domingo, 12 de julho de 2009

Imbecilidade

Francisco Seixas da Costa Um jornalista do Público considera que a entronização do Cristiano Ronaldo no Real Madrid mais não é senão o "O Triunfo da Imbecilidade". Porém, não concordo que isso seja a "alarve disponibilidade das multidões para perderem minutos, horas, das suas vidas a seguir de perto qualquer banalidade quotidiana da vida de um ídolo".
Posso compreender o sentimento de alguma estupefacção perante um exercício mediático de sacralização de um habilidoso com um bola de couro, esta espécie de hagiografia prematura de um miúdo apenas fisicamente talentoso, investido de um enorme poder de sedução e esperança. Mas eu coloco-me no lugar dos adeptos do Real e imagino, desde já, a ânsia das vitórias que a figura de Ronaldo terá provocado nos mais de 80 mil "merengues" que estiveram no Santiago Bernabéu.
A felicidade faz-se hoje bastante desta adesão aos sucessos que outros protagonizam, de quem nos assumimos próximos, colectivamente juntos na vitória, sempre com a derrota de outros como aparente contraponto indispensável. Para quem, como eu, tem a anti-competição como sólida e permanente doutrina de vida, confesso-me um tanto perdido neste ambiente. Mas será isto a alienação de que falava um clássico fora de moda? Talvez seja, mas esta comemoração das vitórias mais não é, para muitos, do que o complemento natural de existências simples, que seriam ainda menos relevantes se não se juntassem nessa onda gloriosa colectiva. É triste reconhecer isto, mas é a realidade.
Só posso desejar que o nosso madeirense de sucesso, do alto dos seus 24 anos, consiga suportar a carga de esperança agora nele investida. E, com clara consciência desta minha debilidade afectiva, sem qualquer ligação particular ao Real, lá estarei, nos fins de semana, à espera dos seus golos e dos seus êxitos, exultando com os primeiros e ansiando pelos segundos. Como estive nos tempos do Manchester, sucedâneo do que deixou de fazer no Sporting. Da mesma maneira que estive com Figo, no Barcelona e, mais tarde, no mesmo Real Madrid. Por isso, com total serenidade, não consigo condenar os adeptos do Real, hoje em delírio, nem lhes chamo imbecis.
Quantos de nós não sofremos de taquicardias patetas pelo nossos clubes, pelas nossas selecções nacionais, pelas nossas bandeiras desportivas? No futebol como no hóquei (lembram-se das jornadas de Montreux?), no atletismo (recordo a Rosa Mota ou o Carlos Lopes), na natação (eu dei braçadas morais a acompanhar Baptista Pereira, nas travessias da Mancha) ou no ciclismo (quem não sofreu pelo Agostinho?), quantos não alinhámos nessa magnificação dos ídolos desportivos, transformando meros eventos em casos-de-vida-ou-de-morte?
O desporto pode ser e é, muitas vezes, um tempo de evidente irracionalidade. Mas, ao fim de não poucas décadas de experiência, concluí que a mobilização colectiva da afectividade faz parte da nossa vida e, bem-pensantes à parte, constitui parte do sal de todas as sociedades contemporâneas.
Boa sorte, Cristiano Ronaldo! Só espero que a conversa com esse mago "merengue" que se chama Alfredo Di Stefano lhe venha a ensinar algumas das regras do jogo, não do futebol, mas dessa outra coisa bem mais complexa que é ser-se um nome público em Espanha: amado, odiado ou uma coisa depois da outra, qualquer que seja a ordem dos factores.

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