segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Relatório das PPP: a 181.ª conclusão.

Avelino de Jesus

Um pequeno grupo de 4 países - Portugal, Espanha, Grécia e Hungria - agrega mais de 30% das PPP; têm todos um traço comum, com relevo para o caso: a promiscuidade entre o Estado e o privado e a corrupção larvar e impune.

O projecto de relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito às PPP nas suas 180 conclusões - e no conteúdo de todo o documento - contém elementos de grande importância e revela coragem ao expor cruamente o desbaratar de recursos, a irresponsabilidade e até os eventuais aspectos dolosos de muitas das decisões dos últimos 20 anos.

Expõe exaustivamente os graves erros dos decisores políticos. 

Refere as insuficiências dos reguladores e das empresas públicas.

Acusa, quanto baste e como se impunha, as falhas do Tribunal de Contas. 

Aponta as situações mais escandalosas de PPP promovidas em todos os governos, incluindo os formados pelos partidos apoiantes da actual maioria parlamentar.

Mas há uma conclusão que falta. E essa é fundamental: a que interprete e tire consequências das perversões abundantemente referenciadas no relatório. 

Para o efeito, os deputados inquiridores devem inspirar-se na análise económica independente produzida nos últimos 20 anos. Esta deduziu, de forma sustentada, sérias reservas às PPP, vertidas numa vasta literatura que explica bem o falhanço económico e moral desta forma de contratação pública. 

Em Portugal - por preguiça nuns casos, por interesse noutros –, não se tem explorado este conhecimento que, se investido na formulação das políticas públicas, teria evitado muito do sofrimento que o país agora está a suportar. Pior ainda, a insistência no mesmo erro é uma ameaça real que enfrentamos e que urge esconjurar. 

As PPP só atingem significado como instrumento de investimento em 2 tipos de situações: ou em países fortemente condicionados pela influência do sector financeiro ou em nações castigadas por uma moral social muito fragilizada.

Vejamos o caso da Europa. No Reino Unido - por via da captura da decisão política pelo forte sector financeiro –, estão localizadas mais de metade das PPP europeias. Depois, um pequeno grupo de 4 países - Portugal, Espanha, Grécia e Hungria - agrega mais de 30% das PPP; têm todos um traço comum, com relevo para o caso: a promiscuidade entre o Estado e o privado e a corrupção larvar e impune que afecta os seus tecidos sociais. Nos restantes países, quando se detecta a presença de PPP, verificamos que estas têm uma importância reduzida, quer em termos de peso no investimento interno quer como proporção das PPP europeias. 

Esta distribuição perversa das PPP tem uma explicação: trata-se de uma forma ineficiente de contratação pública rejeitada pela boa decisão política.

Algumas breves referências à escala internacional podem ajudar a entender o problema.

Já no longínquo ano de 2004, um texto do FMI(1), promovido pela nossa velha conhecida Teresa Ter-Minassian, alertava com veemência para o sobrecusto das PPP. Dele não resisto a citar duas frases ilustrativas: "Não se pode dar por garantido que as PPP são mais eficientes que o investimento público tradicional" e "Os Estados sobreavaliam o risco e sobrecompensam o sector privado o que aumenta o custo das PPP relativamente ao investimento público directo". Não são referências a casos excêntricos e mal geridos de PPP - é teoria geral sobre PPP. 

Em 2011, o "Financial Times"(2) publicou, com estrondo, um texto em que revelava, entre outros dados no mesmo sentido, que, em 700 PPP britânicas avaliadas, o sobrecusto de financiamento – face à contratação tradicional - foi de 20 biliões de libras, o equivalente ao custo de 40 novos hospitais. (No Reino Unido trava-se no Parlamento, desde 2008, um feroz combate político para a redução e eliminação desta figura no âmbito do qual se têm produzido excelentes relatórios com abundante evidência do seu sobrecusto; o texto do "FT" que citei é apenas uma breve ilustração).

Um estudo(3) de 2012, apresentado no âmbito de um seminário de discussão técnica do fórum dos transportes da OCDE – cujo título começa pela sugestiva "The Fantasy World …" - mostra que as PPP "aumentam o custo, a complexidade, a burocracia e o risco de tal modo que os cuidados na elaboração dos contratos e na gestão da sua implementação jamais conseguirão ultrapassar".

Finalmente, numa vasta comparação global de diferentes programas de PPP efectuada numa investigação recente(4) – promovida pela associação britânica dos contabilistas e efectuada pela Manchester Business School - conclui-se que "só em casos raros as PPP proporcionam um "Value for Money" superior ao da contratação pública tradicional".

Para ficar completo, e ganhar eficácia, o relatório das PPP carece de uma conclusão adicional, a 181.ª, rezando assim:

"181. A Comissão entende que os factos expostos ao longo das inquirições confirmam, no caso português, a natureza nociva das PPP evidenciada teórica e empiricamente pela análise económica produzida, nos últimos 20 anos. Em consequência, a Comissão decide propor, a todos os grupos parlamentares, a aprovação urgente de legislação visando banir, no futuro, a possibilidade de criação de novas PPP."

O relatório é corajoso e toca em pontos fundamentais. Porém, se não lhe for acrescentada esta conclusão transformar-se-á num mero instrumento de luta politiqueira sem consequências úteis.

(1) International Monetary Fund, Public-Private Partnerships, IMF, Washington, 2004. (http://www.imf.org/external/np/fad/2004/pifp/eng/031204.htm)

(2) Nicholas Timmins e Chris Giles, "Private finance costs taxpayer £20bn", Financial Times, 7 de Agosto de 2011.

(http://www.ft.com/intl/cms/s/0/65068d1c-bdd2-11e0-babc-00144feabdc0.html#axzz2Wmrb3kS6)

(3) Jean Shaoul, Anne Stafford, e Pam Stapleton, "The Fantasy World of Private Finance for Transport via Public Private Partnerships", Discussion Paper No. 2012-6, International Transport Forum, OCDE, Setembro de 2012. 

(http://www.internationaltransportforum.org/jtrc/DiscussionPapers/DP201206.pdf)

(4) Graham M. Winch, Masamitsu Onishi, Sandra Schmidt, Taking Stock of PPP and PFI Around the World, Association of Chartered Certified Accountants, Londres, 2012.

(http://www.accaglobal.com/content/dam/acca/global/PDF-technical/public-sector/rr-126-001.pdf).

Economista e professor do ISEG 

majesus@iseg.utl.pt

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