quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

É o mundo em mudança, Senhores Doutores

Tenho de confessar a minha enorme admiração e gratidão por Mário Soares. Ajudou-nos a ter um país democrático e europeu, e fê-lo, por vezes, quase sozinho. Soares é, antes de tudo, um político de uma intuição rara. Os seus famosos sobressaltos - contra o salazarismo e o marcelismo, desde sempre, contra o comunismo, em 1975, contra o eanismo, em 1980, quando decidiu candidatar-se a Presidente, em 1986 - revelaram-se correctos. Isso não significa que tenha sempre razão (achei errada a sua candidatura em 2006 e deploro as relações que tem com Chávez), mas nada disso lhe retira ou ofusca o lugar inegável que tem na História de Portugal.Esta semana, teve outro sobressalto ao ler um relatório de Bruto da Costa sobre a pobreza em Portugal e um relatório do Eurostat que diz ser este país o mais desigual da Europa. E escreveu no 'DN' um texto que deve ser levado muito a sério.O PS e o PSD governaram Portugal repartidamente nos últimos 20 anos. E falharam estrondosamente.O que Soares vaticina é que, se este Governo não mudar de política, acabará por falhar também. E tem razão! Porém, tanto os motivos do falhanço como a receita indicada pelo ex-Presidente não parecem adequados.Soares (como, aliás, Bruto da Costa) atribui parte das culpas ao que chama a política neo-liberal. Soares pede, aliás, mais intervenção do Estado.Ora é, no mínimo, muito duvidoso que seja esse o caminho.Ao longo destes 20 anos, Estados com políticas muito mais neo-liberais do que Portugal (a Irlanda, a República Checa e outros) tornaram-se menos desiguais e muito menos pobres. Outros países com políticas diferentes, mais intervencionistas (a Espanha), também diminuíram a pobreza e a desigualdade. Nos últimos tempos, por todo o lado se governa à vista e não por esquemas ou catálogos políticos.Onde houve menos falhas, houve estratégias, correram-se riscos e existiram sacrifícios. É isso que nos falta. Temos os sacrifícios, mas não temos a estratégia nem arriscamos. Falha-nos educação, formação profissional, mobilidade, sentido de risco, reforma do Estado, adequação das leis do trabalho. Somos pobres e desiguais porque somos conservadores, porque queremos viver hoje com as regras de ontem. Gostamos, sobretudo, de viver à sombra do Estado, ao qual nos acolhemos no primeiro sinal de crise. Esta, sim, tem sido a nossa pior ideologia.No mundo em mudança é imperativo adaptarmo-nos. Enquanto discutirmos receitas do passado, não saberemos o que fazer do presente e do futuro.
Henrique Monteiro

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