O Governo ainda não admite que Portugal vai necessitar de duas redes ferroviárias: a existente e a nova de bitola europeia de mercadorias e passageiros, mas com pontos comuns, como sejam, os portos, plataformas logísticas e estações de passageiros. Rui Rodrigues- Email: rrodrigues.5@netcabo.pt
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No passado dia 21 de Dezembro de 2009, o Ministro das Obras Públicas, António Mendonça, e o Secretário de Estado dos Transportes, Carlos Correia da Fonseca, foram ouvidos pelos deputados da Comissão de Transportes sobre vários assuntos ligados a este sector. Um dos temas abordados foi o da nova rede ferroviária de bitola (distância entre carris) europeia.
O secretário de Estado dos Transportes garantiu que a migração da bitola ibérica para a bitola europeia "será feita à medida que Espanha a for fazendo também". Foi dito que Espanha levará 25 a 30 anos para fazer esta mudança. Esta afirmação leva a pensar que, para ser possível efectuar o transporte de mercadorias, em bitola europeia, do nosso território e portos para a União Europeia (UE) ainda teremos que esperar 25 a 30 anos. Este pressuposto, como iremos verificar mais adiante, não está correcto, devido ao erro estratégico que o Governo está a cometer ao projectar novas vias de bitola europeia, só para passageiros, e insistir que o transporte de mercadorias, de e para a UE, seja efectuado em bitola ibérica.
No mesmo dia da semana passada, no Parlamento, foi dito pelo Ministro António Mendonça que, em Fevereiro de 2010, haverá uma reunião com responsáveis espanhóis para "debater o problema da mudança de bitola de forma integrada". É surpreendente que, só em 2010, vai ser discutida uma alteração a efectuar em 2040, quando a RAVE já existe desde o ano 2000.
A Espanha vai ter três redes ferroviárias: as duas existentes, em bitola métrica (sobretudo nas zonas de montanha e que, para facilitar a compreensão, iremos ignorar) e a de bitola ibérica, com e sem electrificação de 3 mil volts (3 KV) de corrente contínua (cc) e sinalização ASFA e a nova rede de bitola europeia, com electrificação de 25 mil volts e corrente alternada (ca) e sinalização ERTMS, ou seja (bit. Europ, 25KV, ca, ERTMS). Portugal já possui uma rede de bitola ibérica, sem e com electrificação de 25 mil volts e corrente alternada e sinalização Convel. Simplificando e considerando as variáveis bitola, electrificação e electrificação temos:
-Rede convencional de Espanha (bit. Ibérica, 3 KV cc, ASFA)
-Rede convencional de Portugal (bit. Ibérica, 25 KV ca, Convel)
-Nova rede (bit. Europ, 25KV ca, ERTMS). Esta rede será ‘standard’ para ambos os países da Península e da UE.
Significa que, para ter as redes de diferentes países interoperativas, não basta só resolver o maior problema que é a bitola. É também necessário possuir electrificações e sinalizações comuns. Quando o Ministro diz que, daqui a 25 a 30 anos, se migra a bitola e depois logo se vê, existem mais problemas a resolver. Além disso, quando a rede portuguesa depende fortemente da actual Linha do Norte, que solução foi até hoje apresentada sobre este assunto? Infelizmente, o Ministério das Obras das Obras Públicas nunca divulgou nada sobre este tema.
Outro dado preocupante é verificar que, quando foram efectuadas as recentes modernizações da Linha do Norte, Minho, Algarve e mesmo na Beira Alta, nem sequer lá foram colocadas travessas de dupla fixação (ou bi-bitola). É a prova de que nem sequer pensaram na mudança da bitola...
A REFER e RAVE nunca apresentaram qualquer plano de mudança de bitola da rede existente, nem nenhum estudo sobre o assunto. A comprovação desta informação pode ser obtida através das Administrações das duas empresas.
A Espanha, para resolver o grave problema da diferença da bitola da sua rede com a europeia, de modo a permitir que os contentores possam circular livremente para a UE, está a construir um sistema onde existirão duas redes distintas, mas com pontos comuns, como sejam os portos, plataformas logísticas e estações de passageiros.
OPÇÕES A TOMAR EM PORTUGAL
O importante porto de Barcelona, por exemplo, já está preparado para funcionar com as duas bitolas, a ibérica e a europeia. Desta forma, os contentores que forem transportados de e para a UE já poderão circular livremente e sem quaisquer transbordos, o que evita o disparo dos custos do transporte e limita fortemente o número de comboios na linha. Basta visitar a antiga via entre Barcelona até França (Portbou-Cerbère) para o confirmar. Na fronteira Portbou-Cerbère, só circulam 10 comboios de mercadorias por dia. Se a bitola espanhola fosse igual à francesa seriam 280.
Portugal também vai ter que dispor de duas redes distintas: a existente e a nova rede de bitola europeia para solucionar os mesmos problemas que o país vizinho já está a resolver, tanto para as mercadorias como para passageiros.
Existe uma certeza, que todos podem confirmar, é que a Espanha está a construir uma nova rede ferroviária de bitola europeia, com vias preparadas para mercadorias e passageiros, que chegará à nossa fronteira em quatro pontos: Valença, Vilar Formoso, Badajoz e Vila Real de Santo António.
A solução adoptada, no porto de Barcelona, também deveria ser concretizada nos portos de Sines e Setúbal. Desta forma, a linha de bitola europeia, que vem de Madrid até Badajoz, deveria ser prolongada para se ligar aos dois nós da nossa rede ferroviária: Pinhal Novo e Poceirão.
Pinhal Novo é um nó de passageiros que mais tarde será ligado a Lisboa. Poceirão é um nó de mercadorias que deveria ser, em 2013, conectado a Sines e Setúbal através da nova rede, uma vez que, em 2014, a Espanha terá três ligações novas ligações a França e, por consequência, de Madrid será possível a circulação das mercadorias por Irún e Canfranc (reabertura de uma via encerrada em 1970).
Esta opção permitiria que os contentores que fossem descarregados por um navio em Sines, por exemplo, pudessem ser directamente transportados para Portugal pela rede existente, ou para Madrid, diversos pontos de Espanha e UE, através da nova rede com material circulante ‘standard’ e de tracção eléctrica, cujo transporte é muito mais eficiente e barato que a tracção a diesel.
Convém recordar que, actualmente, já se transportam mercadorias de Sines para Madrid através da rede de bitola ibérica no itinerário Sines-Poceirão-Vendas Novas-Setil-Entroncamento-Abrantes-Madrid mas com tracção a diesel. São mais cerca de 130 Km comparando com a ligação Poceirão-Badajoz o que jamais justificará construir uma terceira via de bitola ibérica, ao lado e na mesma plataforma das duas vias de bitola europeia entre Poceirão-Badajoz.
Infelizmente, o Governo só pretende prolongar a via de bitola europeia de mercadorias desde Badajoz até ao Poceirão. Esta é uma decisão errada, que vai obrigar a um transbordo desnecessário para transportar contentores vindos da UE de e para os portos de Setúbal e Sines. As mercadorias, em bitola ‘standard’ ficarão limitadas à plataforma logística do Poceirão e os portos portugueses continuarão condicionados à bitola ibérica. PUBLICO
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