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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Emprego

 
Julgo que o nome era Silva. António Pedro de Vasconcelos contou-nos, há dias, em Paris, que ele era o funcionário que tinha por missão, nos tempos que antecediam o 25 de Abril, transportar entre o jornal "O Século" e os serviços da Censura (que o marcelismo crismou de "exame prévio") as provas tipográficas que eram submetidas à vistoria, antes da impressão das publicações. Era um vaivém diário constante, da rua do Século à rua da Misericórdia, até se obter a autorização final que permitisse dar ordem de preparação das edições.
A.P. de Vasconcelos dirigia então o "Cinéfilo", uma revista do grupo controlado pelo jornal - onde figuravam algumas outras, como "O Século Ilustrado" ou a "Modas & Bordados". Sem exceção, tudo tinha de ir à censura, pela mão diligente do Silva, uma figura simpática, que já fazia parte da rotina da casa, bem conhecido de todos os jornalistas.
No dia 25 de Abril de 1974, a manhã estava, como se compreenderá, a ser muito confusa. Marcello Caetano ainda não se tinha rendido, o Carmo ainda não fora ocupado por Salgueiro Maia, a sorte da Revolução estava ainda longe de definida. Soube-se, porém, que o diário "República", muito próximo dos meios democráticos, tinha decidido arriscar e fizera já uma edição especial, sem se sujeitar ao controlo da censura. A vontade dos jornalistas de "O Século" e restantes publicações era, naturalmente, idêntica.
Entretanto, imbuído da rotina profissional, chega o Silva, para recolher as provas da edição seguinte do "Cinéfilo". A.P. de Vasconcelos diz-lhe que não tenciona mandar as provas do "Cinéfilo" para visto prévio. O Silva insiste, sem sucesso, e fica por ali, sem rumo certo, não podendo levar a cabo a sua tarefa habitual. Com as horas a passar, com o adensar das notícias de que o regime se estava a esboroar, parte do pessoal do jornal sai para a rua. A.P. de Vasconcelos convida então o perturbado Silva a acompanhá-lo à zona próxima da rua da Misericórdia, onde se sabia ser grande a movimentação popular, bem perto do quartel onde Marcelo Caetano se refugiara. Por ironia, era também nessa artéria que, num singular contraste, se situavam as instalações do "República" e as da da censura, cada uma do seu lado da rua.
Aí chegados, o ambiente não enganava: a democracia estava na rua, o edifício da censura estava já como que isolado. A.P. de Vasconcelos, que comungava a alegria comum aos milhares de pessoas que enchiam a zona, nota que a cara do Silva era tudo menos felicidade. Seria saudosismo pela queda do regime? A interrogação não durou muito. O pobre do Silva pergunta-lhe, angustiado: "Ó senhor Vasconcelos, e agora o que é que eu vou fazer?"
O 25 de Abril não foram só alegrias.

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