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segunda-feira, 9 de abril de 2012

O atracão


 
Os diplomatas em postos distantes acabam por tornar-se, por vezes, figuras algo solitárias. Trocam impressões com os colaboradores, mas o afastamento da capital faz-lhes, frequentemente, perder algum contacto diário com a "casa".

Alguns tentam compensar essa distância com o cultivo de redes pessoais de contacto telefónico, agora que o Skipe e uma rede interna gratuita tornou tudo mais fácil. Mas, apesar disso, um posto no estrangeiro longínquo acaba por ser uma espécie de satélite da "secretaria de Estado" - o nome que damos à "sede", ao MNE em Lisboa.

Os postos têm quase sempre dificuldades, problemas logísticos a resolver e, muitas vezes, o envio de comunicações ou a reiteração de chamadas telefónicas, para amigos e chefias, não são suficientes para ultrapassar essas dificuldades. A capital vive assoberbada de pedidos de ordem material ou em matéria de recursos humanos que, cumulativamente, representam muito mais do que aquilo que pode dar.

Quando os embaixadores ou os cônsules percebem que as coisas chegaram a um ponto em que não conseguem ter resposta satisfatória de Lisboa, recorrem ao clássico método: o "atracão", o aproveitamento de episódicos contactos com o ministro ou com os secretários de Estado, de passagem pelos locais onde estão colocados. O aeroporto ou os carros são, em geral, os cenários deste tipo de abordagens, detestadas por todos os membros do Governo, as mais das vezes cansados da viagem ou preocupados com a reunião que vem a seguir.

A tática é vetusta. O governante, por simpatia, pergunta ao embaixador: "Então como é que vai por cá?". Está aberta a porta. Com maior ou menor subtileza o nosso homem avança: "Sabe, é muito difícil trabalhar com pouco pessoal. Estou à espera de um secretário há meses. O secretário-geral já mo prometeu, mas nada! Se pudesse dar um jeito, ficava-lhe gratíssimo".

O segundo nível é mais móvel, é o carro. Um ranger de motor ou um qualquer percalço, dá logo aso a um pedido: "Peço-lhe desculpa pelo estado desta viatura, mas ando há meses a insistir com Lisboa. Este carro está no limite. Espero mesmo que não nos deixe ficar mal. Acha que o seu gabinete poderia dar uma palavra ao 4º andar sobre isto?", sendo o "4º andar" a área administrativa do MNE.

Finalmente, o mais clássico: a casa. Um "tour du propriétaire" por zonas degradadas da residência é um "must" clássico para tentar convencer os governantes da necessidade (muitas vezes bem verdadeira) de se fazerem obras, de se comparem uns sofás ou de se proceder uma mudança: "Julgo que já se deu conta que esta casa não está em condições de receber ninguém. Estes sofás estão velhos e continuo sem ter resposta aos pedidos que fiz para pinturas e para o telhado. Quer ver o telhado?". O governante não quer, claro. O que quer é deixar de ouvir as lamúrias. Os mais ousados são frontais e invocam o orgulho nacional: "Estou cansado de dizer a Lisboa que esta casa não está à altura da imagem de Portugal neste país. Eu olho para os meus colegas europeus! Temos de mudar. E olhe que temos perdido óptimas oportunidades, mas dizem-me que as Finanças se opõem. Não poderia dar-me uma ajuda?".

Os ministros e secretários de Estado muitas das vezes até devem reconhecer que os diplomatas têm imensa razão, que as coisas são difíceis, que a casa ou ou carro ou os móveis não estão em condições. Só que as coisas são o que são, os orçamentos diminuem, "as Finanças" são impiedosas. E, as mais das vezes, nessas visitas às capitais, têm a cabeça noutro lado, estão preocupados com outras coisas, não têm tempo nem paciência para o exercício de "micromanagement" que os diplomatas esperam.

Não é fácil, a vida no MNE. Para todos!

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