Outras páginas.

domingo, 26 de julho de 2009

ERRO ESTRATÉGICO DO GOVERNO NA ALTA VELOCIDADE FERROVIÁRIA

O Governo está a cometer um erro estratégico ao propor uma rede que não vai permitir transportar directamente os contentores do nosso território e portos para à U.
Recentemente foram feitas declarações por um Administrador da RAVE, empresa que estuda a nova rede ferroviária, Carlos Fernandes, e pela Secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, que demonstram incongruência nos conceitos para definir a nova rede de bitola (distância entre carris) europeia. Esta rede deveria ser constituída, na sua totalidade, por um conjunto de vias mistas, para mercadorias e passageiros, em bitola europeia, para tornar possível o transporte directo dos contentores para a União Europeia (UE), o que a actual rede não permite, através de Vilar Formoso, caso contrário, seriam necessárias duas redes distintas. Infelizmente, como será demostrado neste artigo, o Governo insiste no transporte de mercadorias, em bitola ibérica.
No dia três de Maio de 2009 e na semana seguinte, foi exibido, na RTPN, uma reportagem, no programa “RADAR DE NEGÓCIOS” sobre a nova rede ferroviária de bitola europeia. Nesse programa, foi colocada a seguinte pergunta ao Administrador Carlos Fernandes da RAVE: Quando poderá a “Auto-Europa” exportar e importar as mercadorias directamente para a Europa, através da nova linha de bitola europeia? A resposta foi a seguinte: “É uma boa questão. Há, de facto, algumas questões que estamos a esclarecer ainda com a Espanha, quanto à travessia de Madrid e, portanto, como sabemos, de Barcelona para França as coisas estão completamente resolvidas. Estamos a trabalhar com a Comissão Europeia, estamos a trabalhar com Espanha, e esperamos que, em 2013, estaremos ligados a Madrid pela linha Lisboa-Madrid e esperamos que, em 2013, haja uma ligação com soluções de atravessamento da zona de Madrid, principalmente das mercadorias, que é isso que estamos a falar para passar para o outro lado, para a ligação à Europa. Temos estudos, também, já relativamente avançados pela ligação Aveiro-Salamanca para também ser uma das portas de saída e entrada para a Europa. Relativamente a calendários, não gostaria de estar a precisar, porque tem a ver com conversações com Espanha e com a Comissão Europeia.”
Através destas declarações ficam definidas duas importantes ideias:
• Sem ter a certeza absoluta, em 2013, a RAVE espera que exista uma ligação de Madrid para a Europa, em bitola europeia, que vai permitir o transporte directo de contentores
• Também é dito, sem adiantar datas, que Aveiro-Salamanca é uma linha mista de mercadorias e passageiros e que será uma das portas de entrada e saída para a Europa, em bitola europeia.
A secretária de Estado Ana Paula Vitorino, no mesmo programa, afirmou que nas linhas de bitola ibérica serão transportadas as cargas pesadas e de baixo valor acrescentado. Noutra ocasiões tem afirmado que na linha de Alta Velocidade serão transportadas cargas de alto valor acrescentado.
VOLTE FACE DA RAVE
Passado um mês e meio, no dia 20 de Junho de 2009, no programa “Expresso da meia noite”, na SIC Notícias, o mesmo Administrador da RAVE, sobre a nova linha Lisboa-Madrid e sobre o transporte das mercadorias para a UE, fez as seguintes afirmações: “a linha Lisboa-Madrid é mista e porque é mista? é mista porque não existe nenhuma alternativa naquele corredor para fazer o trajecto para Madrid. A linha vai chegar, numa 1ª fase, a Madrid e permite abastecer o ‘hinterland’, que são 5 milhões de habitantes. E a questão que se coloca é: porque é que se vai construir uma 3ª linha em bitola ibérica, ao lado de uma via mista de bitola europeia? nós estamos a fazer uma 3ª linha em bitola ibérica porquê? passarão décadas até que a Espanha efectivamente mude (de bitola), se é que alguma vez a Espanha migre a sua bitola”
Mais adiante fez outras afirmações importantes: “o problema da bitola resolve-se de outra maneira. há inúmeros comboios que vão de Espanha para França, que chegam à fronteira espanhola e, numa hora, os contentores são passados de um comboio para outro. os comboios perdem tanto tempo pelo caminho que esse não é o problema (perder uma hora na mudança).”
Estas afirmações confirmam as seguintes ideias
• A RAVE julga que a Espanha manterá a bitola ibérica durante décadas. Foi dito até “se é que alguma vez o país vizinho migre a sua bitola”;
• O transporte de contentores para a Europa resolve-se através do seu transbordo na fronteira francesa, perdendo 1 hora em cada transbordo. O transporte de mercadorias só será efectuado por bitola ibérica.
