Atualmente, a Amazônia está sob três tipos de atuações humanas: daqueles que a exploram, degradando as suas propriedades naturais; daqueles que a consideram intocável e, por fim, daqueles que acreditam que é possível estabelecer uma relação socioambiental harmoniosa. Porém nada ainda evitou que milhares de hectares da floresta desapareçam em cinzas todos os dias A Amazônia florestal e rural se submete atualmente a três dinâmicas antagônicas, cada uma das quais é apoiada por pontos de vista científicos, independentes entre si. 1- A primeira pode ser qualificada de violenta por se tratar da destruição dos ecossistemas naturais, que são arrancados e queimados. Em seu lugar aparece uma agricultura de subsistência, em pequenas superfícies ou criação de gados e agricultura produtivista, com traços nítidos de mineração e, em geral sobre imensas superfícies adquiridas de maneira frequentemente ilegal. Há uma pesquisa agronômica, pública e privada, nacional e internacional, que se relaciona com essa dinâmica violenta. Alguns pesquisadores apóiam os mais ricos desses agricultores/criadores que são os atores dessa destruição. Em contrapartida, há outros pesquisadores que apóiam os pequenos produtores para ajudá-los no melhor aproveitamento das terras desmatadas e, assim, frear a dinâmica do desmatamento. Uma questão: como é que se fazem estas escolhas de colocar as suas competências científicas para uns ou para os outros? Onde acontece o debate e quem decide? Devemos acrescentar que essa dinâmica violenta é frequentemente justificada pela exploração dos recursos hidráulicos e minerais. São os cientistas que descobrem esses recursos e que propõem as condições de sua exploração. É claro que, nesse momento, o debate democrático costuma fazer falta. 2- Uma segunda dinâmica é aquela da reserva total em grandes superfícies: qualquer nova ocupação humana é proibida ... salvo a dos eco turistas!!! O objetivo é conservar, proteger recursos, principalmente ecossistemas; e também contribuir a proteger as funções desempenhadas pelos ecosistemas, principalmente as funções biológicas e climáticas. Portanto, trata-se de se dar tempo para conhecer e para entender. Para a pesquisa científica, as reservas são verdadeira graça divina: em seu interior, é possível realizar tranquilo todas as observações e medidas que permitem entender os funcionamentos naturais e também as relações que existem entre os meios e as sociedades humanas pouco numerosas que lá vivem. A pesquisa científica, em geral, desempenha também um papel importante para ajudar a delimitar os "parques" e para associar as populações a essa delimitação. 3- Enfim, uma terceira dinâmica, que pode ser chamada de desenvolvimento sustentável, começa a criar raízes: é a dinâmica daqueles que fazem a escolha de ocupar a floresta para viver dela e, assim, protegê-la. É o que ocorre nas reservas chamadas de "extrativistas", nas quais as populações vivem dos recursos biológicos renováveis. É a dinâmica pela qual Chico Mendes brigou e foi assassinado por aqueles que pertenciam à dinâmica violenta; é a dinâmica do PDSA no Amapá - o programa de desenvolvimento sustentável realizado pelo governador João Alberto Capiberibe de 1995 a 2002 - e é também, há cerca de dez anos, a escolha do estado do Acre sob a autoridade dos governadores Jorge Viana e Binho Marques. A pesquisa científica não está ausente dessa terceira dinâmica, mas é bom refletir sobre as razões de uma presença mais fraca do que nas duas outras. Será o caráter, por assim dizer, mais utópico dessa terceira dinâmica que explica a prudência dos pesquisadores com relação a ela? Ou será que o temor nasce do fato de que o sucesso científico, neste caso, depende de uma relação mais estreita entre pesquisadores e gente do povo? Atualmente as três dinâmicas disputam uma verdadeira corrida. Durante esses últimos vinte anos, é a destruição violenta, a substituição da floresta pelo gado e pela agricultura produtivista (soja, cana etc), que ganhou e continua a ganhar esta corrida. Apesar da queda recente na taxa de destruição, a destruição anual de 11 mil quilômetros