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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Portuñol

Francisco Seixas da Costa

 

Há uns anos, fui a Madrid chefiar uma delegação portuguesa. Sentado à mesa de trabalho no palácio de Santa Cruz (equivalente ao nosso palácio das Necessidades), iniciei espontaneamente a minha intervenção em espanhol. Segundos depois, dei-me conta que o meu nível de expressão em língua espanhola, sendo mais do que suficiente para uma conversa solta, não dava para sustentar quase duas horas de trabalho técnico, recheado de expressões que não podem dar lugar a um mínimo de ambiguidade.

 

(Até 1979, eu nunca tinha ousado expressar-me em espanhol. Lia muito bem a língua, percebia-a falada, mas eu próprio falá-la era bem diferente. Daí que raramente ousasse pedir mais do que "un solo".... Quando fui viver para a Noruega, o meu primeiro grupo de amigos era composto por diplomatas espanhóis, brasileiros e latino-americanos. Com algum esforço, tive de começar a "aculturar-me" ao espanhol, que era a língua franca nesse meio. A curiosidade fez-me mesmo comprar uma gramática e livros de exercícios de espanhol. Mas nunca fui muito longe, confesso... Logo nas primeiras férias em Portugal, numa deslocação a Verín, na Galiza, entrei numa loja e teimei em testar o meu espanhol. O comerciante galego sorriu para mim, com um ar piedoso, e disse-me: "Por que não fala português? Percebemo-lo melhor...")

 

Mas voltemos a Santa Cruz. Ao constatar o esforço que a "habla" me estava a custar (no fundo, repercutindo a tirada do lojista galego..,) o meu contraparte espanhol, Ramón de Miguel, que entendia bem o português, propôs-me o seguinte:

 

- Eu falo espanhol e tu falas português. Se ambos falarmos devagar, as nossas delegações entendem.

 

Os minutos seguintes vieram a provar que isso não era verdade. Se, para o nosso lado, era relativamente fácil acompanhar o que o meu contraparte espanhol dizia, notei que, falando em português, mesmo que artificialmente mais lento, a restante delegação em frente a nós tinha dificuldade em entender-me. A constatação disso, ao final de alguns minutos, acabou por pôr-nos todos a falar... em francês!

 

Porque me lembro disto agora? Porque, há dias, num congresso em que participei na Turquia, sobre a América Latina, vi-me envolvido numa situação complicada, ligada ao uso do espanhol. 

 

As línguas oficiais eram o turco, o espanhol e o inglês. Durante o voo, preparei uma intervenção para cerca de 40 minutos, que deveria pronunciar num mano-a-mano com a antiga ministra dos Negócios Estrangeiros, Trinidad-Jimenez. Cabia-nos a ambos pronunciar as "conferencias magistrales" que encerravam o primeiro dia de trabalhos. Tendo o inglês como opção, não hesitei um segundo em escolher essa língua.

 

Para além de dois discursos iniciais de figuras oficiais, em turco, durante o congresso toda a gente falou em espanhol, mesmo os turcos e brasileiros presentes. À medida que se aproximava o momento de intervir, comecei a angustiar-me: só eu falaria em inglês? Isso iria soar muito estranho e obrigaria à mobilização dos aparelhos de interpretação por parte do auditório, que, sem exceção, entendia e falava espanhol.

 

Foi então que tomei uma decisão, da qual, confesso, me viria a arrepender: decidi falar no "meu" espanhol. No passado, já tinha feito três intervenções nessa língua (uma no Chile, outra no Uruguai, uma outra em Espanha), mas todas haviam sido baseadas em textos escritos, previamente testados com cultores da língua. Desta vez, porém, iria improvisar, com base num texto... em inglês! Na prática, usei um "portuñol" que, no entanto, me deu imenso trabalho. Durante mais de meia-hora, fiz tudo para ser compreendido. Julgo que as pessoas acabaram por perceber o que eu disse, muito embora reconheça que aquela não foi a minha "finest hour". Mas foi uma das mais difíceis!

Decidi que este foi o derradeiro teste ao meu "portuñol". A partir de agora, só o usarei em conversas "ligeiras", nas "tiendas" ou para pedir um café...


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