O transbordo de contentores é uma operação que faz disparar os custos e onde se perde uma hora, por comboio, o que tornaria inviável para um elevado número de comboios que pretendam atravessar a fronteira francesa. Evidentemente que esta opção não resolve o grave problema da diferença da distância entre carris. Aliás, a situação existente é a prova de que o actual sistema não funciona porque o transporte ferroviário de mercadorias entre a Península Ibérica e França é muito baixo, quando comparado com a rodovia. Por esta razão, Portugal precisa de uma nova rede de bitola europeia que permita o transporte das mercadorias desde Vilar Formoso até França.
A Espanha já está a construir, em bitola europeia, linhas mistas para mercadorias e passageiros na fronteira francesa, em Vitória-Irun-França e Barcelona-Figueras-França. Quando estas vias, ainda em construção, estiverem concluídas, será mudada a bitola de outras vias em território espanhol, de modo a permitir a livre circulação de comboios para a UE.
As declarações nos dois programas são contraditórias. Este volte-face até surpreende porque as respostas são antagónicas. Só o próprio poderá explicar verdadeiramente a situação mas é um facto que, após várias críticas pelas opções adoptadas pela RAVE, houve uma mudança de argumentos.
Mais preocupante é não existir certeza absoluta quanto à mudança de bitola, nem às respectivas datas, em Espanha, pela simples razão de que Portugal não pode projectar uma nova rede sem ter esta informação que é determinante. Se não sabe, já deveria ter tratado deste assunto, pois este Administrador da RAVE afirma que está sempre em contacto com responsáveis espanhóis. Não se pode, nem deve, projectar uma nova rede baseado numa presunção.
ERROS DO GOVERNO
No site da RAVE, empresa que efectua os estudos da nova rede ferroviária em Portugal, é possível observar vários erros de conceito muito graves.
1. Não há ligação, através de linhas de bitola europeia, aos portos de Sines e Setúbal
2. Não se justifica uma linha convencional de mercadorias para cargas de 25 Ton/eixo, ao lado de uma linha mista (passageiros e mercadorias), também para 25 Ton/eixo. Este erro vai aumentar os custos em 30%!
3. Nova linha Lisboa-Porto só para passageiros
No primeiro erro, a linha de bitola europeia projectada pela RAVE, de Lisboa ao Porto, só foi pensada para passageiros, já que as pendentes definidas não são inferiores a 18 metros por mil, como é necessário nas linhas mistas, para mercadorias e passageiros. Tal opção não vai permitir o transporte de contentores, em bitola europeia, dos portos de Setúbal e Sines para a Galiza e vice-versa ou para a UE através de Vilar-Formoso-Salamanca-França. O porto de Leixões terá exactamente o mesmo problema.
No segundo erro, como os portos de Setúbal e Sines não estão ligados à nova rede de bitola europeia, esta situação vai obrigar à rotura de carga (mudança de transporte) dos contentores da rede de bitola ibérica para a europeia. Este grave problema vai aumentar os custos e a perda de tempo, pois não será possível efectuar a livre circulação dos comboios de mercadorias para a UE. Para evitar este problema, basta só prolongar a linha mista desde Badajoz até ao Pinhal Novo, que é um ponto de intercepção de várias vias e, deste ponto, através de vias convencionais de bitola europeia, ligar ao porto de Setúbal e, no Poceirão ou Vendas Novas, conectar ao porto de Sines. Este troço poderia ser comum à futura linha para o Algarve. Convém recordar que a Espanha vai mudar a bitola de toda a sua rede em 2020. Se o país vizinho utilizasse as teorias da RAVE, então bastar-lhe-ia efectuar roturas de carga junto à fronteira francesa, em vez de mudar a bitola em todo o país.
Relativamente ao terceiro erro, não faz sentido construir uma linha de mercadorias ao lado de uma linha mista, quando a bitola ibérica vai desaparecer. Se as afirmações prestadas no programa Radar Negócios, pelo Administrador da RAVE, forem concretizadas, então, confirmam os três erros da rede proposta pela RAVE.
As segundas declarações, na Sic Notícias, onde foi dito até “se é que alguma vez o país vizinho migre a sua bitola”, provavelmente, foram uma tentativa de justificar os três erros acima explicados. Contudo, a nova argumentação cai por terra, pela simples razão de que a RAVE está a projectar, para estar pronta em 2015, a linha mista Aveiro-Salamanca, em bitola europeia, e que segundo o próprio responsável da empresa, será uma das principais portas de entrada e saída das mercadorias para a UE. Se a Espanha não alterar a sua bitola, então os contentores só poderão circular sem transbordo desde Aveiro até Salamanca, porque a nova linha Lisboa-Porto é só para passageiros.
Estas contradições confirmam os três erros referidos na estratégia do Governo. Tudo estaria correcto se a futura rede portuguesa for constituída, na sua totalidade, por um conjunto de vias mistas, para mercadorias e passageiros, em bitola europeia.

Rui Rodrigues
Email: rrodrigues.5@netcabo.pt
Site: www.maquinistas.org

Sem comentários:

Enviar um comentário