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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"A última missão"

Nos idos de 1974, creio que no mês de Agosto, era eu adjunto da Junta de Salvação Nacional, fui um dia apresentado a um oficial pára-quedista que tinha como missão estruturar um grupo de milicianos que, no quadro da "intelligence" militar, deveriam refletir sobre a realidade nacional. Vinha convidar-me para integrar esse núcleo, que ficaria sediado no Palácio da Ajuda, onde hoje é o ministério da Cultura. Lembro-me de ter hesitado, por várias razões. Acabei por fazer parte do grupo em Outubro de 1974, já depois da desaparição da Junta.

Esse oficial era o major Moura Calheiros, um homem de fala suave e sorriso sereno e, ao que sei, também então estudante em "Económicas". O grupo viria a ser composto por gente muito diversa, curiosamente com orientações políticas bem distintas, do então PPD ao MES, do PS ao CDS, alguns sem partido conhecido. E, curiosamente, que eu saiba, ninguém do PCP. Profissionalmente, havia de tudo: futuros diplomatas, como o João Lima Pimentel e eu; economistas, como Agostinho Roseta, António Romão, Brandão de Brito ou António Alves Martins; engenheiros, como Armando Sevinate Pinto ou Otto Uwe Leichsenring; licenciados em Direito, como Abel Gomes de Almeida, Sampaio Caramelo ou Alexandre Pinto Monteiro. Mas também um psicólogo e um jornalista, bem como pessoas oriundas de outras áreas profissionais. Durante alguns meses, nessa 2ª Divisão do EMGFA, produzimos vasta reflexão sobre o país mutante em que então vivíamos, "briefávamos" diariamente os nossos superiores e preparávamos textos de análise para a chefia da Revolução. Depois do 11 de Março, esse serviço foi extinto e seguimos vias militares diferentes, em especial no "verão quente" que se seguiu. Antes de sermos todos "mandados para casa", no segundo semestre desse ano, porque os milicianos já não eram necessários.

Ao longo do ano de 1975, fui encontrando o major Calheiros pelos corredores do MFA, em dias exaltantes e noites exaltadas. Já funcionário diplomático, tive ecos das dificuldades da sua tarefa no âmbito dos pára-quedistas de Tancos, no quadro do 25 de Novembro. Nunca mais ouvi falar dele.

Há semanas, li uma referência a um livro seu. Foi-me difícil adquiri-lo. São quase 700 páginas de uma memória dos tempos da guerra colonial, tendo como pretexto a sua integração numa missão de resgate dos restos mortais de companheiros, caídos em combate na Guiné. É um texto de tocante simplicidade, que revisita - com olhos de profissional militar mas com uma visão humana muito serena e compreensiva - os tempos da luta e os seus ambientes, comparando figuras e situações de ontem e de hoje, da sociedade da África descolonizada e do que sobreviveu da memória de Portugal nesses palcos da nossa última aventura pelo mundo.

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