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sexta-feira, 26 de junho de 2009

O "Lisboa"


Reconheço que se trata, talvez, de uma atitude muito geracional. Mas, tenho de confessar, a desaparição, já há quase duas décadas, do "Diário de Lisboa" acabou por ser, para mim, algo traumática, no saldo de memória da imprensa portuguesa em que fui criado. Por isso, a morte do seu antigo proprietário e director, António Ruella Ramos, agora ocorrida, associa-se a essa tristeza e convida aqui a uma nota sobre o jornal.

O vespertino lisboeta foi, durante as décadas da ditadura, uma referência diária na imprensa democrática portuguesa. Tentou sempre representar, ao lado do "República", um espaço para as vozes dissidentes, muito mais que do que o equívoco "Diário Popular" (que me desculpem os amigos que por lá tive) e bem antes de "A Capital" - um jornal que resultou da saída , em 1968, de um grupo de jornalistas do "Lisboa". Uma anedota oposicionista espalhava então que os ardinas, pelas ruas de Lisboa, anunciavam assim os quatro jornais da tarde: "Lisboa/Capital/República/Popular!".

O "Lisboa" era um jornal diferente de todos os outros. Menos "popular" que o "Popular", menos "reviralhista" que o "República", menos "à la page" que "A Capital". Para nós, os fiéis, tinha códigos de leitura muito próprios, tinha entrelinhas que nos animavam as tardes nos cafés, funcionava como um repositório de esperança democrática. E tinha gente nova, que aí escrevia, com quem nos cruzávamos, depois da saída do jornal, na "Brasileira" ou no "Monte-Carlo".

Para mim, que "aderi" ao jornal aí por 1966, marcaram-me muito os tempos de "Mosca" (um suplemento humorístico dos sábados, que fez história), do DL Juvenil (suplemento literário para jovens, por onde passou quase tudo quanto "foi gente" na cultura portuguesa imediatamente posterior) e do seu destacável cultural (creio que às 4ªs feiras, num tempo em que todos os vespertinos mantinham espaços idênticos). Comprar o "Lisboa" era um "vício": imaginem o que seria, nos dias que correm, esperar pelo jornal de ontem, a meio da tarde do dia seguinte! Pois era isso que nos acontecia, pela província onde passávamos férias, disputando com ardor os escassos exemplares vendáveis. Eram outros tempos! Melhores? Claro que não, apenas muito diferentes.

O "Lisboa" teve na redacção nomes da literatura como Sttau Monteiro, Cardoso Pires, Urbano Tavares Rodrigues, Carlos Eurico da Costa, Fernando Assis Pacheco ou José Saramago (fazia inicialmente traduções...). E jornalistas como Álvaro Salema, Norberto Lopes, Artur Portela, José Carlos de Vasconcelos, Veiga Pereira ou Manuel de Azevedo. E a pena ácida e certeira de Mário Castrim ou Pedro Alvim, entre tantos e tantos outros.

Recordo, em particular, os tempos eleitorais, em que aguardávamos o "Lisboa", com aquele "lettering" de título idêntico ao "Le Monde", com grande ansiedade, para ver o que a censura tinha "deixado passar". E, valha a verdade, também lembro os tempos de uma menos saudável ortodoxia, após o 25 de Abril, onde a antiga pluralidade se diluiu - e que terá contribuído, entre outros decisivos factores, para liquidar o jornal.

Mas hoje é tempo de saudar o saldo bem positivo do velho "Diário de Lisboa", na hora da saída de cena de Ruella Ramos, um homem de bem, uma grande figura da imprensa portuguesa, que manteve o seu jornal até onde lhe foi sustentável.

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