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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

João Fatela


precisamente 40 anos, no início de 1973, vim a Paris "ver eleições". Estava prestes a entrar no serviço militar, "meti" duas semanas de férias no emprego que então tinha e, com um familiar, assisti ao vivo e a cores a um exercício da vida democrática, que entre nós era ainda uma miragem. Um amigo comum, o António José Massano, deu-nos o contacto do João Fatela, um português que havia saído clandestinamente de Portugal e que aqui trabalhava duramente, para pagar os seus estudos noturnos na universidade. Não obstante a sua extrema ocupação, o João foi de grande simpatia para conosco e apresentou-nos outras pessoas, que ajudaram a tornar mais interessante essa nossa estada. Grandes noitadas de discussão se fizeram então!

Desde essa data, perdi o João de vista. Nas várias vezes em que vim a Paris, nunca ocorreu encontrá-lo. Vim entretanto a saber que tinha feito uma brilhante carreira na área da psicologia. Quando para aqui vim viver, em 2009, retomámos o contacto. Por seu intermédio, vim a conhecer a equipa que dirige a prestigiada "L'Esprit", uma publicação que tem um lugar central na história da intelectualidade francesa. Com o Guilherme Oliveira Martins e com o João Fatela, está em curso a preparação de um número especial da "L'Esprit" sobre Portugal, tema que já foi objeto de um encontro de trabalho na embaixada.

O João Fatela reformou-se, há dias (sabes?, João, acontece aos melhores!), das funções que desempenhava na associação "Parcours", uma iniciativa de que foi o grande obreiro. uma inovadora experiência de apoio a jovens com problemas, que dirigiu por mais de um quarto de século. O João é um homem discreto e duvido que aprecie que este meu blogue o saliente desta forma. Mas eu acho que ele merece que aqui se reproduza o perfil da "Parcours", a associação que ele fundou, e que um seu amigo publicou sob o irónico e sugestivo título "Obrigado, Marcelo Caetano", na sequência uma homenagem que lhe foi prestada.

"Como passar da estigmatização dos jovens marginais e toxicodependentes para uma prática de apoio psico-social-educativo, em que a dimensão da escuta psicológica personalizada significa que o jovem com dificuldades é colocado no centro de uma caminhada (parcours) de inserção social e profissional? Esta démarche inovadora e visionária considera a pessoa como ator e motor do seu próprio percurso, tendo em conta o aspecto global e não apenas os sintomas. A inserção do jovem é pensada como um percurso que deverá basear-se na compreensão de si próprio e na procura da inserção socioprofissional, a fim de adquirir uma larga autonomia. Os diferentes profissionais da associação facilitam, assim, ao jovem uma escuta personalizada, com encontros regulares destinados a ouvir as dificuldades e os sofrimentos com os quais se defronta, resolver as angústias e traumatismos e ajudar a canalizar as roturas. Na associação existem diversos ateliers, tais como, fotografia, ginástica, carpintaria, informática, etc. O objetivo destes cursos não é propriamente obter uma formação profissional, mas antes dar ao jovem a possibilidade de poder fazer um trabalho de estima de si próprio e de valorização das suas capacidades muitas vezes ignoradas ou incompreendidas. Terminada esta fase, a associação ajuda e orienta o jovem na inserção profissional, através da obtenção de estágios nas empresas que, com conhecimento de causa, lhes concedem um trabalho remunerado, dando-lhes assim uma chance para poderem voar para outros céus. Desta maneira, o jovem descobre o valor terapêutico através do seu próprio percurso de inserção, faz a experiência de sair da espiral dos repetidos insucessos e, pouco a pouco, adquire autonomia".

Na "Parcours" o João deixou parte da sua vida e honrou, com essa obra, o seu nome e, por essa via, o nome de Portugal. Esta é a homenagem que, também como embaixador, presto ao João Fatela, o meu mais antigo amigo em Paris.

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