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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

OUT OF THE BOX: ESCOLHAS

JPP

 

 

Posso formular a questão nestes termos: quantas vezes, no último ano, Passos Coelho esteve na mesma sala com Arménio Carlos da CGTP ou com Carlos Silva da UGT, ou Bettencourt Picanço, que é um militante do PSD, e quantas vezes esteve com Ricardo Salgado, Fernando Ulrich, Nuno Amado, Jorge Tomé, Luís Amado, Mira Amaral, etc. Quantas vezes esteve com banqueiros, ou gente da banca e quantas vezes esteve com sindicalistas? A pergunta pode parecer bizarra até porque ninguém a faz, mas tem todo o sentido. Nem sequer me estou a referir a audiências mais ou menos protocolares, mas a eventos que o Primeiro-ministro organiza, frequenta, ou participa. Os banqueiros que se sentam com o primeiro-ministro em sessões organizadas pela imprensa económica, por exemplo, por organizações empresariais, em visitas às empresas, ou em "cerimónias" a anunciar investimentos e programas governamentais.

 

Escolho como contraparte sindicalistas, sabendo que não é o exemplo perfeito, nem a comparação ideal. A comparação ideal seria com trabalhadores, torneiros, marceneiros, soldadores, carpinteiros, operários e operárias têxteis, enfermeiros, professores, funcionários públicos, empregadas de limpeza, agricultores, trabalhadores dos serviços municipais, empregados de mesa, etc. Ou seja, a maioria dos portugueses. E a maioria dos portugueses que está do lado errado da crise.

 

Talvez a resposta a esta pergunta, ou seja, que não há comparação entre a "frequência" dos banqueiros e a dos sindicalistas, em extremo desfavor destes últimos, nos elucide sobre as características da actual governação. Anoto já as objecções que não valem muito, a começar pela mais óbvia: a de que a natureza financeira da crise justifica mais a frequência dos banqueiros do que a dos sindicalistas. Porquê? Acaso a natureza social da crise não é pelo menos tão relevante para o governo como a crise financeira? E acaso o primeiro-ministro não faz parte de um partido que se chama "social-democrata", algo que costuma fazer erguer os sobrolhos dos "conservadores", ou seja um partido que formalmente tem ligações com o mundo do trabalho?

 

Claro que me podem vir com o interessante argumento (que é mais marxista do que os seus utilizadores querem admitir) de que o terreno da crise que os banqueiros "representam" é o da infraestrutura, o da "economia" no sentido quase metafísico com a que a palavra é usada, ou o da "realidade", no sentido, umas vezes ontológico e outras normativo, com que é usado. Então aí, a coisa fia mais fino, porque esta redução do poder económico ao controlo da economia e a redução da economia às finanças e às empresas, esquece tudo o que é social, trabalho, rendimentos, condições de vida, qualidade da mão-de-obra, educação, os mil e um factores intangíveis que fazem uma sociedade quando esta é vista do lado da democracia e não de qualquer cesarismo, mesmo que canhestro. 

 

Não estou a dizer que seja pestífero andar com os banqueiros ao lado, à frente ou atrás, quase sempre ao lado. Não é esse o meu ponto. É natural que o Primeiro-ministro frequente banqueiros, já não é natural que se coleccionarmos fotografias de eventos, listas de participantes, encontros sociais e para-sociais, seja muito mais comum ver Passos Coelho com Ricardo Salgado do que com Carlos Silva. Se descontarmos as reuniões mais ou menos obrigatórias da concertação social, então é que um dos mundos está tão próximo como os protões e os neutrões e o outro como a Terra ao buraco negro mais próximo. Ora, insisto, se quisermos, como agora se aconselha, a pensar out of the box, isto não de todo natural. Ou é. A não ser que se entenda que seja normal que o Primeiro-ministro, homem de poder, conviva com os outros homens e mulheres de poder, cuja lista tão bem o Jornal de Negócios tem feito, na sua rede de relações, interesses, cumplicidades, establishment e intermediários, e então a questão é ainda mais delicada: como é possível que em democracia sejam os poderes fácticos, a começar pelo do dinheiro, o terreno "natural" onde se move o poder político, neste caso o Primeiro-ministro?

A questão não está em que os sindicalistas sejam expendables para o Primeiro-ministro. Não são, nem para o governo que procura no institucionalismo e nos interesses estatais dos sindicatos (o nosso sindicalismo depende muito do estado, principalmente a UGT) um factor de moderação e legitimação que sabe que não tem nos seus representados. Por isso os sindicalistas são "precisos", mas apenas de forma utilitária, enquanto os banqueiros são precisos de forma substancial. 

 

O governo não vê de facto os portugueses como iguais: pode entrar em considerações de número (em períodos eleitorais) mas entra muito mais em considerações de dinheiro. Portugueses há muitos e dinheiro há pouco. Poder no dinheiro há muito, nos portugueses nenhum, a não ser para umas publicidades optimistas e pirosas. São escolhas.


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