segunda-feira, 30 de março de 2009

O 'x' do problema e o 'x' do cromossoma

Com os meus agradecimentos, aqui reproduzo!

O 'x' do problema e o 'x' do cromossoma

Até agora, as listas eleitorais promoviam, por omissão, a igualdade de género. Os candidatos eram escolhidos segundo critérios triviais: a notoriedade pública, a influência nas "bases", o compadrio, a "cunha", o trabalho em prol do partido, os favores prestados a A ou a B (C é ingrato), etc. A masculinidade e a feminilidade não vinham ao caso, e se as listas apresentavam um enorme desequilíbrio em favor dos machos da espécie, o facto devia-se a circunstâncias fortuitas, ou à constatação de que existe mesmo uma peculiar, e superior, sensibilidade feminina perante a política: as senhoras têm bom gosto e mais o que fazer.

Aprovada em 2006, a Lei da Paridade obriga a encher com mulheres um terço dos lugares disponíveis. Além de discriminatória, a dita lei foi obviamente concebida por misóginos a fim de enxovalhar o sexo oposto. Sucede que oposto não é sinónimo de estúpido, donde as senhoras que já desprezavam a política quando nesta se ascendia independentemente do género terão dobradas razões para a desprezar agora. Por outras palavras, nenhuma sujeita de inteligência e dignidade medianas aceitará servir de pechisbeque a estratégias oportunistas e vexatórias.

Que sujeitas aceitarão? Francamente, não sei. De acordo com o DN, parece que alguns partidos, em apuros para recrutar donzelas, também não sabem. Percebo-os. Entre os poucos exemplares femininos que hoje se sentam na Assembleia da República sem se distinguirem particularmente do padrão masculino, já é frequente encontrar ex-secretárias de autarcas ou familiares de caciques com nítidas dificuldades em assinar o próprio nome. O que haverá abaixo disto? Assim de repente, ex-secretárias ou familiares de caciques que assinam o próprio nome com um "x".

De futuro, se bem ensinadas, talvez as analfabetas do "x" aprendam a comportar-se devidamente no Parlamento, ou seja, a levantar-se ou a sentar-se no momento de votar as normas que nos regem. O PS e o Bloco estão optimistas e acham a mudança benéfica para a democracia. Com certeza, no sentido de que qualquer um pode realmente chegar a deputado, embora o sentido de "qualquer um", ou "qualquer uma" (peço perdão), escusasse de ser tão literal.

Quinta-feira, 26 de Março
O progresso em saldos

Uma professora lançou a suspeita de que os Magalhães oferecidos (ou quase) às criancinhas possam estar a ser vendidos pelos respectivos pais ao desbarato. Nenhuma surpresa. Era de prever que, à semelhança do seu principal ideólogo e promotor, a engenhoca fosse mal empregada.

O eng. Sócrates, esse benemérito, deu-se a inimagináveis trabalhos para empurrar os portugueses rumo à modernidade. Os portugueses fingiram ouvir, aceitaram a benesse e, contas feitas (sem factura), permaneceram exactamente no sítio onde sempre estiveram, a desenrascar com manha uns trocos a expensas do Estado.

O primeiro-ministro olha o Magalhães e vê auto-estradas da informação, viadutos comunicacionais e, fora das referências rodoviárias, um futuro igual ao presente em voga "lá fora". Cá dentro, infelizmente, o povo olha o Magalhães e encena a fábula do boi e do palácio, com a particularidade de o boi não ter conseguido despachar o palácio por vinte ou trinta euros. Excepto por esse ligeiro sintoma de superioridade face ao ruminante, a verdade é que quem nasce para a Feira da Ladra não chega a Silicon Valley.

Ou à Dinamarca, que partilha com a Suécia e os EUA a vanguarda em matéria de implantação das novas tecnologias. Embora continue acima da Espanha e do Cazaquistão, Portugal caiu para 30.º na tabela do Fórum Económico Mundial (FEM), logo abaixo da Malásia e do Qatar. A vergonha das estatísticas é mais nítida quando se verifica que, segundo o mesmo FEM, o nosso Governo é o 4.º mundial no que toca à importância dada à informatização. Palácios a bois, de facto. Ou pérolas a porcos.

