparo da Justiça e dos grandes meios de comunicação – violentar o espírito da nossa Carta maior. Que longe estamos do sonho democrático! E o que fazer diante dessa constatação? Naturalmente devemos percorrer todos os caminhos legais que temos ao alcance para tentar fazer Justiça (com maiúscula!) e ficarmos mobilizados! É o nosso direito mostrar a insatisfação diante da injustiça! É o nosso direito mostrar a insatisfação diante do poder dos grandes meios de comunicação, em permanente conspiração contra os valores democráticos e contra as maiorias! É o nosso direito protestar! É o nosso direito ganhar as ruas com as nossas mensagens! Esse espaço é o único que temos! Foi conquistado e não abriremos mão dele! Enterraríamos os sonhos de gerações que lutaram e deram a vida pela democracia e pela justiça social se nos deixarmos abater pela aparente derrota. O povo brasileiro está dando demonstrações inequívocas de que não aceita mais que os Collors de Mello, os Sarneys, os Calheiros voltem ao cenário como atores de primeira linha! É necessário demonstrar que no Brasil de 2009, no Brasil de 2010, 2011, 2012, no Brasil de hoje e de amanhã, não há mais espaço para eles! Se não formos capazes de dar ao povo a esperança de que o voto efetivamente tem valor, de que a Justiça pode ser confiável, de que a lei pode efetivamente ser igual para todos, estaremos diante de um cenário assustador: um povo desiludido e desesperançado, um povo sem verdadeiros canais de participação democrática, a mercê de cantos de sereia salvadores, com o perigo que isso implica. Se o espaço político e institucional continua tomado pela prepotência e pela corrupção, a lei da selva estará instalada entre nós. Talvez caiba ao povo do Maranhão iniciar a grande transformação que o Brasil está a exigir: a transformação da apatia e do conformismo, do salve-se-quem-puder, da ação desesperada e isolada, em ação positiva, construtiva, coletiva, organizada, enérgica e solidária de um povo que tem dignidade e não se curva perante ninguém, ciente dos seus direitos. O Dr. Jackson Lago disse, após a sua cassação, que a forma que tinha de agradecer ao povo que o acompanhou, ao longo de meses de vigília democrática, era continuar na luta. Na luta haveremos de continuar! Beatriz Bissio, jornalista e historiadora |
segunda-feira, 11 de maio de 2009
A máquina do Estado e as desigualdades cidadãs
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