Outras páginas.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Artigos de Opinião | 2010-04-06: A lei 2105

"A Lei 2105
Acabemos de vez com este desbragamento, este verdadeiro insulto à dignidade de quem trabalha para conseguir atingir a meta de pagar as contas no fim do mês.
Corria o ano de 1960 quando foi publicada no "Diário do Governo" de 6 de Junho a Lei 2105, com a assinatura de Américo Tomaz, Presidente da República, e do Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar.
Conforme nos descreve Pedro Jorge de Castro no seu livro "Salazar e os milionários", publicado pela Quetzal em 2009, essa lei destinou-se a disciplinar e moralizar as remunerações recebidas pelos gestores do Estado, fosse em que tipo de estabelecimentos fosse. Eram abrangidos os organismos estatais, as empresas concessionárias de serviços públicos onde o Estado tivesse participação accionista, ou ainda aquelas que usufruíssem de financiamentos públicos ou "que explorassem actividades em regime de exclusivo". Não escapava nada onde houvesse investimento do dinheiro dos contribuintes.
E que dizia, em resumo, a Lei 2105?

Dizia que ninguém que ocupasse esses lugares de responsabilidade pública podia ganhar mais do que um Ministro.

Claro que muitos empresários andaram logo a espiolhar as falhas e os buraquinhos por onde a 2105 pudesse ser torneada, o que terão de certo modo conseguido devido à redacção do diploma, que permitia aos administradores, segundo transcreve o autor do livro, "receber ainda importâncias até ao limite estabelecido, se aos empregados e trabalhadores da empresa for atribuída participação nos lucros".

A publicação desta lei altamente moralizadora ocorreu no Estado Novo de Salazar, vai dentro de 2 meses fazer 50 anos.

Catorze anos depois desta lei "fascista", em 13 de Setembro de 1974 (e seguindo sempre o que nos explica o livro de Pedro Castro), o Governo de Vasco Gonçalves, recém-saído do 25 de Abril, pegou na ambiguidade da Lei 2105 e, através do Decreto Lei 446/74, limitou os vencimentos dos gestores públicos e semi-públicos ao salário máximo de 1,5 vezes o vencimento de um Secretário de Estado.

Vendo bem, Vasco Gonçalves, Silva Lopes e Rui Vilar, quando assinaram o 446/74, passaram simplesmente os vencimentos dos gestores do Estado do dobro do que ganhava um Ministro para uma vez e meia do que ganhava um Secretário de Estado.

O Decreto-Lei justificava a correcção pelo facto da redacção pouco precisa da 2105 permitir "interpretações abusivas" permitindo "elevados vencimentos e não menos excessivas pensões de reforma".

Ao lermos esta legislação hoje, dá a impressão que se mudou, não de país, mas de planeta, porque isto era no tempo do "fascismo" (Lei 2105) ou do "comunismo" (Dec. Lei 446/74). Agora, é tudo muito melhor, sobretudo para os reis da fartazana que são os gestores do Estado dos nossos dias.

Não admira, porque mudando-se os tempos, mudam-se as vontades, e onde o sector do Estado pesava 17% do PIB no auge da guerra colonial, com todas as suas brutais despesas, pesa agora 50%. E, como todos sabemos, é preciso gente muito competente e soberanamente bem paga para gerir os nossos dinheirinhos.

Tão bem paga é essa gente que o homem que preside aos destinos da TAP, Fernando Pinto, que é o campeão dos salários de empresas públicas em Portugal (se fosse no Brasil, de onde veio, o problema não era nosso) ganha a monstruosidade de 420000 euros por mês, um "pouco" mais que Henrique Granadeiro, o presidente da PT, o qual aufere a módica quantia de 365000 mensais.

