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terça-feira, 30 de julho de 2013

TRAGÉDIA DE SANTIAGO DE COMPOSTELA: O desmoronar do milagre da alta velocidade.

Depois da China, é a Espanha quem detém o recorde de quilómetros de caminho
de ferro de alta velocidade: o resultado de uma ambição que se tornou
obsessão, alimentada desde há 20 anos por governos tanto de esquerda como de
direita. Hoje, todo um modelo económico é colocado em questão.

Ramón Muñoz
A Espanha pode vangloriar-se de dois recordes mundiais na área económica. A
sua taxa de desemprego juvenil, de 56,4%, e a sua rede de vias-férreas de
alta velocidade, de 3100 quilómetros em serviço. Só a China tem uma
infraestrutura de alta velocidade mais extensa, embora haja que ter em conta
que o seu território é 20 vezes maior e que a sua população é de 1300
milhões de habitantes, 27 vezes mais do que a espanhola. Em quilómetros de
AVE [alta velocidade espanhola] por habitante, nenhum país do mundo se
aproxima sequer do rácio espanhol.

Essa aposta, feita desde a inauguração da primeira linha Madrid-Sevilha, em
1992, deu origem a uma poderosa indústria, que gira em torno dessas
vias-férreas, que fatura quase 5 mil milhões de euros por ano e que exporta
60% da sua produção. De facto, em 2012, em plena recessão, a indústria
ferroviária espanhola foi a segunda que mais viu crescer as exportações.

O TGV espanhol (AVE) passou a ser o melhor embaixador da tão traída e
transcendida Marca España. O recente êxito do chamado AVE do peregrino, de
Medina a Meca, na Arábia Saudita, o maior contrato adjudicado a um consórcio
espanhol (6700 milhões de euros), foi o reconhecimento decisivo dessa imagem
da outra Espanha, que, para além da crise, se quer apresentar ao mundo.

apontando a mira para os macro-projetos internacionais de alta velocidade em
preparação no Brasil, Estados Unidos, Turquia ou Cazaquistão
Governo e empresas deram as mãos, para vender essa imagem de marca
tecnológica genuinamente espanhola apontando a mira para os macro-projetos
internacionais de alta velocidade em preparação no Brasil, Estados Unidos,
Turquia ou Cazaquistão. Mas o acidente do Alvia, na estação de Santiago de
Compostela, pode representar um duro golpe para essa imagem, apesar de nem a
via-férrea nem o comboio possam ser considerados estritamente como alta
velocidade.

Uma arma eleitoral

Talvez tenha sido esse receio que levou as empresas a guardar um silêncio
absoluto em torno do sinistro. Nem mesmo as empresas afetadas disseram uma
palavra para defender os seus produtos. A Talgo, fabricante do comboio
acidentado, e a associação temporária de empresas (Thales,
Dimetronic-Siemens, Cobra e Antalis) que instalou o sistema de sinalização e
de segurança do eixo Ourense-Santiago, optaram pelo mutismo, recusando-se a
prestar esclarecimentos na investigação judicial em curso.

Se as averiguações se prolongarem, esse silêncio pode prejudicar seriamente
a adjudicação de contratos internacionais. Só a projetada via São Paulo-Rio
de janeiro envolve um bolo de 12 mil milhões de euros, que poderá escapar-se
se, devido ao trágico acidente, subsistir a versão de que a alta velocidade
espanhola não é segura. Esse nervosismo apoderou-se das autoridades, ao
ponto de o presidente do Governo da Galiza, Alberto Núñez Feijóo, ter
chegado a sugerir que existem "interesses económicos" de outros países, que
pretenderiam desprestigiar o sistema de segurança, tendo em vista futuros
concursos públicos.

Como explicar de outro modo o facto de José María Aznar e José Luis
Rodríguez Zapatero só terem convergido quanto ao plano de ligar todas as
capitais de província por comboios de alta velocidade
Além disso, o AVE não é apenas uma questão económica. É também uma bandeira
política. Os dois principais partidos –o PP e o PSOE –usaram-na como arma
eleitoral, inclusive dando maior destaque ao AVE do que a domínios mais
transcendentes como a educação e a saúde. Como explicar de outro modo o
facto de José María Aznar e José Luis Rodríguez Zapatero só terem convergido
quanto ao plano de ligar todas as capitais de província por comboios de alta
velocidade? Inclusivamente, o último plano de infraestruturas (PITVI),
atribui ao AVE, até 2024 e no meio da maior recessão da história, 25 mil
milhões de euros –6 mil milhões mais do que a construção de autoestradas.

4512 milhões de euros de investimento

Os fabricantes de material ferroviário espanhóis faturaram 4800 milhões de
euros em 2012, dos quais exportaram 2800 milhões, cerca de 21% mais do que
no ano anterior. Depois da indústria química de produtos orgânicos, foi o
setor cujas vendas no exterior mais cresceram. Ao contrário de outros
setores, que deslocalizaram a sua produção para países onde os salários são
baixos, a indústria ferroviária mantém uma forte presença fabril, dando
emprego a 18 mil trabalhadores.

A Espanha é o país do AVE, a marca comercial da Renfe mas que se transformou
num termo genérico para designar toda a alta velocidade. Um total de 3100
quilómetros em serviço, face a uma rede convencional de 11 mil quilómetros
que serve 60% da população.

Esse investimento sai dos impostos e não foi recuperado através da venda de
bilhetes
O AVE é muito rápido mas custa imenso dinheiro. Desde que o Governo de
Felipe González decidiu apostar no troço Madrid-Sevilha, a alta velocidade
devorou um investimento de 4512 milhões de euros. Esse investimento sai dos
impostos e não foi recuperado através da venda de bilhetes, que, por
conseguinte, estão a ser altamente subvencionados.

Por isso, outros países, como a França, abandonaram os seus projetos de alta
velocidade. Depois de ter recebido o chamado relatório Duron, o Presidente
francês, François Hollande, decidiu apostar nas linhas convencionais,
regionais e de proximidade, em detrimento dos projetos previstos de alta
velocidade (entre os quais o da ligação à Península Ibérica), devido à sua
"reduzida rentabilidade social". O Governo português também renunciou
definitivamente da ligação a Espanha em alta velocidade. Pelo contrário, o
Executivo de Mariano Rajoy, continua a seguir o caminho traçado pelo
anterior, de José Luis Rodríguez Zapatero, ao mesmo tempo que preparava um
plano de encerramento de linhas de longa e média distância não rentáveis
(como se o AVE o fosse).

http://www.presseurop.eu/pt/content/article/4012351-o-desmoronar-do-milagre-
da-alta-velocidade

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