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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Os novos constituintes


Pelo andar da carruagem, este vai ser o ano dos constitucionalistas.

Desde logo, a tarefa que o Tribunal Constitucional vai ter em torno do Orçamento Geral do Estado para 2013 arrasta, talvez mais do que no ano anterior, este órgão de soberania para uma exposição de alto risco, quiçá agravando, no seu seio, as clivagens políticas e ideológicas que sempre foram uma sua evidente fragilidade, mas à qual, a espaços, conseguiu furtar-se. Deixo uma nota de admiração ao professor Moura Ramos (a quem endereço também um abraço amigo de grande respeito pela sua integridade), a quem o país ficará sempre a dever uma constante e equilibrada defesa do Tribunal, bem como da coerência global da sua jurisprudência. E formulo a esperança de que os integrantes do tribunal, honrando o Direito, coloquem este à frente das suas ideologias, sejam elas quais forem.

Ainda quanto aos constitucionalistas, sinto que 2013 - embora gostasse de estar enganado - vai agravar a progressiva divergência doutrinária que, em tempos recentes, começou a ser patente entre as suas grandes figuras nacionais: Joaquim Gomes Canotilho, Jorge Miranda e Vital Moreira. Não incluo aqui, por uma questão mínima de razoabilidade, por jogarem "noutro campeonato", todos os restantes esforçados cultores do setor, parte deles vivendo de sua exposição mediática, outros do seu papel de eminências pardas, onde cuidam em "branquear" moralmente as coisas, distorcendo-as à luz do seu persistente enviezamento ideológico. A Constituição é um documento político, mas o agravamento da conflitualidade em torno da sua leitura constitui um elemento fragilizante para a nossa democracia.

Mas o grande "momento constitucional" português de 2013 vai ser, com toda a certeza, o debate em torno do trabalho desses "novos constituintes", desta vez em criativo e inédito modelo de "outsourcing", que é o documento produzido pelo FMI, com propostas sobre as funções futuras do Estado em Portugal.

O memorando assinado com a "troika", em 2011, já roçara, ao de leve, algumas temáticas de natureza para-constitucional e outras, como se viu, claramente dessa ordem. Porém, o facto das suas opções originais terem sido subscritas por cerca de 90 % das forças políticas representadas no parlamento, como recordou há dias o chefe do Estado, acabou por conferir às dimensões para-constitucionais afetadas uma quase consensualização, por parte do "arco" possível da governação. Para que não haja dúvidas: está aqui apenas em causa a estrita letra daquilo que foi assinado à época, sendo que o que foi implementado para além disso tem a legitimidade política resultante da vontade da maioria saída das eleições legislativas de junho de 2011, confortada pelo indiscutível voto de então, o qual, em devido tempo, será confirmado ou infirmado pelo povo, como mandam as boas regras da democracia que nos rege.

O FMI, com este seu trabalho técnico, introduz um curioso (sinto, por ora, dever conter-me nos adjetivos) modelo de aconselhamento, que é sintomático do grau de exercício de soberania política em que Portugal se encontra no plano internacional (imagino um texto destes sobre o NHS britânico, sobre a "fonction publique" francesa ou mesmo sobre as responsabilidades autonómicas espanholas em matéria de políticas públicas). Por muito que se procure edulcorar, sob a capa da racionalidade teórica, a bondade intrínseca deste documento (cujas 70 e tal páginas li, esta noite, com o sentimento estranho de estar a refletir sobre um outro país) é importante que fique claro que ele que não é filho de pai incógnito, mas óbvio produto de uma discreta "partouze" teórica multinacional, feita à luz de uma matriz de extremado liberalismo, a que a escola de Chicago deu em tempos o tom e, num registo limite, Santiago do Chile serviu, também em tempos, de "Guinea pig" (não sei porquê, o termo inglês para "cobaia" tem mais força aqui). É isto que eu penso e, por isso, é isto que escrevo, doa a quem doer e desgoste a quem desgostar.

Este texto do FMI tem a "virtualidade" política de, à partida, não dever suscitar as reaçoes populares de 15 de setembro. Porquê? Porque ao assestar as baterias legais e administrativas exclusivamente sobre o setor público, tido pelo "mau da fita", pelo culpado do défice, recria a linha divisória com o setor privado, que assim se crê "poupado". Um dia, porém, quando este começar a perceber aquilo que o Estado lhe faculta, em matéria da qualidade de prestações de serviços, em retribuição dos pesados encargos fiscais que suporta, acabará por dar-se conta de que ele próprio será a primeira vítima da política de quantos defendem a tese de "menos Estado, melhor Estado" e o que sobrar que esteja ao serviço dos interesses que quem manda. Mas, nessa altura, já será tarde.

Por essa razão, o surgimento do texto do FMI tem, neste contexto, uma superior vantagem: vai separar as águas, vai "call the bluff", de forma definitiva, de todos os atores políticos, que serão chamados a assumir as suas responsabilidades perante. Todos, sem exceção. "Les jeux sont faits, monsieurs!" Já não era sem tempo.

Nota: este blogue muda hoje de subtítulo.

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