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sexta-feira, 8 de março de 2013

Labirinto

Nunca tinha tido um contacto com aquele assunto. Mas, perante a instrução que me era dada, em face da ausência do colega que normalmente tratava da questão, não tive qualquer reticência em receber aquele empresário português que nos pretendia transmitir o resultado de uma sua deslocação a um determinado país de expressão portuguesa, onde a situação político-militar era muito confusa. Ao que me haviam dito, tratava-se de uma pessoa com muito bons contactos e que nos poderia ajudar a contribuir, de forma positiva, para a estabilização e para o diálogo interno, por forma a superar os dissídios fratricidas em curso.
 
O nome do empresário era-me familiar. Tratava-se de um homem já de uma certa idade, muito simpático, profundamente religioso, claramente sem "agendas escondidas", que apenas pretendia ser útil a um país de que gostava muito. A sua ligação à rede da igreja e a muitos responsáveis políticos e económicos tornavam-no precioso, tanto mais que, na recente viagem que agora nos ia reportar, uma das muitas que profissionalmente fazia ao território, tivera novos e muito interessantes contactos.
 
Começou por me agradecer a minho a disponibilidade e relatou:
 
- Como sabe, tenho muito bons amigos locais. No Norte, falei com o bispo, que me deu conta da tensão que se adensa. O vosso Ministério já sabe, bem melhor do que eu, o que aconteceu por lá no passado. Algumas coisas não vieram a público, e ainda bem!, mas vocês conhecem-nas bem. O governador, como já antes disse a um seu colega, é um homem inábil e conflitual. Aquelas confusões em setembro eram perfeitamente escusadas, mas o homem, que, como sabe, tem aquele irmão mais velho nos negócios (eu não sei se o tipo de Vila do Conde ainda é sócio dele) e aquela prima que anda aí por Lisboa (casada com o "grandalhão" dos portos), teima em criar dificuldades. Eu, numa reunião passada com o seu colega, já deixei claro que as coisas têm tudo a ver com o trafico daquilo que sabemos. E o homem da Marinha, como vocês suspeitavam, está "enterrado" até à cabeça na tramóia. Nesta viagem, um amigo ligado a empresa do homem disse-me que o presidente da República estava furioso com o assunto. E até o nosso amigo brigadeiro, que você aqui receberam há meses, foi da mesma opinião.
 
A conversa prosseguiu, sempre neste tom. As informações jorravam... mas eu não sabia de quem é que ele estava a falar. Não surgia no relato um único nome, seguramente por uma delicada "precaução" de segurança. No que me tocava, havia cometido um erro de palmo. Deixara passar largos minutos sem inquirir de quem é que ele estava a falar. E, a certo ponto, já era tarde para inquirir "o bispo é de onde?", "quem é o general?", o "irmão nos negócios é quem?". Eu cometera o lapso de pensar que, com o decurso da conversa, acabaria por apanhar o fio à meada e "agarrar" a história. Mas era tarde! O meu embaraço era total. Não perante o homem, que prosseguia, sem cessar, as referência "àquela empresa portuguesa que o governo português bem tem apoiado", ou "aos nossos interlocutores habituais mais lá em baixo" ou mesmo "aos bons amigos que o senhor ministro, como sabe, tem por lá". E foi assim, até ao fim.
 
No termo do encontro, agradeci todas as "utilíssimas" informações que nos tinha passado e quase tive vontade de me rir, às gargalhadas, de mim mesmo. Que iria eu dizer a quem me encarregara da tarefa? Já não me recordo muito bem do que aconteceu. Apenas registei que falei com o meu colega que habitualmente tratava da questão, a quem relatei o sucedido. Muito nos rimos. Estou certo que, nos dias que correm, estando ele como embaixador português junto da OCDE, já não se confronta com situações tão crípticas.

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