Aliás, estes dois são apenas o topo de uma imensa corte de gente que come e dorme à sombra do orçamento e do sacrifício dos contribuintes, como se pode ver pela lista divulgada recentemente por um jornal semanário, onde vêm nomes sonantes da nossa praça, dignos representantes do despautério e da pouca vergonha a que chegou a vida pública portuguesa.

Assim - e seguindo sempre a linha do que foi publicado - conhecem-se 14 gestores públicos que ganham mais de 100000 euros por mês, dos quais 10 vencem mais de 200000.

O ex-governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, o mesmo que estima à centésima o valor do défice português, embora nunca tenha acertado no seu valor real, ganhava 250000 euros/mês, antes de ir para o exílio dourado de Vice-Presidente do Banco Central Europeu. Não averiguei quanto irá vencer pela Europa, mas quase aposto que não será tanto como ganhava aqui na santa terra lusitana.

Entretanto, para poupar uns 400 milhões nas deficitárias contas do Estado, o governo não hesita em cortar benefícios fiscais a pessoas que ganham por mês um centésimo, ou mesmo 200 e 300 vezes menos que os homens (porque, curiosamente, são todos homens...) da lista dourada que o "Sol" deu à luz há pouco tempo.

Curioso é também comparar este valores salariais com os que vemos pagar a personalidades mundiais como o Presidente e o Vice-Presidente dos EUA, os Presidentes da França, da Rússia, e... de Portugal.

Acabemos de vez com este desbragamento, este verdadeiro insulto à dignidade de quem trabalha para conseguir atingir a meta de pagar as contas no fim do mês. Não é preciso muito, nem sequer é preciso ir tão longe como o DL 446 de Vasco Gonçalves, Silva Lopes e Rui Vilar: basta ressuscitar a velhinha, mas pelos vistos revolucionária Lei 2105, assinada há 50 anos por Oliveira Salazar.

Que tristeza! 

Como já disse há algum tempo, concordo com os políticos que dizem que as empresas portuguesas são pouco competitivas e, por isso há que melhorar a sua produtividade. Agora acho é que a verdadeira razão para isso é outra da que tem sido apontada. Felizmente, a situação começa a mudar e já há pessoas que vêem a verdadeira origem do problema.

 

De modo simplista, para ver a produtividade do trabalho de uma empresa, pega-se no produto total da empresa e divide-se pelo "bolo total" dos gastos com o pessoal (salários, prémios e descontos, etc.) e daí se calcula a produtividade do factor trabalho.

 

O problema é que em alguns dos casos, os gastos com os administradores, chegam a representar 50% de toda a massa salarial da empresa. Um Administrador que ganhe 250.000 euros por mês equivale ao salário de 250 empregados médios que ganhem somente 1.000 Euros por mês. Quanto mais administradores tiver a empresa… pior será.

 

Facilmente se conclui que os trabalhadores portugueses são muito produtivos, pois com baixos salários conseguem manter as empresas em elaboração e, em alguns casos, gerar riqueza suficiente para pagar salários milionários aos respectivos administradores.    

 

Por isso é que a produtividade dos trabalhadores portugueses sempre foi elogiada e, pelo contrário os gestores e administradores portugueses já começam a ser conhecidos como os menos produtivos da Europa.

 

Há uns anos atrás o sr. Ministro das Finanças justificava tais salários dizendo que era "a lei do mercado que os ditava". Assim sendo, dá vontade de me tornar liberal e "implorar" ao mercado que leve tais mamões daqui para fora. Se são assim tão bons, certamente que não terão dificuldades para encontrar trabalho em empresas congéneres europeias ou americanas, sem necessitarem de "cunhas" e nomeações para entrar para cargos públicos da União Europeia.

 

Se tais gestores fossem de facto para o estrangeiro, aliviaríamos as nossas empresas de gastos supérfluos e, simultaneamente, oneraríamos as empresas estrangeiras nossas concorrentes, facilitando assim a vida das empresas portuguesas num mercado tão competitivo como o europeu. "

Sem comentários:

Enviar um comentário