Um líder europeu disse-me que no passado a justiça em Portugal tinha a fama de ser lenta mas séria e que agora continua lenta, mas perdeu a imagem de seriedade.
As razões são muitas. O infame caso da Casa Pia mantém-se sem conclusão num processo que atesta a falência de todas as fases do sistema de justiça, da investigação ao julgamento.
A imagem no estrangeiro deste clássico da pedofilia é a dos poderosos portugueses que iam aliviar medonhos ímpetos sexuais em asilos do Estado e que continuam protegidos pelas delongas do sistema de justiça com intermináveis julgamentos e intermináveis recursos. Há mais. Os McCann estabeleceram, com a argúcia de uma máquina de relações públicas, uma ligação entre uma suposta propensão portuguesa para a pedofilia e o desaparecimento da filha num enredo extraordinário que envolve túneis na Praia da Luz, por onde a menina poderia ter sido levada sabe-se lá para onde, sabe-se lá por quem. Inverosímil esta urdidura? Nem por isso. Decorre directamente da incompetência com que o caso Maddie foi conduzido desde o princípio, e da insensibilidade bruta das autoridades em geral quando as transmissões em directo em várias línguas saíam da Praia da Luz, 24 horas por dia, levando ao Mundo uma imagem de ineficácia e bandalheira, entre almoçaradas bem regadas (que nas horas de serviço da Polícia são crime no Reino Unido), arguições injustificadas e perícias insuficientes.
Tudo isto constitui um study-case do que não deve ser feito numa investigação com aquele grau de melindre internacional, afectando uma indústria crítica para a economia do país. O deserto turístico em que se tornou a Praia da Luz atesta que estes erros se pagam. O golpe de misericórdia na imagem da justiça nacional vem agora com Lopes da Mota e a sua obstinação em manter-se no Eurojust, enquanto pesam sobre si gravíssimas suspeitas que ferem a essência da independência judicial e arrastam no processo o chefe de Governo e o ministro da Justiça. Este é também um study-case de nervo e desprezo pelos interesses nacionais. O Eurojust é um organismo da União Europeia que nas rotatividades comunitárias coube a Portugal presidir. O que lá se passa é directamente transmitido aos 27 estados que entre si lidam com crimes como a pedofilia, raptos de crianças, fraudes bancárias internacionais e corrupção. Para mal da auto-estima lusitana, para cada uma destas tipificações Portugal tem um contributo actual a despacho no Eurojust, com a agravante do nosso compatriota presidente estar alegadamente envolvido numa situação de alegada corrupção que alegadamente envolve dinheiro estrangeiro.
Por isso, para os seus pares no Eurojust, a esta hora certamente conhecedores das alegadas irregularidades e alegadas manipulações do sistema judicial, Lopes da Mota aparece, quanto muito, como um alegado inocente, aval insuficiente para representar a honorabilidade e ética de um Estado num organismo internacional que tem por missão assegurar a defesa colectiva desses mesmos valores.
A declaração de Cândida Almeida de que no lugar de Lopes da Mota também não se demitia não ajuda nada. É que se isto é cultura que se entranhou no Ministério Público, é bom recordar-lhes que por insensibilidade para as realidades terrenas o Marquês de Pombal, no século XVIII, expulsou os Jesuítas do chamado Noviciato da Cotovia, o esplêndido complexo de quintas e palácios onde hoje funciona a Procuradoria-Geral da República. Mário Crespo
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