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quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Diplomacia e economia


Os membros do Fórum dos Embaixadores, que reúne as estruturas da AICEP com os chefes das representações diplomáticas portuguesas nos países com relevantes laços económicos connosco, vão hoje estar reunidos em Lisboa, para falar da dimensão económica da diplomacia, isto é, do modo como a nossa rede diplomática e consular melhor pode auxiliar à promoção da economia portuguesa. Trata-se de uma reflexão importante, para conseguirmos garantir maior eficácia ao modo como Portugal gasta o seu dinheiro na vertente externa - na promoção comercial, na captação do investimento estrangeiro, na divulgação turística.

Na minha carreira profissional, e embora não sendo economista, passei a maior parte do tempo a trabalhar na área económica, tentando que diplomacia se orientasse para objectivos importantes para a riqueza material do país.

Há precisamente sete anos, um então titular de um dos mais elevados cargos políticos em Portugal "descobriu a pólvora" e decidiu "decretar", junto da imprensa, que tinha acabado o tempo da "diplomacia do croquete" e que "agora é que era!" na definição de uma diplomacia voltada para a economia. Porque quem não se sente não é filho de boa gente, e porque não admito que se brinque com a dignidade de uma profissão a que eu e muitos colegas dedicámos, com grande seriedade, grande parte das nossas vidas, respondi-lhe à letra, num artigo no "Público", sob o título "Diplomatas & Croquetes", que aqui deixo hoje, para memória futura:

"Iniciativas recentes ligadas à dimensão económica da política externa portuguesa deram azo, uma vez mais, a que os diplomatas fossem brindados com notas depreciativas na comunicação social. Até aqui, nada de novo: zurzir os diplomatas, tidos como um nicho aristocrático e snobe da administração pública, tem uma audiência garantida à partida, por razões que a psicologia do despeito também ajuda a explicar.

Não tendo dos meus colegas qualquer procuração, nem vocação particular para titular reacções corporativas, entendo ter o dever de lembrar – porque, aparentemente, ninguém o fez de forma clara - que os profissionais do Ministério dos Negócios Estrangeiros não nasceram hoje para a chamada diplomacia económica. E afirmar publicamente a dignidade de quantos, como eu, se não sentem representados pela caricatura da "diplomacia do croquete", a menos que aí caibam (porque frequentemente tais croquetes são digeridos nesse âmbito…) as diligências políticas que os embaixadores portugueses continuam a efectuar diariamente pelo mundo, a solicitação dos nossos interesses empresariais.

Convirá, aliás, começar por nos entendermos quando falamos de "diplomacia económica". Prevalece frequentemente a ideia simplista de a reduzir ao apoio político-diplomático aos agentes empresariais que actuam na área internacional (comércio de bens e serviços e promoção do investimento e turismo), bem como às acções para a captação de investimento directo estrangeiro para Portugal. Ora esta é apenas a definição da diplomacia de negócios.

Ninguém mais dos que os profissionais do MNE tem interesse em ver reforçadas as condições funcionais que permitam melhorar a eficácia do trabalho que o ministério sempre desenvolveu nesse contexto, quando para tal solicitado. É essencial, contudo, que haja uma definição de linhas incontroversas de autoridade institucional interdepartamental, o estabelecimento de uma formação técnica contínua dos seus quadros e a dotação dos serviços com os necessários recursos humanos, técnicos e financeiros, se se pretender que esse trabalho evolua para um diferente patamar de especialização. A partir daí, qualquer gestão por objectivos será sempre mais do que bem-vinda pelos diplomatas.

Mas convirá notar, para quem não saiba ou possa entretanto ter esquecido, que a diplomacia de negócios está muito longe de esgotar o conceito de diplomacia económica. Com escassas excepções no domínio financeiro, o MNE assumiu, desde sempre, a direcção de praticamente todas as negociações internacionais relevantes na área económica, quer no plano bilateral, quer multilateral – neste caso, no âmbito das Nações Unidas, da EFTA, do GATT/OMC, da OCDE ou da CEE/UE. E sempre com uma eficácia técnica que nunca se viu contestada seriamente por ninguém. Por exemplo, quem, senão o MNE, coordenou as negociações económico-financeiras de onde derivaram os três Quadros Comunitários de Apoio que beneficiaram Portugal?

Por outro lado, a ideia de que os profissionais do MNE dão prioridade à "política", entretendo-se na elaboração de especulações analíticas destinadas a arquivos, ignora que o mundo e a vida internacionais ainda são algo mais do que a economia, se bem que essa evidência pareça hoje escapar a alguns neo-fascinados pelos cifrões. E Timor? E as questões de segurança e defesa ? E as relações com os PALOP? E a ajuda pública ao desenvolvimento? E as negociações institucionais europeias? E a coordenação do ensino e dos leitorados no estrangeiro? E a gestão da imensa rede consular?

Neste tempo em que parece prevalecer uma cultura de diabolização do serviço público, está criado um terreno fácil para se projectar uma sombra de dúvida sobre o empenhamento e a qualificação profissional de diplomatas, técnicos e quadros administrativos do MNE, os quais, na sua grande maioria e em condições de trabalho muitas vezes difíceis, têm dado provas de grande dedicação aos interesses do país. Mais uma razão para assumir o risco de afrontar l'air du temps e tentar preservar essa coisa simples, mas essencial, que é a verdade das coisas. Doa a quem doer."

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