Se é improvável que, sozinhas, as transacções ilícitas do Magalhães expliquem o tombo de 2008, é altamente provável que motivem maiores tombos próximos. Nada garante que a prodigiosa máquina não seja objecto de exportação clandestina e que, neste momento, os fedelhos de Madrid e de Astana (a capital cazaque) não aprimorem a sua instrução graças ao génio inventivo da empresa JP Sá Couto e ao fulgor visionário do eng. Sócrates, que qualquer dia se cansa de aturar um povo boçal e ingrato. Isto se, como é próprio dos boçais e dos ingratos, o povo não se cansar dele primeiro.      

Sexta-feira, 27 de Março
Certas cantigas são uma arma

No domingo anterior, fiz, em crónica sobre o "aquecimento global", as "mudanças climáticas" ou lá como é que isso agora se chama, uma referência leve, levemente gratuita e levemente ofensiva ao cantor André Sardet. Na volta do correio (electrónico) tinha uma mensagem do próprio. A insultar-me? Qual quê: a convidar-me amenamente para um café. Nem consegui responder. Na perspectiva do colunista, não há pior do que receber polidez a troco de rudeza. O sr. Sardet devia ter dito de mim o que Maomé não disse do vinho. Preferiu ser educado. Não há direito. Não lhe perdoo.

Ignoro as inclinações políticas do sr. Sardet, mas aposto que não é de esquerda. Em matéria de críticas e cantigas, a esquerda é confiável. Vai para um ano, escrevi um texto menos simpático sobre os cançonetistas de "Abril". Valeu-me dezenas de mails irados, meia dúzia de ameaças físicas e um embrulho enviado por um pervertido com uma gravação do padre Fanhais no interior. Mais importante, nenhum José Mário Branco ou Manuel Freire teve a desfaçatez de me convidar para uma bica, mesmo pingada.

Que Deus, ou Marx, guarde os "baladeiros": estes cantam a solidariedade, a fraternidade, a paz e a liberdade de expressão com tamanho empenho que se dispõem a partir a viola na cabeça de quem discordar deles. Se existe em cada esquina um amigo, no meio da rua está um "fascista" a pedir para ser atropelado. Por isso os admiradores da "canção de protesto", que protestam nas ruas contra os despedimentos, fartaram-se de exigir o meu. Pelos vistos, não sabem que, nesta profissão, a fúria alheia é uma comenda. Por seu lado, o sr. Sardet conhece perfeitamente as consequências nefastas da cortesia. O sr. Sardet é de uma civilidade perigosa. E irrecusável: esse café, fica para quando?   

Sábado, 28 de Março
Ópera bufa

As vaias e as pateadas são uma vetusta tradição operática, mas apenas durante, ou após, o espectáculo. A originalidade nacional inventou a vaia prévia, como a que agora aconteceu no Centro Cultural de Belém. Mais original ainda, a vaia não se destinou aos cantores, ao compositor, ao autor do libretto ou ao encenador: no caso, foi dirigida ao eng. Sócrates, cujo atraso de 25 minutos na estreia de Crioulo protelou o início da ópera por igual período sem sequer uma justificação, aliás impossível de arranjar, ao auditório.

Se me permitem, os apupos foram pessimamente dirigidos. O eng. Sócrates não tem culpa. O seu homólogo de Cabo Verde, que o acompanhava e que o gabinete do nosso primeiro-ministro tentou responsabilizar pelo incidente, também não. Num país civilizado, qualquer indivíduo tem o direito de chegar à ópera tão atrasado quanto desejar. Num país civilizado, a organização da dita é que tem o dever de não a retardar de acordo com os horários alheios e o porteiro tem instruções para não permitir que ninguém entre na sala antes do final do primeiro acto.

Acontece que isto é Portugal. Irrelevante que seja, o obséquio prestado pelos senhores que, por nomeação política, dirigem o CCB reflecte os obséquios maiores que distinguem, no que verdadeiramente conta, os portugueses que mandam dos restantes. Olhe-se para onde se olhar, há por aí uma imensa aptidão para servir privilégios a uns, migalhas aos outros. Ocasionalmente, estes vaiam as migalhas. Na maioria das vezes, de habituados que estão ao serviço, agradecem-nas.

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