JPP Reproduzo aqui o artigo que publiquei no contexto do primeiro encontro que tive com Nelson Mandela. Mandela desceu do quarto onde estivera a repousar, e entra devagar, alto e franzino, cabelos brancos, a uma semana de fazer 73 anos, a única pessoa na sala de black tie . Os portugueses do Cabo que o convidaram para jantar são homens de negócios feitos a pulso, nas empresas de pesca, de reparação naval, de equipamentos, na importação de cortiça para os vinhos de Stellenbosch , nos mil e um restaurantes e supermercados que povoam qualquer cidade sul-africana de nomes portugueses . Não são gente dada à "política" , e dela pensam apenas ter a "experiência" trágica de Angola e Moçambique onde perderam haveres, onde viram a guerra civil destruir o património deixado pela colonização branca e mesmo, nalguns casos, onde viram morrer amigos e familiares, em suma, onde perderam raízes e "história". Como se pode compreender deve haver poucas comunidades no mundo que tenham täo pouca simpatia pelas experiências de engenharia social feitas em nome do progresso, da igualdade, do socialismo e temem que o mesmo se repita na África do Sul. Suspeitam acima de tudo do ANC , irmão próximo da FRELIMO e do MPLA , e cujas posições sobre as nacionalizações e o socialismo lhes parecem prometer um futuro de devastação idêntica. O encontro entre a comunidade portuguesa e Mandela é o primeiro e faz-se sob tensões cruzadas: entre os portugueses que querem falar com o ANC e aqueles que consideram este acto uma "traição", entre os conselheiros de Mandela que não gostam dos portugueses e do papel de Portugal como um moderador indesejado da "revolução" no sul de África e aqueles que desejam mudar a imagem dura do ANC e que veem naqueles homens de negócios um interlocutor ideal para chegar a uma parte da comunidade branca que está entre a "tribu branca" afrikaner e as comunidades indianas e "castanhas" . Mas, quando Mandela entrou na sala, após uma pequena hesitação puseram-se em pé em uníssono a bater palmas, abrindo alas para que esse homem alto e frágil passasse. Depois bateram-lhe sempre palmas, mesmo quando Mandela confirmou no seu discurso algumas das coisas que todos pretendiam esconjurar. Para os portugueses do Cabo tornou-se claro que o encontro com o homem acabou por valer mais do que as suas palavras, mas esta contradição revela as encruzilhadas em que se encontra hoje a política sul-africana. O ambiente na política sul-africana é hoje mais dominado pela afectividade do que pela razão e nada há de politicamente mais equívoco e perigoso do que a afectividade . Verdade seja dita que é também às vezes dessa força da afectividade que surjem soluções para problemas aparentemente sem saída racional. O papel de Mandela nessa política é disso um exemplo perfeito e a sua figura carismática e autoridade pessoal representam um factor sui generis que tanto pode conduzir num sentido de moderaçäo como para um impasse, no qual a sua figura sirva de cobertura para uma politica radical que todos sabem näo ter futuro , mas que pode ter presente bastante para fazer. Quando foi libertado, Mandela encontrou uma nova geração de militantes do ANC e uma organização muito diferente daquela que tinha conhecido, embora os primeiros passos para essa evoluçäo tivessem sido os últimos que Mandela deu antes de ser preso. Entre 1961 e 1963, data dos Rivonia Trials que o iriam condenar, o ANC ainda sob a direcção de Mandela , afasta-se das suas origens de movimento de massas pacifista e näo violento, cuja inspiração se encontrava na organização irmã do Partido do Congresso indiano ou no movimento de direitos cívicos dos negros americanos , para uma política cada vez mais centrada na luta armada . A fundação do braço armado do ANC , o Umkhonto we Sizwe , iria aprofundar uma lógica de luta armada que progressivamente asfixia organizacionalmente todos os outros instrumentos de acção política. Esta evolução vai a par com um significativo maior envolvimento da URSS em Africa e, neste contexto, a combinação entre a clandestinidade organizacional, a luta armada com as suas inevitáveis dependências e apoios, a constituição de uma importante comunidade exilada em diversos países africanos e europeus , tudo isso explica o crescente domínio das estruturas do ANC pelo Partido Comunista Sul-Africano . |
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