terça-feira, 23 de junho de 2009

A CRISE E O INVESTIMENTO PÚBLICO

Portugal defronta uma crise económica com duas componentes: a estrutural, ligada a uma década perdida, e a conjuntural, ligada à actual crise.

A conjuntural só será ultrapassada quando as economias americana e europeia recuperarem o que dependerá do sucesso cooperativo das políticas agora implementadas pelos EUA, Europa e China.

Ao eclodir a actual crise, Portugal, ao contrário de Espanha, não tinha grande margem de manobra orçamental para políticas anti-cíclicas.

Por outro lado, mais despesa pública não resolve o problema da falta de procura externa para as nossas exportações !

O financiamento externo à economia portuguesa será cada vez mais difícil e por via disso o crédito bancário será mais escasso.

Na actual conjuntura, há que deixar funcionar os estabilizadores automáticos de conjuntura e fazer mais algumas coisas.

Mas na actual conjuntura, as preocupações com a sustentação da procura interna e com o combate ao desemprego, não podem esquecer a restrição externa e a sustentabilidade das finanças públicas, pois que este problema está longe de estar resolvido.

Para a sustentação de procura interna e de apoio ao emprego temos naturalmente o investimento público, onde importa projectos que simultaneamente sustentem a procura e o emprego no curto-prazo e aumentem a taxa de crescimento potencial da economia a médio-longo prazo. Nesta perspectiva inserem-se:

      - as pequenas obras como recuperação de escolas e troços de ligação (“last mile”) entre as auto-estradas existentes e centros urbanos. Essas pequenas obras criam mais emprego e oportunidades para as PME’s da construção civil que grandes investimentos, tipo TGV. Trata-se claramente de investir em projectos de imediata realização, e rápido acabamento o que não implicam grande despesa futura.

      - barragens, investimentos na eficiência energética, nas energias renováveis e nas redes digitais da nova geração. Trata-se de investir em projectos que criem desde já a procura e que aumentem a prazo a taxa de crescimento potencial da economia.

Não se inserem claramente neste compromisso entre curto e longo prazo investimentos megalómanos em bens não transaccionáveis que têm forte conteúdo de importação, não darão um euro a mais nas exportações, não reduzirão custos de transacção e agravarão dramaticamente a prazo as nossas finanças públicas e o nosso endividamento externo, tais como:

      - TGV Lisboa-Porto e auto-estradas ao lado doutras já existentes. Talvez que as dificuldades de financiamento travem esses projectos. Há males que vêm por bem…

Por outro lado, a garantia dada pelo Estado a projectos de rendibilidade duvidosa irá levar os bancos a operarem em Portugal (nacionais ou estrangeiros) a preferirem esses projectos em vez de projectos de empresas que têm os naturais riscos. O Estado, e não os bancos, será assim o responsável pelo agravamento da restrição de crédito às empresas.

Se antes da crise , os decisores já valorizavam pouco o aumento da produtividade, a redução de custos e as políticas do lado da oferta (“supply-side policies”) há o risco agora, de se assistir a um “keynesianismos” serôdio e ultrapassado, gastando, à custa da “música” de investimento público, os nossos escassos recursos, reais ou alavancados no endividamento público, rapidamente em quantidade sem prioridades, em vez de serem afectados criteriosamente às prioridades das actividades mais produtivas.

Se isso acontecer, quando a crise acabar, ficaremos ainda com pior afectação de recursos e portanto em muito pior situação !

Por outras palavras, se não tivermos a tal visão estratégica global para a correcta afectação dos recursos, arriscamo-nos a ficar no pós-crise com problemas estruturais agravados !

Dr. Luís Mira Amaral

 

 

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