Posted: 28 Apr 2014 05:20 PM PDT A tentação de afirmar que tudo mudou com o 25 de abril é muito forte no que toca à política externa. Da ditadura obsoleta, politicamente isolada, sustentáculo de uma presença colonial perdida historicamente no tempo, emergiu, de um dia para o outro, uma súbita esperança democrática e de libertação, feita de alegria florida nas ruas. Uma esperança em que, contudo, alguns no mundo não deixaram de vislumbrar certos riscos. O facto de não ter surgido, na convulsão política pós-Revolução, uma séria proposta no sentido de Portugal abandonar a NATO revelou a consciência subliminar de que o país tinha condicionantes geopolíticas a que não podia escapar. A geografia prevaleceu, mas também mudou: umas vezes mudou ela própria e nós com ela, outras vezes fomos sujeitos involuntários dessa mudança. Mudou no plano físico, com o fim das fronteiras e com os acessos a tornarem-nos menos periféricos, num choque de modernidade que foi uma fantástica revolução silenciosa. Mudou fortemente no plano político, com a integração europeia a determinar um quadro de responsabilidades que nos veio a tornar parceiros de um projeto mais vasto, eticamente sustentado, com uma coerência que incorporámos na nossa própria matriz de afirmação. Mudou com a recuperação da plena normalidade com a nossa vizinhança imediata, com a descoberta de uma vocação mediterrânica que levou à fixação de um interessante laço com um mundo islâmico, que passou a ver em nós um interlocutor atento. E mudou também com muitos outros mundos, de que o fim da ditadura e do colonialismo nos aproximou. Uma nova geografia "de afetos" conduziu ao gradual estabelecimento de um quadro institucional prioritário com Estados que falam a nossa língua e com os quais tentamos reconduzir-nos a uma cooperação equitativa, depois daquilo que foi uma longa e traumática relação colonial. E alterou também o nosso posicionamento no quadro multilateral, onde nos foram abertas oportunidades para o exercício de cargos e para a execução de acções internacionais relevantes, tal como "exportar segurança", com intervençoes de mérito em operações de paz, através das nossas Forças Armadas. Numa dimensão mais humana, a partir do 25 de abril, foi possível estabelecer um modelo de enquadramento democrático da nossa diáspora, garantindo-lhe um papel na vida política interna e procurando torná-la um actor da nossa dimensão externa. E, mais tarde, convertemo-nos em receptores de imigrantes, sendo hoje reconhecido positivamente o modo como acolhemos as "muitas e desvairadas gentes" que nos enchem as ruas de diversidade. Fomos pelo mundo, mas nunca saímos do Atlântico, porque ele é a constante que nos sobredetermina. Muito para além do ridículo seguidismo das Lages, em 2003, ele continua a ser um quadro estruturante para a preservação dos nossos interesses estratégicos. Sem abandonar o investimento no projeto europeu em que nos empenhámos, sem descurar a CPLP e várias outras dimensões, temos todo o interesse, enquanto país, em saber recolocar-nos no centro da nova relação transatlântica que se desenha. Isso será feito quando voltarmos a ter uma política externa, à altura das nossas múltiplas geografias depois do patético interlúdio de silêncio internacional que estamos a atravessar. Não tardará muito. (Artigo que hoje publico no "Diário Económico") |
Posted: 28 Apr 2014 04:08 PM PDT São tantos os mortos! Passam os dias e não passa quase um dia sem que não sejamos surpreendidos pela morte de alguém que conhecemos. Um amigo dizia-me que, num mesmo dia, fora a três missas celebrando a morte (ou a passagem do sétimo dia da morte) de alguém. Isto está a ficar pela hora da morte, podia dizer-se, se tivesse graça. Ontem, olhava as notícias da desaparição de Vasco Graça Moura quando uma cara risonha, na fotografia de um jornal, chamou a minha atenção. Era um homem de riso aberto, franco, por detrás do qual pressenti as gargalhadas que esse mesmo sorriso sempre coroava. Era o Álvaro Garcia de Zúñiga. Tinha sido enterrado nessa tarde. Conhecemo-nos em São Paulo, há já uns bons anos. Era uruguaio, mas o mundo era a sua terra de adoção. Com a Teresa, com o registo mais sereno da Teresa, o Álvaro fazia um par curioso, ele mais histriónico e agitado, de quem busca sempre o mundo, como se ele sempre lhe fugisse. Ela num rodopio de projetos, sempre a caminho de. Encontrámo-nos depois por aí, em alguns sítios do acaso, quase sempre sem nunca termos combinado nada. A última vez, lembro-me, foi em Paris, onde ele e a Teresa nos convidaram para um debate, creio que num convento próximo da Gare du Nord. O Álvaro era encenador, escritor, músico. Era um homem cheio de ideias, culto, criativo. Com o seu eterno sorriso e o seu português pedido de empréstimo, ele para quem as línguas eram um instrumento de cuja mistura fazia nascer as coisas, transmitia sempre uma boa onda, com a Teresa a seu lado, no seu sorriso giocôndico, procuradamente sereno. Agora, a terra fugiu debaixo dos pés à Teresa, como alguém dela me dizia, há poucas horas. Onde? Num velório, claro! O nosso abraço sentido, Teresa. |
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