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terça-feira, 4 de junho de 2013

Polónia

Francisco Seixas da Costa

Por razões que seria fastidioso explicar, mas que se prendem essencialmente com a leitura que faço dos equilíbrios desejáveis no seio da União europeia e da Europa - que são coisas um pouco distintas - fui sempre um apologista da entrada da Polónia nas instituições comunitárias. Aculturei essa perceção com António Guterres, cuja determinação europeísta cedo soube marcar o rumo oficial português perante o processo de alargamento.

 

Cheguei algumas horas a Varsóvia, para encontros profissionais, no quadro da minha nova vida de "ex-aposentado" - para recuperar a feliz designação que me foi atribuída por um comentador deste blogue. Já aqui não vinha há uma década. Entre 1995 e 2003, visitei várias vezes a Polónia, sempre em trabalho, acompanhando António Guterres e o presidente Jorge Sampaio, mas igualmente para proferir conferências (duas vezes no magnífico Instituto europeu de Natolin, outra a convite de antigo MNE Bronislaw Geremek, para falar a jovens polacos, no âmbito da Fundação Jean Monnet, a que presidia) ou a chefiar missões bilaterais. Também no âmbito da OSCE me desloquei a Varsóvia, ido de Viena. (O meu amigo e ex-jornalista do "Expresso" Luís Tibério espalhava aos quatro ventos que, durante anos, quando me tentava telefonar, eu estava sempre na Polónia....). Tive e tenho excelentes amigos polacos, na política como na diplomacia, todos tributários de uma cultura marcada por tempos muito difíceis, exigentes e frequentemente bem trágicos. E por uma magnífica capacidade de saber "dar a volta por cima" às coisas.

 

De cada vez que volto à Polónia fico surpreendido com a vitalidade deste país, com o seu crescimento, com a sua vontade de se afirmar como um poder sólido no contexto europeu. Conheço as linhas dominantes do pensamento estratégico que por aqui se cultiva, as preocupações com a evolução recente da Rússia, mas, igualmente, o cuidado posto no processo político que se desenvolve em dois vizinhos complexos: a Ucrânia e a Bielorrússia. E, naturalmente, é sempre importante acompanhar o sentido do diálogo entre Varsóvia e Berlim, bem como os vários capítulos da particular relação da Polónia com os Estados Unidos, agora que a França passou a contar menos na sua política de alianças. Um país não escolhe os seus vizinhos, pelo que há que perceber que, muitas das vezes, a sua liberdade para selecionar os seus amigos está ligada aos imperativos ditados por essa mesma vizinhança. E a Polónia contemporânea sabe bem perante quem tem uma dívida de gratidão, seja na ajuda à sua libertação da tutela soviética, seja, mais tarde, na sua integração europeia, com a liberdade e o progresso que daí lhe adveio.

 

Há semanas, num debate em Lisboa comemorativo do dia da Europa, contei uma história que me foi relatada, um dia, por um amigo polaco, nascido em Varsóvia, no final da guerra. A capital polaca era então uma montanha de escombros. Esse meu amigo cresceu nesse ambiente, que estava, no tocante a Berlim, muito bem retratado no impressionante filme de Rosselini cuja projeção tinha antecedido as nossas intervenções (de Viriato Soromenho Marques, de José António Pinto Ribeiro e de mim próprio, para além de representantes das embaixadas francesa e alemã em Portugal). Um dia, os pais desse meu amigo, então com cinco ou seis anos, levaram-no a Cracóvia. Era e é uma belíssima cidade, felizmente poupada pelas destruições da guerra, que fica próxima do campo de concentração de Auschwitz. Para esse amigo, então muito jovem, a surpresa foi imensa: no seu imaginário de criança, habituado à "paisagem" de Varsóvia, todas as cidades eram ruínas. Ora, afinal, havia cidades onde as casas estavam de pé, onde a guerra não parecia ter passado. 

 

Na minha intervenção no debate, procurei explicar que nós, em Portugal, durante a segunda guerra mundial, vivíamos como que "em Cracóvia", pelo que nunca poderemos entender verdadeiramente a Europa se não soubermos estar à altura das preocupações de quantos experimentaram um mundo bem mais dramático, feito de guerra, de morte, de ocupação, seguido de um totalitarismo violento, reciclado por ondas repressivas, que se prolongou por décadas. Não é, assim, de estranhar que esse países valorizem o desenvolvimento que entretanto obtiveram, à custa de imensos sacrifícios e renúncias. E que tudo isso molde a sua idiosincrasia nacional.

 

Nota: as belas casas que se vêm na imagem, na clássica praça Rynek, são reproduções feitas com base em documentos e desenhos anteriores à segunda Guerra mundial, um trabalho que só ficou concluído em 1962. Depois do conflito, a praça era apenas um amontoado de pedras e ruínas. 


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