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quinta-feira, 11 de abril de 2013

Cutelarias

Francisco Seixas da Costa

 

Era um homem bastante calado aquele ministro. O jovem diplomata, que o acompanhava no carro, no caminho noturno entre o aeroporto de Barajas e a nossa embaixada em Madrid, quase não conseguia arrancar uma palavra ao governante, que teimava em olhar insistentemente pelo vidro da viatura, naqueles subúrbios da capital espanhola, nesses anos 60 em que o caminho se fazia por uma estrada ladeada de casas comerciais.

 

O mutismo do ministro suspendeu-se, porém, a certo ponto, ao inquirir o diplomata: "você tem alguma noção da importância da cutelaria na produção industrial da Espanha?".

 

O rapaz caiu das nuvens. Cutelaria? Que raio de pergunta! Fazia lá ele ideia da produção de cutelaria em Espanha! E ainda muito menos do valor relativo dessa atividade na indústria! Que chatice! Se calhar, o ministro ia ficar com má impressão dele. Mas a verdade é que aquele era um assunto que desconhecia, por completo. E, embora algo constrangido, decidiu assumir essa sua falha: "Devo confessar, senhor ministro, que não tenho presente o peso da indústria da cutelaria no cômputo geral da economia espanhola".

 

O ministro não pareceu surpreendido, nem mesmo especialmente preocupado. Apenas comentou: "Não tem importância. Apenas tenho vindo a notar a quantidade de anúncios a talheres, que se vêm por todo o lado. Olhe! por exemplo, ali!" E apontou para um reclame luminoso onde se lia "Taller".

 

No banco da frente, o motorista, português, deu uma gargalhada surda. Nessa mesma manhã, tinha ido a um "taller", a oficina onde sempre ia mudar o óleo.

 

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