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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Profundidade de campo

Francisco Seixas da Costa Como esperado, o novo filme de Manoel de Oliveira, "Singularidades de uma Rapariga Loira", está a merecer em França um acolhimento muito positivo, nas áreas da cultura que, desde há muito, mantêm um fascínio e veneração pelo realizador português. Um texto de página, no "Libération" de hoje, é disso prova clara.
Num dos pontos desse texto, o crítico refere que o filme tem a cena de uma jovem vista de longe: "La jeune fille a toujours l'air absent et comme filmée de loin, à la fois idéale et détachée, ou alors de si près qu'elle perd tout le sortilège de son charme".
Ao ler esta frase, lembrei-me de uma história que me foi contada pela minha colega embaixadora Margarida Figueiredo, que se terá passado, um dia, com um membro de um Governo português que presidia a um qualquer Conselho de Ministros, numa reunião da União Europeia, em Bruxelas.
Ao que ela me relatou - sem revelar, "bien entendu", o nome do político -, esse governante terá, a certa altura, ficado como que deslumbrado com a entrada na sala de uma nova ministra, oriunda de um qualquer país onde o loiro costuma abundar. Porque essa senhora chegara atrasada à reunião, o nosso homem, logo que teve a oportunidade de retomar a palavra, ter-se-á desvanecido numa manifestação de expressivas boas-vindas à recém-chegada, num exagero que por pouco não roçava o assédio verbal - a acreditar, como sempre acredito, na versão daquela minha colega. Alguns dos presentes terão mesmo ficado um tanto perplexos com tão expressiva manifestação por parte da presidência portuguesa. Mas, verdade seja, a União Europeia começa hoje a ser uma entidade no seio da qual já ninguém se surpreende com nada. Note-se ainda, porque não é irrelevante, que a tal ministra loira estaria sentada precisamente do outro lado da sala, naquelas mesas imensas, num lugar muito distante da nossa delegação.
No termo do almoço de trabalho, onde apenas tomam assento os ministros e o contacto é mais chegado entre eles, a embaixadora Margarida Figueiredo, cuja confiança de alguns anos com o governante já lhe permitia alguma ousadia, inquiriu-o ironicamente sobre como achara, no contacto pessoal, a nova colega, que visivelmente tanto o impressionara na sessão. A resposta foi cortante: "É uma velha! Parecia muito gira, mas está toda encarquilhada! Vou ter de mudar de óculos para ver à distância", concluiu, agastado. A galanteria portuguesa já não é o que era...

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