Outras páginas.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Espanha (e nós)

Francisco Seixas da Costa

 

Um exercício que sempre tive por interessante é cruzar testemunhos de personalidades que se combateram politicamente e que, em escritos, se citam mutuamente de forma crítica. Acho graça a este "voyeurisme" político, porque ele nos ensina muito sobre as culturas comportamentais dos agentes públicos de cada país.  

 

Anteontem à noite, ao passar por Barajas, comprei a biografia "definitiva" de Alfonso Guerra, "Una página dificil de arrancar". Guerra foi uma personalidade chave e ultra-polémica no seio dos socialistas espanhóis e, durante nove anos, a segunda figura do governo do país. Simultaneamente, adquiri "Les voy a contar", uma espécie de diário de José Bono, que foi ministro da Defesa e presidente do parlamento. Nas duas horas que passei no aeroporto e na viagem já dei "uma vista de olhos" a ambos os volumes. Por essa leitura, constatei, como já presumia, que Guerra detesta Bono e que Bono arrasa Guerra. De qualquer forma, em matéria de anti-guerrismo, constatei que Bono não chega aos calcanhares do brilhante "assassinato" político que Jorge Semprún lhe faz no seu "Federico Sánchez se despide de ustedes".

 

Tenho alguma pena em não ter vivido, em algum tempo da minha carreira, em Madrid. Uma vez, tive essa oportunidade e, por razões que não vêm para o caso, desperdicei-a. Digo isto porque a história política do nosso vizinho, em particular no século XX, sempre me fascinou e teria um grande gosto em aprofundar o que dela sei. A guerra civil, a subsequente barbárie franquista, a lucidez desenvolvimentista dos anos 60, a sabedoria da transição para a democracia e a luta democrática contra o terrorismo são tempos sobre os quais mantenho uma incessante curiosidade. Acresce que, em todo esse cenário, a história das esquerdas e das direitas espanholas é de uma impressionante riqueza.

 

Nesta noite em que procurei evitar as televisões, para não me aborrecer, refugio-me agora nestas leituras sobre a vida política da Espanha nos anos 90. E por ela confirmo que as lutas, por lá, tal como as touradas, são de morte. Por cá, já só há novilhadas, os grandes "diestros" foram substituídos por bandarilheiros, com alguns peões de brega à ilharga. Até as pegas (leia-se, claro, "pégas") já se não fazem de caras, dando praça e citando corajosamente de longe, aguentando depois os derrotes até chegarem as ajudas. Agora, elas fazem-se, e cada vez mais, apenas de cernelha. Com tudo isto, começo a ficar convencido de que o "inteligente" da corrida, a quem, na lide espanhola, se dá o nome de "presidente", deveria mandar entrar as chocas, tocar para recolha aos curros e preparar, logo que possível, a "sorte" seguinte.


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