quadrados de floresta natural não pode ser considerada como resultado satisfatório. Destruir a floresta é a solução de facilidade. É a solução economicamente mais interessante a muito curto prazo. Isso porque não se contabilizam, nos custos de produção, as enormes perdas devidas à destruição definitiva das riquezas biológicas e dos solos. Um dia vai ser necessário de pagar por esta destruição e a conta será muito alta! Em suma, há três dinâmicas em relação às quais o meio científico está presente, mas não se forma unificada: os especialistas se dividem sob o ângulo científico e do ponto de vista político; e isso quer dizer, é claro, que a pesquisa científica, na Amazônia como noutros lugares, não é neutra: ela é influenciável e fortemente influenciada. Então, algumas questões: Escolhas políticas foram feitas e anunciadas pelo Presidente Lula com relação à Amazônia brasileira. Desde 2003, a escolha oficial consiste em apoiar a dinâmica de constituição de reservas e a dinâmica do extrativismo sustentável, ou seja, interromper o desmatamento. É uma boa escolha, mas que suscita duas perguntas óbvias: como esta decisão foi construída e como ela é hoje concretizada? Qual foi o papel da pesquisa, qual foi o papel da relação ciência/sociedade na sua elaboração? Esse papel da pesquisa foi limitado. Isso é um dos fatores que limita severamente a concretização da própria escolha. A ausência de preparo e de acompanhamento democrático constitui uma pesada deficiência. A partir disso, de uma maneira mais geral, uma questão importante é como e onde se fazem as escolhas de prioridade científica e as escolhas de procedimento científico. Por exemplo, como e onde se fazem as escolhas quanto às prioridades agronômicas: agricultura em terras desmatadas ou agro floresta nas reservas extrativistas ? Onde acontecem os debates democráticos que deveriam associar, no momento da realização das pesquisas, os meios científicos aos meios políticos, mas também os meios científicos diretamente às populações? A iniciativa recente de organizar um fórum permanente "ciência e tecnologia na Amazônia", que reúne os principais responsáveis políticos e científicos da região, é importante, mas insuficiente se as populações não puderem entrar efetivamente em cena. A pesquisa sobre a Amazônia é, de fato, muito dispersa e muito individualista. E, além disso, ela é, em grande parte, realizada por pessoas que não moram na Amazônia, não vivem no dia a dia da Amazônia, nem vivem no Brasil: isso não facilita as relações entre pesquisa e sociedade e não facilita os debates de programação nacional e internacional. Então, será que a programação científica não é deixada excessivamente nas mãos dos pesquisadores e dos políticos que tomam as decisões quanto aos financiamentos? Um exemplo para ilustrar: Brasil e França assinaram, há pouco, um pouco às escondidas, um acordo importante de cooperação científica, cujo objetivo é o conhecimento e a exploração dos recursos biológicos da Amazônia. Qual a participação dos pesquisadores e das populações locais – que não querem que a pilhagem de seus recursos persista – neste acordo? Esse acordo pode ajudar a construir o desenvolvimento sustentável, mas com a condição de que as populações sejam claramente envolvidas, responsabilizadas. "O cupuaçu é nosso", gritam, cada vez mais, as multidões da Amazônia. Elas têm razão. Quero concluir dizendo que não se deve subestimar a importância das forças democráticas e experimentais que existem na Amazônia. A Amazônia já constitui um grande laboratório de experimentação de procedimentos democráticos a serviço do bem-estar das sociedades humanas: é necessário dispor do tempo necessário para conhecer e valorizar essas experimentações. Já se sabe muito sobre os meios e sobre as sociedades da Amazônia. Muitas experiências de estratégias de "desenvolvimento sustentável" já foram realizadas e muitas estão acontecendo agora. O que devemos fazer para que estes conhecimentos sejam utilizados sem mais atraso? |
sexta-feira, 22 de maio de 2009
Ciência e democracia na Amazônia
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