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sexta-feira, 18 de março de 2011

Telefonema

Foi há mais de três décadas. Eu estava sozinho na minha sala de trabalho, no MNE. Os restantes colegas já haviam saído para o almoço.

O telefone tocou. A voz masculina era de alguém jovem. O tom era algo agreste, sem vontade de expressar um mínimo de cortesia. O pedido feito era relativamente simples de satisfazer: fornecer o número de telefone de casa de um determinado embaixador português, no estrangeiro.

Estranhei o facto de a pessoa ter ligado exatamente para o serviço onde eu estava colocado, embora nós nos ocupássemos das relações económicas com a área regional onde a embaixada se situava. As telefonistas ou o serviço de pessoal do MNE seriam as entidades mais indicadas para dar a informação. Referi isso ao meu interlocutor, até porque não estava a apreciar a forma pouco delicada como ele se me dirigia e, também porque, por várias razões, os números de telefone das residências dos embaixadores não são públicos e não devem ser dados, indiscriminadamente, a toda a gente.

- Sou filho do embaixador. Ou você me quer dar o número do telefone ou não quer!

Voltei a não apreciar o tom mas, até porque conhecia o pai, homem amável e muito cordial, fui procurar o número. Ditei-o, o filho do embaixador repetiu-o e desligou o telefone, sem agradecer. Imagino que terei ficado furioso, mas logo esqueci o assunto.

No dia seguinte, ia a sair do ministério, encontrei uns colegas à conversa, no pátio:

- Já sabes do filho do embaixador "fulano"? Suicidou-se, ontem.

- A que horas? - perguntei, para legítimo espanto de todos, intrigados com a minha especiosa curiosidade.

- Parece que foi ao fim da manhã.

Desde esse dia, procuro recordar a voz desse rapaz, que vivia sozinho em Portugal. Devo ter sido das últimas pessoas com quem ele falou. Terá chegado a contactar o pai? Nunca tive coragem de lhe perguntar e agora é tarde. porque também já desapareceu, aliás de uma forma com o seu quê de trágico.

A condição diplomática introduz, às vezes, fortes tensões nas pessoas e nas famílias, fruto das inevitáveis separações a que obriga, dos isolamentos que provoca e dos desequilíbrios que potencia.

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