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terça-feira, 20 de maio de 2014

duas ou três coisas

 

 

Lei de Murphy

Posted: 20 May 2014 02:50 AM PDT

Quando alguma coisa pode correr mal, acaba por correr mal. Às vezes, esta "lei de Murphy" funciona.
 
Uma das tragédias da situação económico-financeira portuguesa é que o essencial daquilo que pode influenciá-la é totalmente independente da vontade nacional. Foi assim para a descida dos juros, que permitiu o ambiente desanuviado em que se processou a "saída limpa" da fase "troika" do processo de ajustamento, como, no dia de hoje, o está a ser para o "mau humor" dos mercados, que reverte essa tendência para todos os países da periferia. Por mais bem "comportados" que sejamos.
 
Ao que dizem os especialistas, os tais mercados antecipam uma evolução europeia mais cética a partir de domingo mas, no que é mais importante, já perceberam que o Banco Central Europeu está limitado no seu leque de opções para contrariar as tendências deflacionistas e, muito em especial, que se sente sem legitimidade política para avançar no chamado "quantitative easing" - um neologismo que designa a sua possível ida ao mercado de produtos da banca e de outras instituições financeiras privadas, que iria muito para além da sua tradicional intervenção de atenuação das dívidas públicas.
 
Por tudo isso, e não por qualquer teimosia negativista, é que alguns prudentes observadores eram favoráveis ao "programa cautelar" e condenaram o facto do governo o não ter tentado, deixando aos parceiros europeus o ónus da sua inviabilidade conjuntural.
 
Mas pode ser que isto - a atitude dos mercados - não seja mais do que o surgimento de nuvens passageiras, que trazem uma chuva de verão e algum arrefecimento. Como hoje também está a acontecer com o nosso clima. Pode ser. Seja ou não seja, nada podemos fazer para o evitar. E essa é a nossa sina.

A direita

Posted: 19 May 2014 05:27 AM PDT

Não sei se tem ainda a ver com efeitos do 25 de abril, mas, contrariamente à esquerda, que se afirma abertamente, a direita portuguesa esconde-se quase sempre por detrás de alguns heterónimos - como  "conservador", "liberal" (este, quase sempre a medo, porque "neo-liberal" surge com carga negativa) ou, no máximo das ousadias, sob o conceito de "centro-direita" (durante muito tempo ser "do centro" era a mesma coisa). Muitos comentadores desse setor (Marcelo Rebelo de Sousa dizia ontem na TVI que 2/3 dos comentadores são ligados ao PSD) ou procuram neutralizar-se ou usam um curioso eufemismo - "não são de esquerda".
 
Porque as sociedades só ganham em ser transparentes, gostaria de ver a direita portuguesa assumir-se como tal. Temos hoje, por exemplo, talvez o governo mais à direita da nossa História democrática, mas não vejo nenhum dos seus membros dizer isso mesmo, sem sofismas - "somos de direita". Pelo contrário, quando alguém afirma que se trata de um governo de direita sente-se que ficam ofendidos, como se isso fosse um insulto, como se tivessem vergonha de não ser de esquerda.
 
Alguns dirão: mas se nos afirmamos como "de direita", a esquerda atira-nos isso à cara, chama-nos "fascistas", liga-nos ao tempo da ditadura. Sabem por que é que isso acontece? Porque muita direita se sente na permanente obrigação de relativizar a gravidade dos tempos salazomarcelistas, porque deixa cair, a espaços, alguns elogios ínvios a parte desse passado, porque não soube criar um "firewall" entre um pensamento contemporâneo de direita e as brumas sinistras da ditadura. Vê-se isso muito nos blogues ditos "liberais". Muitas das pessoas de direita em Portugal não fizeram ainda o "exorcismo" do que se passou antes do 25 de abril. Quando o fizerem, quando conseguirem assumir uma denúncia aberta desse passado, a esquerda mais agressiva deixará de ter espaço para os atacar por isso, fazendo-o apenas no terreno das ideias atuais. Enquanto a direita democrática continuar envolvida num conúbio com a direita cavernícola, com o caceteirismo miguelista, isso não será possível.
 
Por isso, no dia em que nasce o jornal informático "Observador", marcado por uma linha claramente de direita, aliás muito consentânea com os apoios financeiros de que dispõem e com os objetivos de sociedade que pretende, sinto pena em não ver isso mesmo assumido com clareza pelos seus responsáveis. Mas não: o máximo que surgiu, nos textos que acompanharam o lançamento do seu "site", foi a nota de ser de orientação "liberal". Ora bolas!
 
Já é tempo da direita portuguesa, a direita democrática que não tem realmente "esqueletos no armário" do tempo do Estado Novo, afirmar com orgulho o que é, defender as suas ideias e os seus projetos, ir à luta, sem disfarces. Embora, nem por um momento, alguma direita nisso acredite, foi também para isso que se fez o 25 de abril.

Em tempo: porque o "esbatimento" entre esquerda e direita faz parte do debate, aqui deixo o clássico pensamento do filósofo francês Alain: "Lorsqu'on me demande si la coupure entre partis de droite et partis de gauche, hommes de droite et hommes de gauche, a encore un sens, la première idée qui me vient est que l'homme qui pose cette question n'est certainement pas un homme de gauche".

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